Por que há defensores dos direitos LGBTI contra tornar homofobia um crime?
O STF (Supremo Tribunal Federal) retomará nas próximas semanas o julgamento sobre a criminalização da homofobia. Mas a pauta, que já tem maioria do plenário e deve ser aprovada, não é consenso nem mesmo entre os defensores dos direitos LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexuais).
Desde o começo de fevereiro, o órgão julga equiparar a homofobia e transfobia ao crime de racismo. A votação, segundo os magistrados, é uma resposta à morosidade do Congresso de legislar sobre o tema e uma forma de pressionar parlamentares a priorizarem a questão.
Críticos, no entanto, alertam para o perigo de o Judiciário estar interferindo em assuntos legislativos e veem como ineficaz a solução punitivista para o combate à homofobia.
Como reação à possível aprovação no STF, parlamentares se movimentaram nas últimas semanas para aprovar às pressas uma modificação da lei mais afeita aos conservadores.
No caso, um PL (Projeto de Lei) aprovado no dia 22 pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado que resguarda manifestações em templos religiosos. A proposta passaria por turno suplementar (uma segunda votação após as alterações no texto) na quarta passada (29), mas foi retirada da pauta e não há previsão para retorno.
No STF, a decisão também tem sido postergada: ontem, o presidente da corte, o ministro Dias Toffoli, retirou o item da pauta da próxima quarta-feira (5). O julgamento deve ser retomado só no dia 13. O ministro tem pregado a "harmonia entre os poderes", em meio as acusações de que o Supremo está atropelando o Congresso.
O UOL conversou com dois especialistas para entender os pontos de discórdia em relação à modificação da Lei do Racismo, para incluir a homofobia, e as diferenças entre a tramitação da mudança no Congresso e no Judiciário.
Raissa Belintani é advogada e integrante do Programa Justiça Sem Muros, da organização dedicada à proteção de direitos humanos ITTC (Instituto Terra, Trabalho e Cidadania). Para ela, a criminalização é o caminho errado para se combater a homofobia, pois o sistema penal brasileiro sempre tenderá a prejudicar as populações mais vulneráveis.
Paulo Iotti é doutor em direito constitucional e diretor-presidente do GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero). Ele defendeu no plenário do STF a criminalização no primeiro dia de votação da pauta, em 13 de fevereiro. Para ele, a tramitação no Supremo é essencial para mobilizar o Congresso sobre o tema e a criminalização é uma via de conscientização da sociedade.
Entenda os principais pontos:
O STF está fazendo o papel do Legislativo?
Raissa Belintani - Quando o Poder Judiciário determina que se crie uma lei, ele está descumprindo a divisão entre os Poderes e isso cria um contexto complicado. Para mim, esse processo é tecnicamente errado. Ter o STF decidindo, criando lei temporária, quando isso na verdade é competência do Legislativo, resulta em um julgamento mais político, para marcar posição. É válido, mas abre brecha perigosa.
Paulo Iotti - O Congresso tem que aprovar uma lei sobre o assunto porque a Constituição tem ordem de legislar que obriga a criação de lei que criminaliza a homotransfobia. Esse é o pressuposto das ações [que estão no STF].
A decisão do Supremo é provisória. Nesses casos de ordem constitucional, o Supremo resolve o problema provisoriamente, até que o Congresso crie a lei que a Constituição exige que ele crie. A Constituição expressamente permite que o Supremo ordene o Congresso a legislar e a Lei do Mandado de Injunção (Lei 13.300/2016) permite regulamentações provisórias pelo STF (art. 9°, par. 1°).
Criminalizar condutas é a melhor opção?
Raissa Belintani - Eu sou favorável a toda a luta do movimento LGBTI e a garantia de seus direitos, isso é essencial. Mas trabalho com cárcere e sei que a Justiça criminal é seletiva e prende a população pobre e negra. Uma lei que cria uma punição nova não resolve questão social. As pessoas não estão presas por causa de racismo. É o contrário.
É complicado colocar no mesmo patamar essa ação com a violência de gênero, por exemplo, que é combatida pela Lei Maria da Penha. A Maria da Penha foi muito bem estruturada, teve política pública por trás. Tem questões de punitivismo, mas prevê alternativas penais, aborda a situação do antes da violência, traz questões específicas de acolhimento de vítimas, pensa no todo. É um exemplo de articulação entre os poderes.
Paulo Iotti - Sempre que o Estado considera uma ação intolerável, ele criminaliza a conduta. Ou você muda o sistema penal inteiro, ou você criminaliza também a homofobia.
É um erro achar que a criminalização resolve o problema, mas é erro achar que não serve para nada. A lei antirracista calou o racismo em muitos aspectos. Você não vê em rede nacional, em público, piadas racistas como você ouvia antes. A lei penal, ao contrário do que se diz, tem efeito educativo. Faz a sociedade parar para pensar e se conscientizar de que a conduta está errada.
De que outras formas a homofobia pode ser combatida?
Raissa Belintani - Precisamos antes de mais nada de educação, discutir gênero nas escolas, em todos os espaços. Para além disso, tem que haver acolhimento para a vítima, devemos pensar a questão de saúde para a vítima, física e psicológica. Tem que haver espaço de discussões, formações de agentes públicos, policiais, juízes. Tem que ir da base até os espaços de poder que decidem. Essa é uma questão estrutural na sociedade. Criminalizar é uma solução que já nasce falida.
Paulo Iotti - Por educação. Conclamando as escolas a ensinar crianças e adolescentes a respeitar e tolerar pessoas diferentes. É preciso que as escolas previnam o bullying, o machismo, a transfobia e a homofobia. Foi assim que surgiu a histeria do debate de ideologia de gênero, que nunca existiu. Você precisa fazer uma educação que ensine as crianças que todos precisam ser respeitados ou, no mínimo, tolerados.
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