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Difícil crer que Bolsonaro ignora esquema de fake news, diz relatora da CPI

10.dez.2019 - Deputada federal Lídice da Mata, relatora da CPMI das Fake News - Roque de Sá/Agência Senado
10.dez.2019 - Deputada federal Lídice da Mata, relatora da CPMI das Fake News Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

13/12/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Depoimentos na CPI das Fake News apontam para filhos do presidente
  • Para a relatora, evidências de um "gabinete do ódio" são consideráveis
  • Ataques virtuais teriam começado na eleição e continuado em 2019
  • CPI analisará provas para apontar responsáveis e recomendar processos

A relatora da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) das Fake News, deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), coloca em dúvida a possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desconheceria a produção e disseminação de materiais enganosos para difamar adversários desde a campanha eleitoral de 2018.

Para ela, "está claro" que a campanha de Bolsonaro espalhou notícias falsas. "Os últimos depoimentos dão conta de uma participação muito direta dos filhos do presidente da República, tanto do Eduardo quanto do Carlos. Eles foram praticamente denunciados na comissão como integrantes de um 'grupo de trabalho' voltado para a disseminação do ódio e de fake news. Há indícios significativos desse tipo de postura", diz a parlamentar.

"Do próprio presidente, não há nenhuma comprovação [de participação], embora seja difícil acreditar que tudo isso tenha se passado numa campanha de alguém sem que esse alguém tenha tido conhecimento de nada, principalmente do papel dos seus filhos nesse processo", afirma Lídice da Mata.

Ex-aliados do governo fizeram denúncias

Os depoimentos de dois deputados federais — Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP) — esquentaram a CPMI nos últimos dois meses.

"Ele levantou a lebre, fez a denúncia, mas ela consubstanciou, ela investigou. Como uma pessoa que viveu de dentro a situação, ela foi e está sendo vítima de um linchamento virtual permanente. Então, ela tratou de fazer uma perícia policial, de apresentar esses resultados na comissão, de entregar formalmente à comissão essa documentação", comenta a relatora.

O sistema de ataques teria chegado ao Planalto com a vitória eleitoral de Bolsonaro. Funcionários do governo participariam da organização de ofensivas contra adversários.

Em seu depoimento no último dia 4, Joice acusou o colega deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e funcionários do Planalto de liderar ataques virtuais nas redes sociais.

"Eduardo está amplamente envolvido e é um dos líderes desse grupo que chamamos de milícia virtual", disse a deputada na ocasião. Ela também afirmou haver uso de dinheiro público no esquema e trocou farpas com a deputada Carla Zambelli (SP), colega de partido.

Eduardo Bolsonaro é um dos líderes dos ataques virtuais, diz Joice

UOL Notícias

Nesta quarta-feira (12), Joice, que se distanciou do presidente e agora é líder do PSL na Câmara, decidiu substituir quatro parlamentares da legenda na CPMI.

O quarteto formado por Carla Zambelli, Filipe Barros (PR), Caroline de Toni (SC) e Carlos Jordy (RJ) vinha sendo a "trincheira" de Bolsonaro na comissão.

No fim de outubro, Frota declarou à comissão que Jair Bolsonaro protege e financia "terroristas virtuais". Estes seriam, segundo o parlamentar, os funcionários do governo Tercio Arnaud Tomaz, José Matheus Sales Gomes e Mateus Matos Diniz.

O trio formaria o que é chamado de "gabinete do ódio". "Bolsonaro se encantou com essas três figuras e os trouxe para trabalhar dentro de seu gabinete." A coordenação dos ataques, afirmou o parlamentar, é feita por Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro.

A CPMI já aprovou a convocação dos três funcionários e também quer ter acesso aos computadores deles. A relatora afirma que a comissão também pode pedir quebras de sigilos de suspeitos.

Eleito pelo PSL, Frota foi expulso do partido. Na comissão, ele bateu boca com Eduardo Bolsonaro.

Terceiro turno?

O filho do presidente disse que a comissão é uma tentativa de consolidar uma narrativa contrária ao governo. Lídice da Mata rebate a acusação. "O partido que mais reagiu à implantação da CPMI e que buscou o tempo todo desqualificar a sua existência foi o ex-partido do presidente da República. A CPMI não tem como objetivo estabelecer um terceiro turno eleitoral nem tentar cassar o presidente da República."

Ela frisa que outras candidaturas também utilizaram material enganoso nas eleições do ano passado. Ao seu final, a comissão, diz a deputada, poderá recomendar a abertura de processos contra os responsáveis.

Além da resistência interna que atrasou em praticamente um mês os trabalhos da CPMI no começo, a comissão, segundo a relatora, enfrenta dificuldades operacionais para investigar os processos de produção e disseminação de conteúdo enganoso. "São investigações complexas, inclusive do ponto de vista tecnológico", argumenta Lídice da Mata.

Alexandre Frota - Roque de Sá/Agência Senado - Roque de Sá/Agência Senado
Em seu depoimento, Alexandre Frota não poupou o presidente Bolsonaro
Imagem: Roque de Sá/Agência Senado

Punições a políticos e aplicativos

Ela cogita propor mudanças na legislação para estabelecer punições a políticos, aplicativos de troca de mensagens e as redes sociais envolvidas com fake news.

É possível analisar-se uma legislação que possa complementar os vazios deixados na legislação atual. Se há um crime, temos que buscar os responsáveis. Se há uma conivência e uma prática dos políticos, eles têm que ser punidos. E se há uma conivência, uma cumplicidade das plataformas, elas também tèm que ter algum preço a pagar.

Interrompida pelo recesso parlamentar, a CPMI voltará aos trabalhos somente em fevereiro. Antes disso, o comando da comissão quer se reunir com a presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministra Rosa Weber, e com o ministro Alexandre Moraes, que é o relator de uma investigação sobre fake news feita pelo STF (Supremo Tribunal Federal). O prazo para a conclusão dos trabalhos da comissão é o dia 13 de abril.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.