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Bolsonaro recebe índios após criticar evento e defende exploração em terras

07.01.2019 - Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto - Evaristo Sa/AFP
07.01.2019 - Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto Imagem: Evaristo Sa/AFP

Alex Tajra*

Do UOL, em Sâo Paulo

17/04/2019 21h16

Em um vídeo ao vivo transmitido por meio de suas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu a exploração agropecuária e mineral em terras demarcadas para povos indígenas do país. "Vai depender do Parlamento, mas a gente vai buscar leis para mudar isso", disse ele. No atual ordenamento jurídico do país, tanto a mineração como a agropecuária são ilegais em terras indígenas.

O presidente recebeu no Palácio do Planalto lideranças de alguns povos como os paresís, ianomâmi e macuxi e fez duras críticas ao que chama de "ONGs internacionais", dizendo que estas escravizam os indígenas e querem mantê-los em suas aldeias "como animais pré-históricos". Em determinado momento, ele elogiou um dos líderes presentes: "fala até bem".

Não tem intermediação nesse governo, não tem falso brasileiro, falso defensor de índios. Vamos tirar os índios da escravidão, escravidão de péssimos brasileiros e ONGs internacionais
presidente Jair Bolsonaro (PSL)

As falas de Bolsonaro vêm menos de uma semana após o presidente criticar indiretamente o acampamento Terra Livre, o qual chamou de "encontrão de índios". Bolsonaro afirmou que o evento seria custeado pelo contribuinte, mas foi rebatido por lideranças indígenas que argumentaram que todo o acampamento será pago pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). "Brasília não é terra dele, não é terra privada e todo mundo tem direito a se manifestar", disse a líder Sonia Guajajara em entrevista ao UOL na última semana.

O ATL (Acampamento Terra Livre) é uma marcha de indígenas de diversas partes do Brasil à capital federal que ocorre há 15 anos. Neste ano, o acampamento está previsto para acontecer entre os dias 24 e 26 de abril. Em 19 de abril, celebra-se o Dia do Índio. O ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou a utilização de militares da Força Nacional nas manifestações para evitar atos de "vandalismo".

Hoje, logo após o vídeo, Guajajara fez críticas ao conteúdo divulgado pelo presidente. "A portaria de Moro tenta nos intimidar e o presidente em sua live fala em nos integrar. Nos integrar a (sic) sociedade presidente? A que vc nos oferece é a da guarda armada, a que queremos é a das terras demarcadas, da defesa da vida, do bem viver. Como sempre, seguiremos na resistência", escreveu em seu Twitter.

Exploração de terras indígenas

Durante o vídeo de hoje, o presidente voltou a fazer apelos sobre uma suposta necessidade de se explorar as terras indígenas, alegando que os povos são "pobres" e "escravizados por ONGs".

Tem uma terra indígena para fazer uma hidrelétrica. [Construir] é coisa rápida, sem intermediários, não tem que procurar ninguém. O governo quer, vocês querem, acabou. (...) Vocês vão ter recursos, vai mudar a vida de vocês
presidente Jair Bolsonaro

A ideia já permeia o governo há meses, que estuda se vai tentar legalizar essas atividades por meio de decreto ou emenda constitucional. Juristas especializados em direito ambiental dizem, no entanto, que esse tipo de norma invariavelmente será contestada na Justiça, até mesmo pela PGR (Procuradoria-Geral da República).

O encontro contou com a presença do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), do porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros e do líder ruralista Nabhan García, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura. García ficou conhecido como grande apoiador de Bolsonaro nas últimas eleições, além de ter proferido frases consideradas ofensivas por boa parte dos povos originários do país, como a de que o "maior latifundiário do Brasil é o índio".

Índios convidados apoiam exploração

Entre falas de Nabhan, Mandetta e Bolsonaro, os líderes indígenas convocados para a reunião expuseram seus pontos a favor da exploração das terras demarcadas.

"Estamos aqui representando uma classe da população indígena do país, faço parte do grupo de agricultores indígenas. A Constituição diz claramente que a terra é nossa, que a riqueza que está ali é nossa. [A exploração] tem que ser feita de maneira legal, sem prejudicar a nossa cultura e o meio ambiente", disse um dos líderes indígenas da reunião, identificado apenas como Arnaldo.

Anunciado como líder da etnia paresí, Arnaldo afirmou que a terra onde vive foi multada em R$ 139 milhões pelo Ibama por conta da plantação de sementes geneticamente modificadas, os chamados transgênicos. Bolsonaro, então, interveio: "Por isso, junto com o [Ricardo, ministro do Meio Ambiente] Salles, vamos substituir esse tipo de gente. Não são brasileiros, não estão preocupados com meio ambiente. Parte dessa multa vai pra ONGs."

Apesar da fala do presidente, segundo o Ibama, as multas derivadas dos processos de violação ambiental são direcionadas ao Tesouro Nacional (80%) e ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (20%).

Também apresentado como líder indígena, Abel Barbosa, da etnia macuxi, apoiou Bolsonaro em relação à exploração de terras indígenas e afirmou que as ONGs "empatam" e dizem que "não podem usar as terras".

"Estamos em cima da riqueza e continuamos pobres, viemos representar os agricultores que querem plantar. (...) Eles dizem que as terras [indígenas] são das ONGs, são do....", disse Abel, sem completar a frase. Bolsonaro então cochichou em seu ouvido, baixo, mas perceptível pelo áudio da câmera: "Cimi". Barbosa então repetiu: "Cimi", fazendo referência ao Conselho Indigenista Missionário, órgão vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e que defende os povos originários do país. O Cimi já se posicionou de forma contrária à exploração de terras indígenas.

As terras indígenas, tanto as tradicionalmente ocupadas, como as reservas indígenas, pertencem à União. As informações estão dispostas de forma detalhada no site da Funai (Fundação Nacional do Índio).

Críticas à Funai

A discussão então se direcionou para a Funai, criticada por um dos líderes presentes. "A Funai foi muito sucateada, ela sempre está na ponta da base, acredito que tenha de passar por uma mudança. (...) E nossos parentes que querem ficar isolados, que fiquem isolados", disse um homem identificado apenas como Rogério.

"O povo indígena quem diz o que a Funai vai fazer, se não for assim eu corto toda a diretoria da Funai", ameaçou Bolsonaro.

A exploração de terras indígenas é assunto controverso dentro da Fundação. O UOL já mostrou que boa parte das lideranças indígenas é contrária a estas atividades, incluindo a Apib e o Cimi. O atual presidente da Funai, general Franklimberg Ribeiro de Freitas, é um alvo intenso de críticas justamente por suas ligações com mineradoras estrangeiras.

Antes de assumir o cargo de presidente da Funai pela segunda vez (ele já havia ocupado o cargo entre maio de 2017 e abril de 2018), por meio de uma indicação da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Freitas trabalhava como consultor no "conselho consultivo de assuntos indígenas e ambientais" da mineradora canadense Belo Sun.

*Colaborou Luciana Quierati, do UOL em São Paulo

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.