Bolsonaro diz que jornalistas têm mais chances de morrer de covid: 'bundão'
Um dia depois de dizer a um repórter que desejava "encher a boca" dele de "porrada", Jair Bolsonaro (sem partido) voltou hoje a fazer um ataque à imprensa e afirmou que, se contaminados pela covid-19, jornalistas têm menos chances de sobreviver do que ele, o presidente da República.
O governante fez a comparação depois de lembrar que, em março, discursou em rede nacional minimizando a gravidade da pandemia do coronavírus. À época, ele afirmou que não corria riscos devido ao seu "histórico de atleta" e chamou a doença de "gripezinha".
Ontem, o Brasil chegou a 114.772 mortos por covid-19, de acordo com o levantamento feito pelo consórcio de veículos de comunicação do qual o UOL faz parte.
"Sempre fui atleta das Forças Armadas. Aquela história de atleta, né, que pessoal da imprensa vai para o deboche", reclamou hoje o presidente. "Mas quando pega num bundão de vocês (da imprensa) a chance de sobreviver é bem menor. Só sabe fazer maldade, usar a caneta com maldade, em grande parte. Tem exceções, né, como aqui o (jornalista) Alexandre Garcia", completou, referindo-se ao comentarista da CNN Brasil, que esteve presente na solenidade.
Bolsonaro também voltou a justificar o uso do termo "gripezinha" no discurso e alegou, assim como já o fez em outras oportunidades, que sua intenção era ironizar a fala de um vídeo antigo do médico e escritor Drauzio Varella. "Depois eu fui atrás", disse.
O evento realizado hoje por Bolsonaro foi batizado "Brasil vencendo a covid" e contou com médicos que discursaram em favor da hidroxicloroquina e da cloroquina, substâncias da quais o presidente é entusiasta, ainda que não haja comprovação científica de eficácia no combate à covid-19.
Ataque a jornalista
O ataque de Bolsonaro a um repórter do jornal O Globo ocorreu ontem durante visita à Catedral de Brasília. A ira do governante se deu porque ele foi questionado sobre os depósitos feitos pelo policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), na conta bancária da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
"Presidente, por que a sua esposa recebeu R$ 89 mil do Fabrício Queiroz?", perguntou o jornalista.
Bolsonaro então reagiu: "Minha vontade é encher tua boca com uma porrada, tá". Sem responder à pergunta, emendou: "Seu safado".
O jornal O Globo repudiou a atitude do presidente e afirmou que "tal intimidação mostra que Jair Bolsonaro desconsidera o dever de qualquer servidor público, não importa o cargo, de prestar contas à população". Entidades jornalísticas e políticos da oposição também criticaram a postura do presidente da República. A imprensa internacional também destacou o episódio.
Em outras ocasiões, ao falar com jornalistas, o presidente já havia apelado para comentários homofóbicos, xingamentos, gestos obscenos, mandou repórteres mulheres "calarem a boca" e encerrou com rispidez entrevistas coletivas. Apenas nos primeiros seis meses do ano, foram 53 agressões verbais contra jornalistas, segundo a ONG RSF (Repórteres sem Fronteiras).
Na semana passada, o Ministério da Justiça intimou o colunista da Folha de S. Paulo Hélio Schwartsman a depor em inquérito da Polícia Federal aberto para investigá-lo.
O inquérito foi aberto com base na Lei de Segurança Nacional, para investigar o texto de opinião "Por que torço para que Bolsonaro morra", assinado por Schwartsman e publicado em julho, depois que o presidente anunciou que havia contraído o novo coronavírus. Em nota, à época, a Folha afirmou que "o colunista emitiu uma opinião; pode-se criticá-la, mas não investigá-la".
Recomendação mesmo sem eficácia comprovada
Bolsonaro defende o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina no tratamento da covid-19 há meses. Por pressão do presidente, o Ministério da Saúde elaborou um protocolo recomendando os medicamentos para os pacientes desde os primeiros dias dos sintomas. O protocolo foi divulgado no dia 20 de maio, cinco dias depois da demissão de Nelson Teich do ministério.
Desde então, em meio à pandemia, o Brasil não tem um ministro da Saúde. O general Eduardo Pazuello ocupa a pasta interinamente.
O próprio Bolsonaro confirmou que seu teste para covid-19 deu positivo no dia 7 de julho. Ele anunciou que estava usando hidroxicloroquina desde o início do tratamento. "Começou domingo (5 de julho), com uma certa indisposição, se agravou na segunda-feira, com mal-estar, cansaço e febre de 38 graus. O médico da presidência, apontando a contaminação por covid-19, fui fazer uma tomografia no hospital. Equipe médica decidiu dar hidroxicloroquina e azitromicina", disse.
Ele cumpriu o isolamento social durante mais de duas semanas. Nas aparições durante esse período, defendeu enfaticamente o medicamento. Em uma live, recomendou a hidroxicloroquina. Depois, foi fotografado exibindo uma embalagem do remédio para as emas do Palácio da Alvorada.
A OMS (Organização Mundial de Saúde) e outras autoridades de saúde não recomendam o uso da hidroxicloroquina e da cloroquina nos tratamentos de covid-19, pois não há comprovação científica da eficácia dos medicamentos. Normalmente, eles são indicados em casos envolvendo outras doenças, como lúpus e malária.
Médicos apoiadores
No evento de hoje em Brasília, três médicos defenderam o uso da cloroquina no tratamento precoce da covid-19. Mesmo sem a eficácia científica comprovada, todos alegaram que, por experiência própria, observaram benefícios no uso de medicamentos como a cloroquina.
Um dos médicos convidados era o anestesiologista Luciano Dias Azevedo, que apresentou em abril, junto com a médica Nise Yamaguchi, o protocolo de hidroxicloroquina usada em conjunto com o antibiótico azitromicina a Bolsonaro. Foi a partir daí que o presidente começou a pressionar o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a mudar o protocolo para o uso do medicamento, o que só foi feito já na gestão de Pazuello.
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