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Em ação, MPF pede que Dilma perca direitos políticos por pedaladas fiscais

28.out.2018 - A ex-presidente Dilma Rousseff comparece ao discurso candidato derrotado à Presidência da República, Fernando Haddad, após discurso para a militância no hotel Pestana, na região centro-sul de São Paulo - Ananda Migliano/Estadão Conteúdo
28.out.2018 - A ex-presidente Dilma Rousseff comparece ao discurso candidato derrotado à Presidência da República, Fernando Haddad, após discurso para a militância no hotel Pestana, na região centro-sul de São Paulo Imagem: Ananda Migliano/Estadão Conteúdo

Guilherme Mazieiro

Do UOL, em São Paulo

06/12/2018 17h14Atualizada em 06/12/2018 21h53

O MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação na Justiça nesta quinta-feira (6) contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e membros de sua equipe econômica por pedaladas fiscais – crime que configurou o pedido de impeachment da petista em 2016.

Também são alvo dos procuradores no Distrito Federal o ex-ministro da Fazendo Guido Mantega, o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, o ex-presidente do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico), Luciano Coutinho, o subsecretário de política fiscal do Tesouro, Marcus Pereira Aucélio, e o ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil, Aldemir Bendine.

Segundo o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma, a ex-presidente "apresentará defesa e provas, além de pareceres jurídicos, que demonstram sua mais absoluta inocência", assim que for formalmente informada sobre a ação. Para Cardozo, as pedaladas "não passaram de factoide jurídico", e o processo de impeachment provou que atos do tipo foram praticados por governos anteriores sem reprovação do Tribunal de Contas da União (veja a íntegra da nota da defesa abaixo).

No fim da tarde desta quinta, o UOL entrou em contato com a defesa de Guido Mantega, mas não teve resposta. A reportagem tentou falar com advogados de Luciano Coutinho e Marcos Pereira Aucélio, sem sucesso, e não localizou as defesas de Arno Augustin e Aldemir Bendine.

O MPF considerou a atuação de Arno Augustin crucial nas pedaladas fiscais. “Era o Tesouro Nacional, órgão por ele chefiado, que atrasava os pagamentos para maquiar as estatísticas. Assim como fez Mantega, Augustin faz assumida defesa das pedaladas como meio de atingir o resultado primário estabelecido. Por isso, a responsabilidade de ambos é agravada no caso”, informou o MPF.

O MPF pede a "perda da função pública dos acusados, a suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos" Os procuradores também querem que seja pago uma indenização.

“O caso talvez represente o passo final na infeliz transformação do denominado ‘jeitinho brasileiro’ em ‘criatividade maquiavélica’”, destaca o procurador da República Ivan Claudio Garcia Marx, autor da ação.

O MPF acusa os gestores e a ex-presidente de terem utilizado os cargos que ocupavam no governo para maquiar as estatísticas fiscais. O procurador considera que “ainda que não se saiba se foi ou não a mandante", Dilma tinha ciência dos atrasos.

Pedaladas fiscais

As pedaladas fiscais -- como a manobra contábil ficou conhecida – consistiam em atrasos nos repasses da União de valores devidos à Caixa Econômica Federal, BNDES e ao Banco do Brasil. O MPF também aponta que não foram cumpridos os prazos para repasses dos royalties do petróleo e gás natural aos estados da federação e ao Distrito Federal. 

Esses atrasos deixavam o caixa do governo com mais dinheiro para dar aparente impressão de que havia controle fiscal.

"Essa situação também demonstra o objetivo eleitoral das ‘pedaladas fiscais’, considerando que possibilitou aos partidos do governo apresentar melhores resultados de gestão à população brasileira em ano eleitoral. De fato, a dívida só apareceria após a reeleição e, em caso de derrota eleitoral, passaria para o predecessor, minando suas estatísticas fiscais”, afirmou Ivan Marx. 

O MPF considerou que os atrasos nos repasses poderiam ser considerados normais, desde que em prazo curto. "No entanto, a partir de 2009, passaram a ter alta expressividade temporal e financeira. Segundo informações do Tribunal de Contas da União, o somatório dos atrasos em novembro de 2015 chegou a mais de R$ 58 bilhões". 

Ainda de acordo com Ivan Marx, mesmo após o fato ser noticiado pela imprensa a partir de agosto de 2014, Dilma não tomou nenhuma medida para resolver o problema. "Ao contrário, passou a negar a existência das pedaladas fiscais", sustentou.

O procurador sustenta que moveu a ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente em razão de que as pedaladas fiscais ocorridas em seu primeiro mandato (2011-2014), que não foram objeto do processo de impeachment. O MPF informou que "agora, ele prosseguirá agora na análise das pedaladas ocorridas a partir de 2015" investigadas em outro inquérito civil.

Outro lado

Leia abaixo a íntegra da nota de José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma Rousseff:

"Em face da notícia divulgada sobre a propositura de ação judicial pelo MPF contra a Presidenta Dilma Rousseff, em decorrência das denominadas 'pedaladas fiscais', torna-se necessário esclarecer:

1. Conforme já restou demonstrado à sociedade no infundado processo de impeachment contra Dilma Rousseff, as denominadas 'pedaladas fiscais' não passaram de 'factoide jurídico' criado com o objetivo de tirar do cargo uma presidenta legitimamente eleita pelo povo brasileiro.

2. Ficou demonstrado que atos daquela natureza foram praticados por todos os governos que antecederam ao de Dilma Rousseff, e que até então vinham sendo regularmente aprovados pelo TCU. Também já se demonstrou, inclusive por manifestação da perícia técnica do Senado, que na questão dos subsídios do governo federal concedidos para a execução do Plano Safra, ou em quaisquer outras situações similares, não existiu nenhum ato decisório da então chefe do Executivo.

3. Desse modo, para a atribuição de uma responsabilidade indevida à Presidenta Dilma Rousseff, utilizou-se a aplicação descabida de uma jurisprudência retroativa, e de pretextos jurídicos retóricos e infundados."

4. É espantoso que, agora, o MPF venha a pedir nova punição a Dilma Rousseff, quando esta já sofre as consequências de uma pena indevidamente aplicada pelos mesmos fatos (impeachment), em clara contrariedade à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

5. Assim que cientificada formalmente da ação, Dilma Rousseff apresentará defesa e provas, além de pareceres jurídicos, que demonstram sua mais absoluta inocência.

6. A confiança no Estado de Direito faz com que, dessa feita, acreditamos que finalmente se fará justiça, para que a Presidenta da República não seja punida duas vezes, indevida e injustamente, pelos mesmos fatos."