Entenda o fundo que a Lava Jato quer criar e por que magistrados são contra
Considerada pelo MPF (Ministério Público Federal) como a "maior iniciativa de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil", a Operação Lava Jato quer se emancipar. Com quase cinco anos de atuação, a força-tarefa tenta criar uma fundação própria, independente e privada.
O fundo, a ser formado em parceria com setores da sociedade civil, tem objetivos ainda pouco claros e seria financiado pelos recursos angariados nos processos que investiga, principalmente, corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras.
O que a Lava Jato quer?
Segundo o MPF, cerca de R$ 2,5 bilhões já foram recuperados com a operação, dinheiro proveniente de repatriações, multas, delações premiadas e acordos. Os procuradores esperam, com acordos de colaboração e leniência, recuperar pelo menos mais R$ 10 bilhões.
Em um outro acordo firmado em janeiro, sem relações com colaborações ou com decisões da Justiça Federal, a Petrobras e a Lava Jato deram o primeiro passo para a criação da fundação. No documento, a estatal se comprometeu a depositar cerca de R$ 2,5 bilhões em uma conta vinculada à 13ª Vara Federal de Curitiba, seção responsável pela operação. O acordo foi homologado pela juíza federal Gabriela Hardt.
Do valor, resultado de um acordo com o departamento de Justiça dos Estados Unidos, metade será aportado em um fundo patrimonial privado para gerir a fundação. A outra metade será utilizada em eventuais ressarcimentos que a Petrobras tenha de fazer a acionistas que se sentiram lesados e entraram com processos até outubro de 2017.
"Foi uma construção de diversas partes para tentar criar uma solução para destinar esse dinheiro, voltá-lo à sociedade. Acabamos enfrentando um problema", diz o procurador da Lava Jato no Paraná, Paulo Roberto Galvão.
Ou pensávamos em uma solução, ou havia uma grande probabilidade desse dinheiro permanecer nos Estados Unidos
Paulo Roberto Galvão, procurador da Lava Jato
Entre os objetivos e características da fundação listados pelo MPF, estão:
- institucionalização de procedimentos, estruturas e instrumentos de governança
- reforço na luta da sociedade brasileira contra a corrupção
- reparação, proteção e promoção de direitos que são afetados pela corrupção, como o direito à saúde, à educação, ao meio ambiente, à proteção daqueles em situação de vulnerabilidade social e à segurança
- autonomia "jurídica, administrativa, financeira, institucional e programática" da fundação
O embrião da fundação será formado a partir de um Comitê de Curadoria Social, que reunirá cinco nomes indicados por entidades da sociedade civil, não remunerados e "com caráter honorífico". Caberá a esse comitê criar as regras do fundo.
"Bagunça administrativa", diz ministro
A criação de um fundo privado, no entanto, gerou diversas críticas, inclusive na magistratura e o caso pode ir parar em cortes superiores. Em entrevista ao blogueiro Tales Faria, do UOL, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal) chamou de "Babel" a criação da entidade.
"Como de há muito venho sustentando na bancada do Supremo, órgão público vive apenas do que previsto no orçamento aprovado pelo legislativo. A mesclagem do público com o privado não interessa ao Estado, não interessa à sociedade", disse o ministro.
É pernicioso fazendo surgir 'super órgãos', inviabilizando o controle fiscal financeiro. É a perda de parâmetros, é o descontrole, é a bagunça administrativa. É a Babel
Marco Aurélio Mello, ministro do STF
Paulo Roberto Galvão defende a iniciativa. "Não digo que ele [Marco Aurélio] está errado, mas ele está se baseando em premissas falsas. O dinheiro não será do MPF, nós só vamos fiscalizar a fundação, não teremos nenhum poder", diz o procurador.
"Questão econômica", diz procurador
Outro ministro que, mesmo indiretamente, se manifestou sobre o assunto foi Edson Fachin. Numa decisão publicada na última quarta (6), no processo que tem como réus o marqueteiro João Santana e sua mulher Mônica Moura, Fachin negou um pedido do MPF para que o dinheiro recuperado fosse repassado para o Ministério da Educação.
Para Fachin, não cabe ao Judiciário decidir como utilizar as receitas recuperadas nos processos, e sim à União, a qual o ministro considerou que foi a prejudicada com os crimes de Santana e Moura.
Paulo Roberto Galvão, entretanto, afirma que, no caso do acordo com os EUA, a sociedade brasileira foi a prejudicada, e que o dinheiro não poderia ser destinado à União porque criaria problemas com os norte-americanos.
"Não é só uma questão judicial, é uma questão econômica também. Como a União é a acionista majoritária da Petrobras, isso poderia criar um problema de compensação de valores com os Estados Unidos", diz Galvão.
"Dinheiro deve ser do país", diz juiz
Já para o juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo e mestre em direito penal pela USP, Marcelo Semer, a ideia de criar a fundação reforça as acusações de politização da Força-Tarefa em Curitiba. "A ideia de uma fundação é uma mostra do ânimo de pessoalidade destes membros. No fim, é um controle de um grupo sobre o dinheiro que deve ser do país", diz ao UOL.
Semer também faz coro com Fachin em relação ao destino do dinheiro resgatado pela operação.
O Ministério Público não tem função para manejar verbas que devem ser destinadas à União, não pode decidir acerca delas
Marcelo Semer, juiz do TJ-SP
Semelhança com Lava Jato do Rio
Com objetivos semelhantes, mas uma metodologia diferente, a Lava Jato no Rio de Janeiro realizou um trâmite parecido, porém sem a necessidade de criar uma fundação. Os procuradores entraram com um requerimento para que os valores recebidos a partir de uma prestação pecuniária (pena onde o réu é obrigado a pagar determinada quantia para entidades públicas ou privadas) dos donos de uma joalheria sejam utilizados em reformas de escolas estaduais.
"O que tem de parecido é que são metodologias de destinação para a sociedade de valores arrecadados a partir do combate à corrupção", afirma ao UOL o procurador Sérgio Pinel, da Força-Tarefa no Rio de Janeiro.
Pinel, que vê com bons olhos a criação da fundação por parte do MPF paranaense, diz ainda que o processo para destinar o dinheiro às escolas foi complexo, envolveu estudos e um diálogo com várias entidades, incluindo o governo do Estado e o Ministério Público do Rio.
"Tivemos o máximo de cautela possível para fazer esse acordo", diz. Para o procurador, o modelo pode ser replicado em outros estados, e a perspectiva é que as reformas nas escolas comecem já no meio deste ano.
Teori negou dinheiro da Lava Jato ao MP
Em 2016, o ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF, proferiu decisão que vai de encontro ao projeto do MP. O ministro determinou que uma quantia de R$ 79 milhões repatriadas graças a uma delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa fosse repassada integralmente à Petrobras, contrariando pedido do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Janot havia requerido que 80% do dinheiro arrecadado ficasse com a Petrobras, enquanto o restante fosse divido igualitariamente entre STF e PGR. No pedido, ele argumentou que parte da quantia deveria ser destinada "aos órgãos responsáveis pela negociação e pela homologação do acordo de colaboração premiada que permitiu tal repatriação".
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.