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Lula vira réu por suspeita de lavagem de R$ 1 milhão via Instituto Lula

14.nov.2018 - Lula depõe sobre sítio de Atibaia (SP) na investigação da Lava Jato - Reprodução
14.nov.2018 - Lula depõe sobre sítio de Atibaia (SP) na investigação da Lava Jato Imagem: Reprodução

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

14/12/2018 17h27Atualizada em 14/12/2018 19h06

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornou réu em mais um processo da Operação Lava Jato nesta sexta-feira (14), desta vez sob acusação de crime de lavagem de dinheiro.

Nesta ação, que tramita em São Paulo, Lula é acusado de ter recebido R$ 1 milhão como contrapartida a supostas interferências em decisões do ditador Teodoro Obiang, da Guiné Equatorial, que teriam beneficiado os negócios do grupo brasileiro ARG no país. O valor, segundo o MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo, foi dissimulado como uma doação ao Instituto Lula. 

A denúncia foi oferecida pelo MPF no dia 26 de novembro e aceita hoje pela juíza federal Michele Camini Mickelberg, titular da 2ª Vara Federal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. O processo tramita em segredo de Justiça.

Na decisão em que aceita a denúncia do MPF, a juíza escreveu que os elementos apresentados no inquérito policial trazem "indícios suficientes de materialidade e de autoria delitiva" das acusações, "podendo-se concluir pela existência de justa causa para o início de ação penal".

"Ademais, a peça inaugural expõe satisfatoriamente a conduta tida, em tese, como criminosa, com todas as suas circunstâncias e descreve a participação dos denunciados no crime a eles atribuído", afirma. A magistrada ainda afirma que a responsabilidade penal de cada réu será analisada ao longo do processo. 

Além de Lula, também responderá ao processo o controlador do grupo ARG, Rodolfo Giannetti Geo, que foi denunciado por lavagem de dinheiro e por tráfico de influência em transação comercial internacional. Os fatos ocorreram entre setembro de 2011 e junho de 2012.

Lula também teria cometido o crime de tráfico de influência, segundo a denúncia. Mas, como o ex-presidente tem mais de 70 anos, o crime prescreveu.

4.jul.2010 - O então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, durante visita ao país - Celso Junior/Estadão Conteúdo - Celso Junior/Estadão Conteúdo
O ex-presidente Lula com o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, durante visita ao país em 2010
Imagem: Celso Junior/Estadão Conteúdo

No dia da apresentação da denúncia, o Instituto Lula informou que todas as doações recebidas são legais e que nunca houve qualquer tipo de contrapartida. "Todas as doações ao Instituto Lula são legais, declaradas, registradas, pagaram os impostos devidos, foram usadas nas atividades fim do Instituto e nunca tiveram nenhum tipo de contrapartida", disse em nota.

Também por meio de nota, a defesa de Lula afirmou que a nova ação contra o ex-presidente é "descabida", com base em acusação "frívola", sendo mais um passo de uma "perseguição" para impedir a atuação política do petista.

"A doação questionada foi dirigida ao Instituto Lula, que não se confunde com a pessoa do ex-presidente. Além disso, trata-se de doação lícita, contabilizada e declarada às autoridades, feita por mera liberalidade pelo doador", sustentam os advogados.

O UOL tentou contato com o grupo ARG, por e-mail e por telefone, mas não obteve retorno.

Para Lava Jato, doação de R$ 1 mi é "ideologicamente falsa"

O valor de R$ 1 milhão foi transferido em 18 de junho de 2016 para o Instituto Lula, segundo a Lava Jato. Os procuradores, porém, não consideram a quantia uma doação, "mas pagamento de vantagem a Lula em virtude do ex-presidente do Brasil ter influenciado o presidente de outro país no exercício de sua função".

Para os procuradores, como a quantia doada feita pela ARG seria, na verdade, um pagamento, o registro do valor como doação é "ideologicamente falso", o que configura crime de lavagem de dinheiro.

Segundo a força-tarefa, provas teriam sido encontradas em e-mails no Instituto Lula que foram apreendidos durante a busca e apreensão realizada em 4 de março de 2016, no mesmo dia em que Lula foi levado pela Polícia Federal para prestar depoimento por meio de condução coercitiva, no aeroporto de Congonhas.

Entre os documentos apreendidos, a investigação também afirma ter encontrado mensagem de 5 de outubro de 2011 do ex-ministro do Desenvolvimento do governo Lula, Miguel Jorge, para o Instituto Lula, relatando que o ex-presidente gostaria de falar com Geo sobre o trabalho do grupo ARG na Guiné Equatorial. A empresa estava disposta a fazer uma contribuição financeira "bastante importante" ao Instituto Lula, de acordo com a mensagem do ministro que consta da denúncia.

No ano seguinte, em 11 de maio, Geo encaminha ao Instituto Lula "uma carta digitalizada de Teodoro Obiang para Lula e pede para que seja agendada uma data para encontrar o ex-presidente e lhe entregar a original", segundo a Lava Jato. O empresário disse, na ocasião, que gostaria de levar a resposta de Lula a Obiang ainda naquele mês.

De acordo com a denúncia, a carta-resposta de Lula foi entregue a Geo no dia 18 de maio. O empresário teria servido de portador da mensagem para Obiang, o que inclusive está descrito no texto assinado por Lula e datado de 21 de maio de 2012.

"Envio esta carta através do amigo Rodolfo Geo, que gentilmente se fez portador. Rodolfo dirige a ARG, empresa que já desde 2007 se familiarizou com a Guiné Equatorial, destacando-se na construção de estradas", diz Lula na carta.

Na mesma mensagem, Lula menciona um telefonema com Obiang e diz ser "gratificante" ver "empresas brasileiras atuando em sintonia com os mais altos objetivos dos países do continente africano, apoiando seu desenvolvimento. O ex-presidente também afirma acreditar que a Guiné Equatorial poderia ingressar na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), o que acabou ocorrendo em 2014.

Lula atualmente está preso na PF de Curitiba desde abril deste ano. Ele cumpre pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP), da Lava Jato em Curitiba. Atualmente, o petista recorre ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e pede a anulação da condenação ou a aplicação de penas mínimas pelos dois crimes, o que lhe permitiria migrar para o regime semiaberto. Não há data para o recurso ser julgado.