Empresário bancou R$ 70 mil/ano em viagens e depositou US$ 3 milhões na Suíça, diz ex-secretário
O ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro Sérgio Côrtes, preso em abril em decorrência da operação Fatura Exposta desdobramento da Lava Jato, admitiu em interrogatório na 7ª Vara Criminal da Justiça Federal que recebeu "vantagens ilícitas" do empresário Miguel Iskin, também réu na ação penal, antes e depois de ter assumido a direção do Into (Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia), na região portuária da capital fluminense.
Segundo Côrtes, quando ele esteve no comando do hospital federal, os valores giravam em torno de R$ 70 mil a R$ 80 mil por ano. Ele ficou à frente do Into entre 2002 e 2006. Depois de passar pelo instituto, o ex-secretário de Saúde do Rio comandou a pasta entre 2007 e 2013 na gestão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), que é réu na mesma ação penal.
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Tais recursos, afirmou o ex-secretário de Saúde, representavam custeio de viagens a congressos e outros eventos. "Reconheço que recebi vantagens indevidas", disse o depoente, "para formação", e não como propina relacionada ao esquema de compra de equipamentos denunciado pelo Ministério Público Federal.
Ele relatou ter pedido que Iskin não pagasse diretamente para as agências de viagem e hotéis, e sim que desse os valores em espécie para ele. "Não queria meu nome como diretor do Into associado a isso", disse. "Solicitei a ele para que interrompesse o pagamento direto às agências de viagem, e sim para que eu recebesse [em espécie]", declarou.
Côrtes disse ser comum entre médicos e profissionais de saúde o custeio de viagens internacionais a congressos e eventos do ramo. Segundo ele, Iskin investia em sua "formação" desde que ele era residente. Ele citou como exemplo a indústria farmacêutica, que, segundo o réu, "sempre financiou médicos para ir aos congressos e conhecer os produtos". "(...) mas nunca recebi percentual sobre vendas. Reconheço que recebi vantagens indevidas para minha formação."
Segundo o ex-secretário, o empresário acusado de fraudar licitações custeava viagens antes mesmo de Côrtes comandar o Into. "Isso [custeio de viagens] ocorreu antes e depois da minha direção no Into. Desde 1970, o Iskin é o maior fornecedor do Into. Ele não tem uma projeção durante a minha passagem."
Côrtes disse que, até hoje, médicos e profissionais de saúde têm viagens custeadas pela iniciativa privada, incluindo empresas como as do grupo Iskin. Bretas então o alerta para o fato de que o réu Miguel Iskin está preso e pergunta como o ex-secretário de Saúde poderia ter essa informação.
"Coisa que é diária, frequente da atividade médica", respondeu o réu. "Até hoje, houve um congresso americano agora, isso ocorreu. Não só no Into, em todos."
Questionado por Bretas sobre qual período teria recebido as vantagens indevidas de Iskin, Côrtes disse que elas começaram em 2002 e foram até 2010, quando o ex-secretário teve seu nome cotado para o Ministério da Saúde.
Mais tarde, em seu interrogatório, Miguel Iskin confirmou o pagamento de viagens para médicos e profissionais de saúde. Segundo o empresário, iniciantes recebiam investimentos mais modestos, como passagens e estadia para congressos pelo Brasil. Já médicos de destaque no mercado eram beneficiados com viagens internacionais e participações em eventos renomados.
"Os valores dependem dos médicos. Na medida que o Côrtes foi se destacando, pensamos que era melhor ele viajar mais frequentemente", disse.
Nas palavras de Iskin, o ex-secretário ganhou "livre-arbítrio" para escolher quando e onde viajar depois que assumiu a chefia do Into. "Nunca disse não a nenhuma viagem dele, não sei quantas foram", disse. Nesse momento, os dois fizeram um acordo, conforme relatado por Côrtes. Em vez de pagar diretamente a agências de viagem e serviços relacionados, Côrtes passou a estabelecer uma despesa e ser "reembolsada" pelo empresário.
"Nunca vi nada de errado nisso e não tinha nada escondido, era tudo aberto. Se existir uma questão, é uma questão ética."
US$ 3 milhões em conta na Suíça
Em seu depoimento, Côrtes disse ainda que recebeu ao todo US$ 3 milhões de Iskin, depositados em uma conta na Suíça e devolvidos à Justiça. O dinheiro, segundo o ex-secretário, era uma forma de financiar um futuro político e permitir que, caso ele fosse eleito para algum cargo, como o de deputado federal, pudesse pleitear o cargo de ministro da Saúde.
Durante todo o depoimento, Côrtes chamou os valores recebidos de Iskin de “vantagens ilícitas” em função de ser um “ativo importante” para os empresários da área de saúde.
“O senhor está admitindo que o senhor se vendeu?”, questionou Bretas. “Sim”, disse o ex-secretário, que frisou, no entanto, que jamais recebeu nenhum valor para que alguma ação específica fosse realizada. “Nunca fiz essa troca, esse escambo. Nunca recebi para que Miguel Iskin vendesse algo.” “É que eu gosto de deixar as coisas bem claras”, retrucou o magistrado.
Também preso, o empresário Gustavo Estellita fez coro a Iskin e afirmou que ele e o sócio fizeram pagamentos a Côrtes “por uma questão política". “Por ele ter sido um excelente gestor, pensando que ele tinha condições de alçar voos mais altos, chegar até ministro da Saúde”, afirmou. Estellita também negou ter pagado propina ao ex-secretário.
O procurador Eduardo El Hage declarou que vai se opor a qualquer benefício ao réu em razão de ele ter reconhecido a percepção de vantagens ilícitas. "O senhor não está ampliando a investigação, não está sequer reconhecendo os crimes que o senhor cometeu."
Fatura Exposta
Além de Côrtes, a Polícia Federal prendeu em abril passado os empresários Miguel Iskin e Gustavo Estellita. A operação Fatura Exposta investigou a prática de corrupção no sistema de saúde do Estado. Iskin e Estellita são sócios na empresa Oscar Iskin, que, de acordo com a Polícia Federal, era favorecida pelo ex-secretário de Saúde em contratos e licitações.
As investigações começaram no final de 2016 após denúncias de fraudes em licitações em próteses para o Into na gestão de Cabral. Segundo delação de César Romero, ex-funcionário do Into e da Secretaria de Saúde, a Oscar Iskin teria sido favorecida mediante cobrança de propina. O pagamento ilícito chegaria a 10% dos valores dos contratos.
"Os servidores públicos envolvidos direcionavam licitações para beneficiar empresários investigados em troca do pagamento de propina no valor de 10% dos contratos", informou a PF.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), o pagamento das vantagens indevidas nas compras por pregões internacionais, por exemplo, se dava na proporção de 5% para Cabral e 2% para o ex-secretário. Os procuradores informam que, como havia fraude no pagamento dos tributos na importação dos equipamentos, além desses percentuais, cerca de 40% do total dos contratos era rateado entre Côrtes e o empresário Miguel Iskin, em conta aberta nos Estados Unidos (Bank of America).
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