J&F ganha 72% dos recursos no Carf e "poupa" R$ 434 mi; índice é maior que a média geral de ganhos no órgão
As empresas dos irmãos Wesley e Joesley Batista --donos da J&F Investimentos, controladora de marcas como JBS, Friboi, Seara e Havaianas entre outras, incluindo um banco online-- deixaram de pagar à União pelo menos R$ 434 milhões nos últimos dez anos com recursos ao Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), indica levantamento feito pelo UOL. Foram ao menos 129 recursos de 2008 a 2017. Destes, os irmãos ganharam total ou parcialmente 93 causas e perderam 36.
Assim, os irmãos Batista ganharam 72% dos recursos disputados no período em questão. De acordo com o relatório do Carf divulgado em outubro do ano passado, com dados de 6.000 julgamentos feitos pelo órgão de janeiro a agosto de 2016, a taxa média de sucesso dos contribuintes nos recursos é de 52%, e a da União, 48%.
Antes da delação dos irmãos Batista, no início de 2016, referências à JBS foram flagradas em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal na Operação Zelotes, que investiga corrupção com a venda de sentenças e decisões favoráveis por parte de conselheiros do Carf.
O levantamento feito pelo UOL não inclui a maioria das 93 decisões favoráveis, já que elas não possuem valor total calculado nas peças. Dessa forma, o volume de dinheiro aferido pelos irmãos Batista é, na realidade, maior. A J&F Investimentos faturou cerca de R$ 170 bilhões em 2016 e está presente em diversos países. Pouco menos de 50% do faturamento total é nos Estados Unidos.
Algumas empresas foram incorporadas ao grupo mais recentemente, logo o levantamento considerou apenas o período a partir de suas aquisições. A maioria dos processos em julgamento no Carf são referentes a multas ou à não concessão de créditos tributários e incentivos fiscais às empresas do grupo por parte da Receita Federal. O quase meio bilhão de reais "economizado" inclui desde a concessão total dos créditos tributários e o cancelamento das multas pretendidas até decisões parciais que enviam o processo de volta para o início na Receita, por exemplo.
Pedido de ajuda em gravação
Os irmãos Wesley e Joesley Batista e alguns executivos do grupo são suspeitos de crime de corrupção em diversos inquéritos da Polícia Federal e na Justiça, mas não eram réus em ações penais e não foram condenados. Com o acordo de delação premiada fechado com a Procuradoria-Geral da República, eles ficam livres de responsabilidade penal nos crimes que cometeram e delataram, inclusive com liberdade para morar fora do Brasil. A única penalidade foi uma multa de R$ 225 milhões.
Fora isso, as empresas do grupo tem de fechar um acordo de leniência com a procuradoria para também ficarem livres das investigações: A PGR exigiu cerca de R$ 10 bilhões no acordo, mas os irmãos Batista ofereceram R$ 1 bilhão. As negociações continuam.
Não há menção direta a julgamentos do Carf nos trechos das delações dos irmãos Wesley e Joesley Batista - parte da delação ainda está sob sigilo. Em gravação clandestina de conversa com o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) feita no dia 16 de abril e entregue à Polícia Federal no acordo de delação premiada feito com a PGR (Procuradoria-Geral da República) e homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), Joesley Batista demonstra preocupação com o tema. O empresário fala da retenção de créditos tributários da ordem de R$ 1 bilhão, referentes a contribuições como PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).
Ele aproveita o encontro, na casa do deputado em Brasília, para discutir estes interesses das empresas do grupo junto à PGFN (Procuradoria Geral da Fazenda Nacional), que representa a União no Carf, responsável em última instância por julgar questões administrativas como créditos de PIS e Cofins, entre outras matérias tributárias, e em disputas na Receita Federal.
Instantes antes deste trecho da conversa, Loures telefona no viva-voz supostamente para um funcionário do Ministério da Fazenda ou da Receita Federal e discute a indicação de nomes de confiança para a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) na frente do dono da J&F.
Depois de colocar a questão dos créditos a receber, Joesley escuta de Rocha Loures que diversas empresas estão com o mesmo problema e que a solução provavelmente virá do Congresso Nacional, via alguma medida legislativa para destravar os créditos tributários (ouça abaixo), e não da PGFN. Quando aborda o assunto, um pouco antes na gravação, Joesley dá a entender que já havia falado sobre dificuldades na PGFN com o deputado. A conversa continua depois disso. A gravação inteira tem 57 minutos de duração.
Em um dos anexos na denúncia contra o deputado Rocha Loures e o presidente Michel Temer apresentada ao STF, a Procuradoria-Geral da República reforça o assunto e afirma que Joesley ofereceu “lançar mais créditos na planilha [supostamente de propina para os políticos] à medida que outras intercessões de Temer e Rodrigo em favor do Grupo J&F fossem bem-sucedidas em negócios tais como energia de longo prazo e destravamento das compensações de crédito de PIS/Cofins com débitos de INSS. Rodrigo também aceitou”. Parte do conteúdo das delações dos irmãos Batista e executivos de suas empresas ainda é mantido sob sigilo pelo STF.
Em um dos depoimentos da delação, Joesley afirma que pagou propina a deputados, inclusive em um episódio para evitar a convocação do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega a depor na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Carf.
Livres da Operação Zelotes e outras
Antes da delação dos irmãos Batista, no início do ano passado, referências à JBS foram flagradas em escutas telefônicas feitas pela Polícia Federal na Operação Zelotes, que investiga corrupção com a venda de sentenças e decisões favoráveis por parte de conselheiros do Carf.
A JBS é citada nas gravações e e-mails que constam no relatório da investigação do esquema de venda de sentenças. Segundo a PF, há indícios de que as empresas foram beneficiadas e tiveram dívidas tributárias reduzidas.
A PF gravou um diálogo entre um conselheiro do Carf e um lobista, que comprovaria “tráfico de influência” no colegiado, de acordo com relatório da PF. A dupla combina o valor a ser cobrado da JBS para garantir resultados favoráveis em julgamentos de três processos que somavam R$ 276,7 milhões em dívidas tributárias. Ficou decidido que a propina seria de 10% do valor, ou R$ 27,7 milhões.
Com o acordo de delação premiada, os irmãos Batista e outros executivos do grupo que prestaram depoimentos e esclarecimentos à PGR ficam livres de qualquer responsabilidade criminal sobre os casos de corrupção que denunciaram. Além da Operação Zelotes, a J&F e seus executivos eram investigados em pelo menos outros cinco inquéritos da PF: Operação Greenfield, Operação Carne Fraca, Operação Cui Bono, Operação Bullish e Operação Sepsis.
Na mesma gravação, instantes antes, Joesley havia oferecido 5% de propina sobre o faturamento de uma usina de energia do grupo em Cuiabá, em troca de uma interferência em disputa por gás boliviano com a Petrobras no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Pedido que o deputado se compromete a tentar atender. O Cade negou, em nota, qualquer favorecimento.
Os dois ainda tratam de interesses de Joesley na CVM (Comissão de Valores Imobiliários), mas não fica claro do que se trata.
Procurado pela reportagem para comentar o assunto por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Fazenda (responsável pela Receita Federal e o Carf) afirmou que não tem nada a dizer sobre o assunto. A defesa do deputado Rocha Loures diz que vai manifestar-se no inquérito e que seu cliente está a disposição da Justiça.
Por e-mail, a assessoria da J&F diz que "as informações, dados e provas encontram-se em poder da Justiça, órgão responsável pela avaliação de tais documentos". A companhia diz que segue em seu firme propósito de colaborar com a Justiça brasileira no combate à corrupção no país.
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