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Cinco momentos em que Cabral usou fracasso de Pezão como defesa

Cabral e Pezão - Luiz Roberto Lima/Futura Press - Luiz Roberto Lima/Futura Press
Pezão e Cabral se abraçam em inauguração de UPP em 2012
Imagem: Luiz Roberto Lima/Futura Press

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

07/12/2017 04h00

Quando renunciou ao cargo de governador do Rio de Janeiro, há três anos, Sérgio Cabral (PMDB) abriu caminho para o então vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB). Com a popularidade em baixa, optou por dar visibilidade ao companheiro fiel e candidato natural à sucessão. Mas quem presenciou o último interrogatório do ex-governador, hoje preso e condenado na Operação Lava Jato, na terça-feira (5), observou que a aliança que durou dois mandatos --entre 2007 e 2014-- não parece firme como antes.

Ao se defender das acusações de formação de cartel e fraudes a licitações de obras do Estado, Cabral atribuiu ao governo Pezão a crise financeira do RJ, as falhas de gestão no Maracanã e no teleférico do Complexo do Alemão, o sucateamento dos carros das polícias Civil e Militar, entre outros problemas.

Disse ainda ter deixado "dinheiro em caixa" para o pagamento dos salários de servidores, um dos sintomas mais graves da atual penúria econômica no segundo maior Estado do país. Atualmente, 227 mil pessoas estão sem receber o 13º salário do ano passado.

Cabral manteve durante depoimento à 7ª Vara Federal Criminal (RJ), do juiz Marcelo Bretas, a tática que já vinha utilizando em relação às acusações do MPF (Ministério Público Federal): enaltecer feitos de sua gestão. Em dado momento, o discurso autoelogioso incomodou o magistrado, que, como já havia feito em audiências anteriores, repreendeu o réu:

"Não estamos aqui julgando a sua habilidade ou inabilidade para o governo. Não é isso."

Pezão e Cabral - Jorge William/Agência O Globo - Jorge William/Agência O Globo
Imagem: Jorge William/Agência O Globo

A novidade quanto à estratégia de defesa foi incorporar o fracasso da gestão Pezão como uma espécie de base de comparação, no sentido de dar mais peso ao que o ex-governador entende ser o legado de seu governo, além de se dissociar do atual cenário de crise.

Disse ele a Bretas: "Essa crise não é minha, não. Porque eu saí em abril de 2014."

A reportagem do UOL procurou a assessoria de imprensa do governo do Estado, que informou que não comentaria as críticas de Cabral a Pezão.

Relembre:

Cabral pouco antes da renúncia - Carlos Magno/ Governo do Rio de Janeiro - Carlos Magno/ Governo do Rio de Janeiro
20.mar.2014 - Cabral em evento público semanas antes de renunciar ao cargo de governador
Imagem: Carlos Magno/ Governo do Rio de Janeiro

'Pagava servidor até o 2º dia útil'

Durante o interrogatório, o ex-governador disse que, no trajeto entre a Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica (zona norte carioca), e a sede da 7ª Vara Federal Criminal (centro), observou que os carros das polícias Civil e Militar estavam "caindo aos pedaços". Em crítica indireta ao sucessor, eximiu-se de culpa pela crise financeira e declarou que, em sua gestão, os servidores eram pagos até o segundo dia útil do mês.

"Hoje eu saí da cadeia de Benfica e vi os carros da PM caindo aos pedaços. Isso me deixa triste. Os carros da Polícia Civil caindo aos pedaços. E essa crise não é minha, não. Porque eu saí em abril de 2014. Eu deixei dinheiro no caixa, provisão para pagar 13º e pagava até o segundo dia útil do mês seguinte o servidor público."

Reportagem do UOL publicada na quarta-feira (6) que 227 mil funcionários públicos da ativa, aposentados e pensionistas ainda não receberam o 13º salário do ano passado. São 352 dias de atraso. Os vencimentos dos meses de setembro e outubro também não foram pagos a servidores de várias categorias. Não há data prevista para quitação do passivo da folha.

