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Para Collor, Bolsonaro erra ao apostar no apoio das ruas: "Falsa impressão"

Do UOL, em São Paulo

28/04/2020 12h39

O ex-presidente da República e atual senador Fernando Collor de Mello (PROS-AL) acredita que Jair Bolsonaro erra ao apostar no apoio das ruas sem ter uma base política forte no Congresso Nacional.

Em entrevista ao jornalista e colunista do UOL Josias de Souza, Collor lembrou que adotou uma postura semelhante durante o seu governo antes de ser alvo de um processo de impeachment em 1992. Ele renunciou ao cargo antes de ser concluído o processo.

"Era uma forma que encontrei de me defender de eventuais ações do Congresso contra o exercício do meu governo. Isso é muito bom porque causa uma falsa impressão popular, mas não estamos vivendo numa democracia direta, estamos vivendo numa democracia presidencialista, em que o Parlamento é uma peça-chave nesse processo. Eu errei nisso", avaliou.

Collor relembrou o momento em que pediu a apoiadores irem às ruas com camisas verde e amarelas. A declaração serviu de gatilho para manifestação com opositores vestindo preto. "Quando aquilo ocorreu meu governo acabou", disse. "Tinha 40 anos quando assumi, o mais jovem [eleito]", afirmou o ex-presidente, que lembrou ter disputado as eleições após um período de "jejum eleitoral" e com figuras como Ulysses Guimarães, Mario Covas e Leonel Brizola.

Impeachment à vista

"Foi uma eleição muito dura. A militância do PT era muito atuante, coisa que nós não tínhamos. Fomos para o segundo turno e ganhei a eleição. Depois de ter enfrentado todos esses obstáculos, imaginei que pudéssemos mudar o Brasil de um dia para o outro", declarou.

Na avaliação do ex-presidente, Bolsonaro caminha para um processo de impeachment. Collor lembrou que o primeiro passo foi dado ontem com a decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), de autorizar a abertura de investigação para apurar as denúncias feitas por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública.

Pelo que já vivi, isso são favas contadas. Se houver manifestação do Supremo [Tribunal Federal] indo para o Congresso, será autorizado esse processo imediatamente.

De acordo com o senador, ainda há dependência do oferecimento de denúncia —mas, se isso ocorrer, o quadro político deve encaminhar a ação para o impeachment. "É imprevisível se vai ser de um lado ou do outro; mas que é um desenlace anunciado, é", disse.

É tarde para apelar ao centrão, avalia ex-presidente

Na avaliação do ex-presidente, a aproximação de Bolsonaro com o chamado centrão, grupo que reúne parlamentares de partidos como o PP, PL, Solidariedade e Republicanos, é tardia.

Para ele, Bolsonaro retoma a prática do "toma lá, dá cá" ao se aproximar dos partidos de centro com ofertas de cargos na tentativa de criar base de apoio no Congresso.

Demorou demais, e agora de afogadilho [isto é, de forma apressada] iniciar esse tipo de contato... Não é tão agradável essas investidas que o presidente está fazendo. Está fazendo de um modo equivocada, o presidente da Câmara não está participando.

Collor ainda classificou a prática como "deletéria" (isto é, que tem efeito danoso ou nocivo) e afirmou que entendimentos como esses "devem ser feitos à luz do dia".

"Ninguém é a favor do toma lá da cá, mas todos nós democratas temos que ser a favor de um entendimento entre os poderes. No caso do Legislativo e Executivo, com maior razão ainda", declarou.

"Toma lá, dá cá não pode ser confundido com aproximação"

Na avaliação do senador, mesmo sendo necessário que um presidente tenha apoio do Congresso, a aproximação entre Executivo e Legislativo não pode ser confundida com a prática do toma lá, dá cá.

"Se não for feito à luz do dia, com transparência, e passar a ter encontros no final da noite, fora da agenda, começa esse vazamento de informações. 'Porque ofereceu isso a tal partido, isso a tal outro'. Isso sim é que se confunde com o toma lá, dá cá e é isso que temos que evitar", disse.

Para Collor, Bolsonaro age de forma a negar os instrumentos republicanos, do regime democrático. "E isso vai pesar contra ele", avaliou o senador, lembrando que há cerca de uma semana o presidente discursou em um ato pró-intervenção militar em Brasília e dirigiu palavras de ordem aos manifestantes. No ato, realizado em frente ao QG do Exército, Bolsonaro afirmou: "Nós não queremos negociar nada".

"Governo sem maioria não termina mandato"

O senador afirmou ainda que aprendeu uma "lição" ao passar pelo processo de impeachment em 1992. "Governo que não tem maioria no Congresso Nacional, no sistema presidencialista, não consegue terminar o seu mandato", disse.

Para ele, "presidente não tem como se sustentar sem apoio parlamentar majoritário".

Collor ainda disse ver semelhanças entre a situação em que Bolsonaro se encontra e o processo pelo que ele passou em 1992.

Essa falta de entendimento com o Congresso, eu já vi. E não gostei do que vi. Não tenho nenhum gosto que aconteça novamente.

Crise na saúde

Collor afirmou que a divergência entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta reduziu a adesão ao isolamento social como forma de combate à disseminação do novo coronavírus.

"A divergência entre o ministro da Saúde e o presidente causou confusão na cabeça das pessoas. E está fazendo, não tenho a menor dúvida, com que esses índices do isolamento social venham caindo ao longo do tempo, contradizendo todas as recomendações médicas. Mas por que isso? Porque algumas pessoas disseram que iriam seguir o presidente porque ele é o presidente", afirmou.

"O presidente, da mesma forma que disse que não entendia de economia, disse que não entendia de saúde, de educação. Então, se ele disse que não entendia de saúde e educação, deu carta branca para esses ministros. Ele chega e nos deixa durante 30 dias com um ministro que falava da necessidade de distanciamento social, porque contra esse vírus não temos vacina, remédio. A única coisa que temos de plausível é o distanciamento e isolamento social. Então, ele quebra a palavra do ministro, que estava amparado pelas recomendações da OMS, e faz exatamente o contrário. O ministro falando para não ir para aglomerações e ele participando de aglomerações", diz.

E continua: "Quando os ministros fazem uma coisa diferente do que o presidente está fazendo, [significa que] está faltando liderança, o exercício da liderança para que cheguem a um entendimento".

Mandetta acabou substituído por Nelson Teich no comando da pasta em meio à pandemia. Bolsonaro defende o isolamento vertical, restrito apenas a idosos e grupos de risco, enquanto o ex-ministro era favorável ao isolamento social.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.