Dicionário da propina: operador de Cabral apelidava dinheiro de "galo" e "Zidane"
Em declaração à força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, Luiz Carlos Bezerra, apontado como operador financeiro no esquema de corrupção chefiado pelo ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), afirmou que usava apelidos como "galo", "Zidane" e "Orozimba" para se referir a propina e moedas.
No mesmo depoimento, ele revelou ter recebido recursos ilícitos de Marco Antonio de Luca, empresário preso nesta quinta-feira (1º) pela Polícia Federal na Operação Ratatouille. Segundo os investigadores, Luca teria pago ao menos R$ 12,5 milhões em propina em troca de contratos com o governo do Rio --as empresas ligadas a ele somaram R$ 7 bilhões em contratos.
Bezerra foi ouvido pelos procuradores do MPF (Ministério Público Federal) em 4 de maio. Trecho do depoimento dele consta no despacho do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal, que expediu mandado de prisão contra Luca, cumprido pela PF nesta quinta-feira (1º).
Luca é ligado, de acordo com as investigações, a fornecedores que têm contratos com o governo do Estado. Tais empresas, como a Masan e a Milano, teriam obtido, narra o MPF, vantagens ilícitas mediante pagamento de propina ao grupo criminoso chefiado por Cabral --que esteve à frente do Executivo entre 2007 e 2014.
Os procuradores da força-tarefa da Lava Jato afirmam que o dinheiro ilícito era pago para que as empresas de Luca fossem beneficiadas nos acordos comerciais com o Estado, o que inclui contratos de alimentação para escolas e presídios, entre outros serviços.
Bezerra revelou que moedas estrangeiras, por exemplo, tinham codinomes. O euro era chamado de "Zidane" --referência ao ex-jogador de futebol francês Zinedine Zidane, campeão da Copa do Mundo de 1998-- e "Orozimba". Já a libra esterlina era chamada de "Queen".
Além disso, nas conversas entre Luca e o receptor da propina, certos valores possuíam alcunhas. "Perna", por exemplo, representava a quantia de R$ 100 mil; "Duque", R$ 200 mil; e "Galo", R$ 50 mil.
O dinheiro ilícito pago por Luca seria retirado no apartamento dele, situado na avenida Vieira Souto, em Ipanema, região nobre da zona sul carioca, e em outros endereços. Após quebra de sigilo de dados telemáticos, foi constatado que ele e Bezerra se falavam constantemente por telefone, e-mail e pelo aplicativo "WICKR" --"programa que tem a finalidade de autodestruir as mensagens após a leitura". No app, Luca utilizava o codinome "Josefino".
A PF descobriu uma série de chamadas telefônicas entre os investigados. Luca ligou para Bezerra, por exemplo, ao menos 51 vezes (e recebeu do interlocutor 41 chamadas); em relação a Cabral, foram 35 recebidas e nove efetuadas. Para a Justiça Federal, os elementos corroboram "a relação de proximidade" entre os citados.
Durante o depoimento, Bezerra também disse que, nas anotações de pagamento de propina, Luca foi apelidado de "Crazy", "Louco" e "De louco". Essas informações eram registradas em uma espécie de planilha criada pelo operador.
Com base nas anotações, os procuradores apuraram que, entre outubro de 2013 e novembro de 2016, os valores de entrada e saída de recursos ilícitos representaram mais de R$ 37,6 milhões --dinheiro que foi movimentado apenas por Luiz Carlos Bezerra e não considera os recursos captados por outros operadores de Cabral. Desse montante, pouco mais de um terço veio das empresas de Luca (R$ 12,5 milhões).
PF apreende bens de empresário
A Polícia Federal do Rio de Janeiro apreendeu 16 obras de arte, três carros de luxo e R$ 400 mil (foto acima) que fariam parte do patrimônio de Marco Antônio de Luca.
Entre os veículos apreendidos, há um Dodge e uma Mercedes, segundo um policial federal ouvido pelo UOL. Ele disse ainda que o material foi encontrado em sete endereços comerciais e dois residenciais. Esses últimos seriam o apartamento de Luca, em Ipanema, e um sítio, cuja localização não foi informada.
Por meio de suas empresas, Luca teria, segundo o MPF, destinado R$ 12,5 milhões em propina ao ex-governador Sérgio Cabral, preso desde novembro do ano passado, e a secretários de Estado.
No total, narra o MPF, as empresas Masan e Milano conseguiram contratos que, somados, chegam a mais de R$ 7 bilhões, no período entre 2011 e 2017.
Por solicitação do MPF, a Justiça autorizou sequestro de bens no valor de até R$ 12.595.700 de Luca e suas empresas. O empresário foi detido em sua casa, na avenida Vieira Souto. Ele será responsabilizado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Outro lado
A defesa de Sérgio Cabral se manifestará sobre as acusações em juízo. Já a Masan, em nota, informou que "trabalha com o governo do Estado desde 2005", isto é, antes do início da administração Cabral. "Todas as licitações ganhas pela empresa foram pela modalidade de menor preço", alegou. A empresa ressalta também que "nunca foi condenada por qualquer tipo de irregularidade em sua história."
"A empresa sofre hoje, como todos os prestadores de serviços, com a inadimplência do governo do Estado do Rio de Janeiro, que chega à casa de R$ 70 milhões. O passivo, iniciado em 2010, vem sendo cobrado na instância administrativa."
"A empresa sempre se colocou à disposição das autoridades para prestar todos os esclarecimentos necessários sobre suas operações."
A nota diz ainda que Marco Antonio de Luca não faria parte da Masan desde agosto de 2015 e que ele nunca teria feito parte do quadro societário da Milano.
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