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Votos no STF dão aval a Coaf, mas deixam dúvida sobre caso Flávio Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (à dir.) e Flavio Bolsonaro participam de convenção para criação do partido Aliança pelo Brasil - 21.nov.2019 - FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente Jair Bolsonaro (à dir.) e Flavio Bolsonaro participam de convenção para criação do partido Aliança pelo Brasil Imagem: 21.nov.2019 - FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Felipe Amorim

Do UOL, em Brasília

27/11/2019 04h01

Resumo da notícia

  • STF retoma julgamento sobre compartilhamento de dados fiscais para investigações
  • Os 2 primeiros votos foram pelo compartilhamento
  • Mas há brechas também para que a defesa de Flávio Bolsonaro questione inquérito
  • Faltam 9 votos

O STF (Supremo Tribunal Federal) continua a julgar hoje se órgãos de controle, como a Receita Federal e o antigo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), podem repassar ao Ministério Público (MP) e à polícia, sem ordem judicial, dados sigilosos sobre suspeitas de crimes. O Coaf teve o nome alterado para UIF (Unidade de Inteligência Financeira) neste governo.

O caso pode impactar investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e alvo de relatório do antigo Coaf que apontou movimentações suspeitas de R$ 1,2 milhão por funcionários de seu gabinete. Flávio tem negado irregularidades.

Até o momento, dois ministros já votaram: o presidente do STF, Dias Toffoli, e o ministro Alexandre de Moraes. Faltam os votos dos outros nove que compõem a Corte.

Argumentos de Flávio contra uso de dados do Coaf

Os dois primeiros a votar foram favoráveis ao envio de informações pela UIF ao Ministério Público, mas detalhes sobre as regras defendidas pelos ministros para esse compartilhamento podem permitir que a defesa de Flávio continue contestando as investigações contra o senador na Justiça.

A defesa de Flávio tem usado os seguintes argumentos para contestar as investigações:

  • Os dados enviados pelo Coaf na prática representam uma quebra de sigilo bancário, pelo nível de detalhamento das transações.
  • O Ministério Público pediu informações ao Coaf por e-mail, o que seria irregular.
  • O Ministério Público pediu ao Coaf que apurasse mais informações junto aos bancos, o que também representaria uma quebra de sigilo.

Em seus votos, tanto Toffoli quanto Moraes afirmaram que a UIF pode enviar ao Ministério Público relatórios com detalhes das operações financeiras sob suspeita, o que enfraquece o primeiro argumento da defesa do senador.

Toffoli: UIF pode mandar dados, mas há restrições

Em seu voto Toffoli defendeu que:

  • A UIF pode repassar ao Ministério Público informações detalhadas sobre transações suspeitas. Embora as operações financeiras sejam especificadas, não há quebra de sigilo, o que envolveria um conjunto de dados mais amplos, como a íntegra de extratos bancários.
  • O Ministério Público não pode requisitar à UIF relatórios "por encomenda", ou seja, sem que exista previamente uma investigação em aberto. Mas o Ministério Público pode pedir complementação de informações à UIF, caso já tenha recebido um primeiro relatório de inteligência do órgão.
  • A comunicação entre a UIF e o Ministério Público só pode ser feita por meio do sistema oficial utilizado pela UIF para o envio de informações.

Moraes limitou menos o compartilhamento

O ministro Alexandre de Moraes fez voto mais amplo que Toffoli e não impôs as mesmas restrições à atuação da UIF. Moraes defendeu que:

  • A UIF pode compartilhar informações com o Ministério Público, tanto pelo envio espontâneo de alertas sobre movimentações suspeitas quanto em informações pedidas pelos investigadores.
  • Mas as informações fornecidas pela UIF devem estar limitadas ao próprio banco de dados do órgão, constituído pelos alertas de transações suspeitas enviados por entidades financeiras, como bancos, ou outros tipos de estabelecimento que têm a obrigação legal de comunicar atos suspeitos à UIF, como seguradoras e cartórios.

