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Deputada Flordelis deverá ir a júri popular em ação longa, dizem advogados

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

24/08/2020 16h42

Apontada pela polícia e pelo MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) como a mandante do assassinato do próprio marido, a deputada federal Flordelis Souza (PSD-RJ) deverá ser julgada por um júri popular e não pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Longo, o processo poderá levar até uma década e, se condenada, a parlamentar será presa mesmo que não tenha o mandato cassado pela Câmara dos Deputados, segundo especialistas em direito penal e constitucional ouvidos pela reportagem.

No total, 11 pessoas foram denunciadas por envolvimento na morte do pastor Anderson do Carmo, marido de Flordelis, assassinado em junho de 2019.Cinco filhos e uma neta da deputada foram presos hoje. Outros dois filhos e o ex-PM Marcos Siqueira Costa já estavam presos, enquanto Andrea Santos Maia, mulher do de Siqueira, foi a décima primeira denunciada e presa nesta manhã.

Flordelis não foi alvo de mandado de prisão porque um parlamentar só pode ser preso preventivamente (para evitar destruição de provas, por exemplo) se pego em flagrante, o que não ocorreu com a deputada.

STF vai julgar Flordelis?

Apesar da imunidade parlamentar, a deputada deverá ser julgada na primeira instância pelo Tribunal do Júri em um processo que pode demorar até uma década, de acordo com os especialistas.

Os advogados dizem que Flordelis não deverá ser julgada pelo STF porque, em maio de 2018, a Corte teve uma ação que modificou o foro a deputados federais e senadores. Na ocasião, ficou decidido que o Supremo só julga o parlamentar que comete o crime no exercício do mandato e essa transgressão precisa ter relação com o cargo.

"A morte do esposo não tem ligação com o mandato. E por isso é desimportante a função exercida", afirma o jurista Eduardo Tavares. "Ela não precisa perder o mandato durante o julgamento."

Qual será o papel da Câmara?

Após a abertura do processo pela Justiça, a Câmara dos Deputados é comunicada pelo judiciário. Se algum partido político com representação na Casa pedir para suspender a ação, os deputados têm 45 dias para decidir sobre o assunto por maioria absoluta. Segundo a jurista Vera Chemim, a Mesa Diretora envia o caso para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), que tem dez sessões para dar a palavra à deputada.

"Não acredito que a Câmara impedirá o prosseguimento da ação por se tratar de uma questão moral", diz Vera.

Ela afirma, no entanto, que os parlamentares podem ignorar a decisão de 2018 do Supremo, seguir seu regimento interno e pedir que o STF julgue o assunto. O mesmo pode ocorrer se a deputada fizer esse pedido.

"Se Câmara teimar em mandar para o Supremo, o STF terá de obrigatoriamente encaminhar para o primeiro grau", diz ela.

Para o jurista Marcellus Ferreira Pinto, "não há nenhuma razão para a Câmara" dificultar as investigações, dissociadas do mandato.

"É obrigação moral do Legislativo", diz. "É possível que ainda este ano o caso chegue ao Tribunal do Júri."

Como será o julgamento em primeira instância?

Segundo Tavares, por se tratar de crime doloso (intencional) contra a vida, a ação precisa ser decidida por um júri popular. "O juiz só vai proferir a sentença para a decisão dos jurados", diz.

Antes de o magistrado receber a denúncia, no entanto, ele pode ouvir a defesa e colher todos os depoimentos para só então submeter o material ao tribunal, "o que pode levar dois, três, quatro anos", diz o especialista

Vera acredita que Flordelis "vai apelar a tudo". "Depois de voltar ao primeiro grau, é a demora normal da Justiça. É difícil dar um prazo."

Para Marcellus, o processo pode levar até dez anos em razão das diversas possibilidades de recurso e, principalmente, "pelas peculiaridades da Justiça estadual do Rio".

"O estado é um dos líderes em homicídios, o que significa que o Tribunal do Júri no Rio é abarrotado de processos", diz o advogado, que também cita "os diversos recursos cabíveis que podem tornar a tramitação morosa".

"Demoraria uns cinco anos na primeira instância com todos os recursos: depois pode subir para a segunda instância e chegar ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Se tiver matéria constitucional, vai ao Supremo. Acredito que será uns dez anos no total."

Pode haver, portanto, tempo suficiente para que Flordelis seja condenada, já que o crime prescreve em 20 anos.

Embora exista caso de parlamentar que trabalhava no Congresso durante o dia e retornava para dormir no presídio, essa possibilidade não existiria para a deputada justamente em razão da natureza do crime.

"Se ela pegar mais de seis anos, terá de ser recolhida em regime fechado. A pena pode ser de seis a 12 anos e de 12 a 20 anos", diz Tavares.

Uma vez condenada, Flordelis teria o mandato cessado. "É expedida a guia de execução e ela perde o cargo. A Câmara abre uma formalidade de defesa para ela que não muda a decisão judicial e ela pode ser presa", diz.

Defesa

Flordelis sempre negou participação no crime. Por telefone, o advogado Anderson Rollemberg disse hoje ao UOL que a defesa ainda está se inteirando sobre os motivos que levaram à ação do MP e da Polícia Civil. "Preciso ainda apurar o que consideraram como provas e o que permitiu o indiciamento e as prisões. Preciso ainda ter acesso a essas informações, mas digo que ficamos surpresos com essa ação hoje."

Em nota, o presidente nacional do PSD, o ex-ministro Gilberto Kassab, disse que o partido irá suspender a filiação da deputada em razão de seu indiciamento. "E, a partir dos desdobramentos perante a Justiça, serão adotadas as medidas estatutárias para a expulsão da parlamentar dos seus quadros."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que foi publicado, o processo na primeira instância não precisa de autorização na Câmara dos Deputados para ser instaurado. O que a Casa pode fazer é suspender a ação se algum partido político com representação na Câmara formalizar o pedido. A informação já foi corrigida.