'Se não fez o que devia, o problema não é meu'

Sem citar nominalmente a gestão Pezão, o ex-governador disse que, até 2007, o Estado tinha orçamento até R$ 25 bilhões a mais do que tem hoje. Também afirmou que o governante tem que ser "zeloso" para manter o "pagamento em dia do servidor", e "não olhar o detalhe do detalhe".

"O Estado tinha um orçamento de R$ 23, R$ 24 bilhões quando eu assumi. Eu entreguei com R$ 85 bilhões. Se reduziu para R$ 55 ou R$ 60 bilhões e não se fez o que devia ser feito, o problema não é meu porque eu entreguei em 3 de abril tudo com o dinheiro em dia. Com o pagamento em dia ao servidor. O governante tem que ser zeloso, acompanhando passo a passo. Mas ele não tem que olhar o detalhe do detalhe."

teleférico - Júlio César Guimarães/UOL - Júlio César Guimarães/UOL
Uma das obras que fizeram parte do PAC das favelas no Complexo do Alemão foi a construção de um teleférico para interligar as comunidades
Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

'Incapaz de manter teleférico funcionando'

O ex-chefe do Executivo fluminense aproveitou para exaltar a construção do teleférico do Complexo do Alemão --conjunto de favelas da zona norte do Rio--, objeto de investigação da Operação Lava Jato e que, segundo denúncia do MPF (Ministério Público Federal), é uma das principais obras sob suspeita de pagamento de propina na gestão Cabral. Inaugurado em julho de 2011, o sistema de transporte por cabos acabou se tornando, cinco anos depois, um símbolo do abandono das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora).

Para o ex-governador, o sucessor foi "incapaz" de manter o funcionamento do serviço. O teleférico foi paralisado em setembro do ano passado e nunca mais voltou. O motivo é a inadimplência do Estado.

"Se o teleférico do Alemão é visto com estigma, as pessoas não sabem o que é morar no Alemão e pegar seis estações e se conectar na estação de Bonsucesso, renovada por mim. São mais de 35 mil pessoas que precisam daquilo. Infelizmente, esse governo atual, o governo que me sucedeu, e eu não falo com alegria, foi incapaz de manter o teleférico funcionando. E está aí parado. Uma obra extraordinária para o povo do Alemão. Eu fico triste."

'Complexo esportivo da Rocinha anda mambembe'

Cabral criticou o seu ex-vice pela gestão do Complexo Esportivo da Rocinha, localizado em frente à principal entrada da maior favela da zona sul carioca.

"Na Rocinha, nós fizemos o maior complexo esportivo do Brasil. Se anda mambembe, se não está funcionando como deveria, é problema do atual governo. Nós fizemos o maior complexo esportivo do Brasil."

'Talvez Maracanã estivesse com mais uso'

Na avaliação do ex-governador, Pezão não "soube solucionar o problema da concessão do Maracanã" quando a então gestora do estádio, ligada ao grupo Odebrecht, desacelerou seus investimentos em razão dos escândalos de corrupção.

"Ao contrário de outros estádios feitos para a Copa do Mundo que hoje são elefantes brancos, é um estádio com muito uso. Só não tem mais uso porque infelizmente o atual governo não soube solucionar o problema da concessão quando apareceu a crise da Odebrecht. Se o atual governo soubesse solucionar ou chamasse o segundo colocado da licitação ou fizesse outra licitação, talvez o Maracanã estivesse com mais uso do que já tem hoje. Mas é um estádio que é o palco do futebol mundial."

Interrogatório

O interrogatório de terça ocorreu no âmbito da ação penal derivada das operações Saqueador e Calicute, que apuram denúncias de formação de cartel e fraude a licitações da reforma do estádio e também das obras de urbanização do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em favelas do Rio.

Veja também:

De acordo com o MPF, a empreiteira Delta Construções, do empresário Fernando Cavendish, pagou propina a Cabral e a outros agentes públicos para integrar consórcios que venceram certames realizados pelo governo do Estado.

Foram denunciados à 7ª Vara Federal Criminal (RJ), em 19 de abril deste ano, Cabral, Cavendish, o ex-subsecretário de Obras do Estado Hudson Braga e outras 17 pessoas. Pezão não é réu no processo.