MP diz que vitória de Flávio Bolsonaro desrespeita STF e pede anulação
Resumo da notícia
- Órgão se refere à decisão que restringiu o foro a políticos no exercício do mandato
- TJ determinou que investigação de suposta rachadinha vá para Órgão Especial
- Inquérito resultou em prisão de ex-assessor Fabrício Queiroz
- Defesa de F. Bolsonaro diz que espera que demanda seja estancada pela Corte
- Especialistas ouvidos pelo UOL entendem que assunto é polêmico
O Ministério Público entrou com reclamação hoje (29) no STF (Supremo Tribunal Federal) para reverter a decisão da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, que aceitou na última quinta-feira (25) o pedido de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para que o suposto esquema de rachadinha na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) deixe a 1ª instância e vá para o Órgão Especial do TJ-RJ. O MP, que também pede a anulação do acórdão, quer que as investigações voltem à supervisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, que determinou a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.
Segundo o MP, o julgamento que concedeu foro especial ao político, "desrespeitou decisões monocráticas e colegiadas da Corte Suprema". O pedido de liminar, encaminhado ao ministro Dias Toffoli, presidente do STF, enfatiza decisão de 2018 do próprio Supremo que restringe o foro privilegiado a políticos que estejam no exercício do mandato —no caso do hoje senador Flávio Bolsonaro, a suposta rachadinha em seu gabinete na Alerj teria ocorrido enquanto ele era deputado estadual.
O MP-RJ requer a autorização para a continuidade das investigações contra Flávio Bolsonaro pelos fatos ocorridos enquanto deputado estadual, em primeiro grau, com a atribuição do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção e sob a supervisão das medidas do Juízo da 27ª Vara Criminal da Capital
Um dos trechos de nota do MP-RJ
O MP-RJ defende que a decisão do TJ-RJ usurpou a competência da Suprema Corte e estendeu o foro para "ex-ocupante do cargo de deputado estadual".
"O MP-RJ busca garantir a autoridade e a eficácia da decisão proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello (...) que estipulou que o senador Flávio Bolsonaro não possui foro por prerrogativa de função concernente a fatos investigados pelo MP-RJ", diz o documento.
Segundo o MP-RJ, político é investigado por crimes como peculato (apropriação ou desvio de dinheiro público), lavagem de dinheiro e organização criminosa por suposto envolvimento em esquema de rachadinha, quando servidores devolvem parte dos seus salários.
"Primeira medida foi alegar que possuiria foro", diz MP
O MP-RJ se refere à decisão do ministro Marco Aurélio de fevereiro de 2019, que negou seguimento a uma reclamação apresentada pela defesa de Flávio Bolsonaro. Na época, o político alegou ter foro privilegiado após ser notificado para prestar depoimento ao MP-RJ.
Com isso, a investigação prosseguiu sob a supervisão da 27ª Vara Criminal do Rio. Contudo, o MP-RJ aponta que os advogados do político impetraram o HC mesmo sabendo da decisão do STF.
Em 28 de agosto de 2019, os advogados do senador, apesar de cientes da decisão do STF sobre a inaplicabilidade da prerrogativa de foro, impetraram o HC perante o TJ-RJ alegando que caberia ao Órgão Especial do TJ-RJ julgar o atual senador da República, pois os fatos investigados foram praticados durante o exercício do mandato de deputado estadual, apesar do mandado já findado
MP-RJ, em comunicado sobre a reclamação
Procurados pelo UOL, os advogados Luciana Pires e Rodrigo Roca se posicionaram sobre a ação do MP-RJ por nota.
"A expectativa da defesa é que a demanda seja estancada liminarmente pela Corte. Somente as decisões com efeito erga omnes [expressão no meio jurídico para indicar efeitos de ato ou lei que atinge todos os indivíduos] proferidas pelo Plenário ou em casos de controle concentrado de constitucionalidade possuem a força pretendida pelo MP", diz.
A reclamação é um tipo de ação apresentada diretamente ao STF sob o argumento de que outro tribunal teria desrespeitado decisão do Supremo. Com isso, o MP-RJ tenta fazer com que a questão seja definida pela última instância do Judiciário, evitando recursos a instâncias intermediárias da Justiça.
O julgamento de Flávio Bolsonaro também motivou a Rede Sustentabilidade a formalizar na sexta (26) uma ação direta de inconstitucionalidade no STF para que o caso volte à 1ª instância.
No habeas corpus aceito pela 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ, a advogada Luciana Pires, que representa Flávio Bolsonaro, argumentou que o político não perdeu o foro especial, já que deixou de ser deputado estadual para assumir o cargo como senador, em Brasília.
Vitória de Flávio Bolsonaro gera debate
A questão ainda gera discussões entre juristas ouvidos pelo UOL.
Há precedente no Supremo. Acredito que será relativamente fácil que consigam justificar o recurso e reverter a decisão. Se tivesse que apostar apostaria nisso, embora saiba que decisão judicial sempre possa ser surpreendente
Thiago Bottino, advogado
Bottino, professor da FGV Direito Rio, discorda da tese apresentada pela defesa. "Se [o suposto crime] não está relacionado com o mandato, quem julga é o juiz de primeiro grau. Pela lógica da defesa, quem seria competente para julgar seria o Supremo, e não o Órgão Especial do TJ", argumenta.
Fotos de Queiroz em Atibaia (SP)
O criminalista Ary Bergher, entretanto, acredita que a tese sustentada pela defesa de Flávio Bolsonaro pode fazer com que a própria jurisprudência seja reavaliada.
A tese é interessante e pode ser acolhida do ponto de vista técnico. É correto ele permanecer com o foro porque o suposto crime foi praticado em razão da função. E ele [Flávio Bolsonaro] foi eleito para um mandato de maior relevância. Então, não houve interrupção entre os mandatos. Por isso, ele não pode perder aquele benefício. Jurisprudência também é feita para ser revista
Ary Bergher, advogado
O advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, discordou da decisão dos desembargadores da 3ª Câmara Criminal do TJ-RJ. "Com todo o respeito, divirjo do mérito da decisão. A jurisprudência do Supremo não deixa dúvida. Como não ocupa mais o cargo de deputado, ele [Flávio Bolsonaro] tem que ser julgado como cidadão comum, em primeira instância. Mesmo que hoje seja senador", argumenta.
Serrano também criticou um problema que entende ser recorrente na Justiça brasileira: o excesso de interpretação na hora de julgar.
Não temos coerência. O Supremo decide como norma, mas os tribunais não cumprem. Isso cria um problema para a jurisprudência brasileira, que acaba tendo casos iguais julgados de maneira diferente. Isso ocorre porque o juiz decide como ele acha justo, e não como o sistema jurídico determina
Pedro Serrano, advogado
Para o criminalista Luiz Flávio D'Urso, ex-presidente da OAB-SP, o resultado do recurso é imprevisível. "A decisão poderá ser revogada. Mas isso vai depender dos argumentos e de quem vai julgar".
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