Brechas para a defesa de Flávio

A investigação contra o senador corre sob sigilo, mas informações sobre recursos da defesa já foram tornadas públicas em decisões de ministros do STF sobre o caso.

Alguns pontos tratados no julgamento sobre os limites da cooperação entre a UIF e o Ministério Público poderiam ser futuramente utilizados pela defesa de Flávio para contestar as investigações:

  • O relatório da UIF sobre Flávio Bolsonaro pode ser considerado um relatório "por encomenda"? Decisões judiciais citam que o primeiro relatório do Coaf não trazia informações sobre o senador, e a defesa diz que o Ministério Público pediu ao Coaf informações sobre Flávio de 2007 a 2018 que não tinham sido enviadas no primeiro relatório.
  • A comunicação entre o MP-RJ e o Coaf foi feita pela via adequada? A defesa de Flávio citou em recursos ao STF que o Ministério Público pediu informações por e-mail à UIF.
  • O Coaf pediu mais informações aos bancos de forma irregular? A defesa diz que a pedido do Ministério Público a UIF requisitou informações diretamente ao banco.

MP-RJ diz que cumpriu legislação no caso Flávio e Queiroz

Responsável pelas investigações contra o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) afirmou que a apuração cumpriu "rigorosamente" a legislação. A afirmação foi feita em nota divulgada após o início do julgamento no STF.

Segundo o MP-RJ:

  • As investigações contra o senador foram iniciadas após o envio de Relatório de Inteligência Financeira (RIF) encaminhado por iniciativa do Coaf. Por isso, não houve investigação "por encomenda"
  • Após o primeiro relatório, o MP-RJ pediu complementações de informação ao Coaf, o que é permitido.
  • Toda a comunicação entre o MP-RJ e o Coaf foi feita por meio do sistema do próprio Coaf.

"Toda a movimentação que envolve a remessa de RIFs se dá de forma padronizada para todos os órgãos de fiscalização, fato que pode ser confirmado junto ao Coaf. Dessa forma, portanto, não há a possibilidade de solicitação nem de remessa de RIF por e-mail", diz o MP-RJ, na nota.

"Em nenhum momento, o MP-RJ deixou de cumprir rigorosamente a legislação pertinente e o procedimento oficial no que tange à obtenção de informações", afirmou a Promotoria do Rio.

O MP-RJ não mencionou se houve pedido para que o Coaf solicitasse mais informações diretamente aos bancos. Mas documentos em processos no STF sobre o caso indicam que o MP-RJ pediu que o Coaf confirmasse com o banco o valor total de operações listadas no relatório, pois a somatória indicada não correspondia ao valor de todas as operações descritas.

Em esclarecimento enviado ao STF por causa do julgamento, a UIF afirmou que não acessa diretamente informações de contas bancárias, mas pode pedir aos bancos que esclareçam informações pontuais.

Enquanto o julgamento não for concluído pelo STF, não é possível saber quais os limites e as regras que serão fixadas pelo tribunal para o compartilhamento de informações entre a UIF e os órgãos de investigação, como a polícia e o Ministério Público.

A investigação contra Flávio Bolsonaro está paralisada desde julho, por decisão do presidente Dias Toffoli, que suspendeu todas as investigações do país que tivessem usado dados sigilosos enviados pela Receita, pela UIF ou pelo Banco Central, sem autorização judicial.

Segundo o MPF (Ministério Público Federal), são pelo menos 935 investigações paralisadas em âmbito federal. O número não inclui investigações das polícias e Ministérios Públicos estaduais.

O Supremo não está analisando diretamente a investigação sobre o senador, mas sim as regras gerais de cooperação entre órgãos de controle e investigações criminais.

Segundo Toffoli, após a conclusão do julgamento, a decisão que suspendeu as investigações perde a validade e os processos podem voltar a tramitar.

O eventual impacto da futura decisão do STF terá que ser avaliado caso a caso pelo Judiciário.