Em sentença de Palocci, Moro defende delações: "Crimes não são cometidos no céu"
Na sentença proferida nesta segunda-feira (26) em que condenou o ex-ministro Antônio Palocci (PT) a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro, o juiz Sergio Moro, da Justiça Federal do Paraná, faz uma veemente defesa do uso dos acordos de delação premiada em investigações criminais.
"Sem o recurso à colaboração premiada, vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível", afirma o magistrado. "Em outras palavras, crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos."
As declarações de Moro vêm a público em momento no qual o STF (Supremo Tribunal Federal) decide sobre a validade das delações de executivos da JBS, que arrastaram o governo do presidente Michel Temer (PMDB) para uma profunda crise política.
Ainda na segunda (26), horas após a sentença de Moro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ofereceu denúncia contra Temer por corrupção passiva justamente com base nas delações de executivos da JBS, entre outros elementos.
Moro defende a delação premiada como "instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco ou praticados por grupos criminosos, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração."
Para o juiz, "quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas, isso sim reprovável."
De origem napolitana, a palavra "omertà" é usada para designar a lei do silêncio vigente entre membros da máfia italiana. A fase da Lava Jato em que Palocci foi preso foi batizada justamente como "Omertà".
Prisão x delação
Moro também afirma que "jamais se prendeu qualquer pessoa buscando confissão e colaboração", tema recorrente em críticas de alvos da Lava Jato. Segundo o juiz, o fato de "quase todos os colaboradores no presente caso" terem fechado acordo em liberdade ilustra "a falta de correlação entre prisão e colaboração".
O magistrado também defende os decretos de prisões temporárias e preventivas, principalmente devido aos riscos de que os alvos continuem cometendo irregularidades, "dados os indícios de atividade criminal grave reiterada, habitual e profissional."
Moro faz a ressalva de que "a palavra do criminoso colaborador deve ser corroborada por outras provas" e que nada impede os delatados de questionarem "a credibilidade do depoimento do colaborador e a corroboração dela por outras provas."
"É certo que a colaboração premiada não se faz sem regras e cautelas, sendo uma das principais a de que a palavra do criminoso colaborador deve ser sempre confirmada por provas independentes e, ademais, caso descoberto que faltou com a verdade, perde os benefícios do acordo", afirma. "Ainda muitas das declarações prestadas por acusados colaboradores precisam ser profundamente checadas, a fim de verificar se encontram ou não prova de corroboração."
Vinte delatores ouvidos
Moro lista um total de 20 delatores ouvidos no processo, seja a pedido da acusação, seja a pedido das defesas, ou mesmo como réus. Entre eles estão o ex-senador Delcídio do Amaral, o empresário Marcelo Odebrecht e o casal de marqueteiros João Santana e Mônica Moura.
O juiz cita também que, apesar dos depoimentos de delatores, o conteúdo das delações feitas junto à PGR (Procuradoria-Geral da República) não foi juntado no processo, já que não houve autorização do STF (Supremo Tribunal Federal) para tanto.
De qualquer forma, segundo Moro, o processo "sustenta-se em prova independente", principalmente as obtidas por meio de quebra de sigilo bancário e eletrônico, além de operações de busca e apreensão. "Rigorosamente, foi o conjunto probatório robusto que deu causa às colaborações e não estas que propiciaram o restante das provas", diz.
A delação premiada está prevista na lei 12.850, sancionada em agosto de 2013 pela então presidente Dilma Rousseff (PT) no rastro dos protestos de junho daquele ano. Depois, a própria Dilma veio a se tornar alvo de delatores.
No âmbito da Lava Jato, foram firmados 158 acordos de colaboração com a força-tarefa do MPF-PR (Ministério Público Federal no Paraná) até o último dia 16, segundo dados do próprio órgão. Na PGR, foram 49 acordos até o dia 1º de fevereiro.
Segundo levantamento do jornal “O Estado de S. Paulo”, após a lei 12.850, o número de prisões por corrupção saltou de 135 em 2013 para 524 em 2016, um avanço de 288%.
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