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'Separar não posso, porque ia escandalizar o nome de Deus', escreveu Flordelis

Marcio Dolzan

Rio

24/08/2020 12h56Atualizada em 24/08/2020 19h44

Apontada pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson do Carmo, a deputada federal Flordelis (PSD-RJ) teria arquitetado o crime por estar insatisfeita com a forma com que o pastor geria o dinheiro da família.

Segundo os investigadores, ela tentou assassinar o pastor pelo menos seis vezes por envenenamento, além de contratar pistoleiros em outras duas oportunidades.

Durante o inquérito, a polícia e o MP-RJ se depararam com uma troca de mensagens em que Flordelis sugere que o assassinato do marido seria a única saída.

"Quando ela convence e fala com um outro filho que está aqui denunciado, o André, sobre esse plano de matar Anderson, ela fala da seguinte maneira: 'Fazer o quê? Separar dele não posso, porque senão ia escandalizar o nome de Deus', e então resolve matar. Ou seja, nessa lógica torta, o assassinato escandalizaria menos", disse o promotor Sergio Lopes Pereira, em entrevista concedida na manhã de hoje.

"O grupo que se formou vendeu a imagem de um casal perfeito, de uma família caridosa, que criou 55 filhos, quando na verdade os autos mostram que isso foi um golpe, um meio de se conseguir proteção", afirmou o promotor.

"Começou em maio de 2018 com tentativa de envenenamento do pastor Anderson. Era feito de forma sucessiva, gradual, cumulativa, para conduzir a morte do pastor. (Era usado) veneno, mais notadamente o arsênico, que era posto na comida e na bebida do pastor de forma dissimulada."

Responsável pelo inquérito, o delegado Allan Duarte, titular da Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí e São Gonçalo, disse que a imagem de família unida era apenas uma fachada.

"Não se tratava de uma simples família, mas de uma organização criminosa intrafamiliar", afirmou. "O inquérito traz a desconstrução dessa imagem de decência (da deputada), de pessoa caridosa. Ela vendia esse enredo para conseguir chegar à Câmara dos Deputados, e depois tratar essa pessoa (Anderson) como objeto descartável."

Segundo Duarte, a motivação do crime foi financeira. "O pastor era o gestor dessa família, a cabeça pensante. Era ele quem geria a carreira artística, religiosa e política da deputada", informou o delegado. Haveria ainda um racha entre os filhos biológicos e os adotivos, que não recebiam o mesmo tratamento.

"Ela, além de arquitetar todo esse plano criminoso, financiou a compra da arma, convenceu pessoas a praticar esse crime, ela avisou sobre a chegada da vítima ao local, e ela ocultou provas", declarou Allan Duarte. "Pra gente fica muito claro, não resta a menor dúvida, de que ela foi a autora intelectual, a grande cabeça desse crime."

Sem prisão

Por exercer mandato parlamentar, Flordelis não pode ser presa neste momento. Apesar disso, ela já é ré no processo e será julgada em primeira instância junto aos demais acusados pela 3ª Vara Criminal de Niterói.

Sem poder pedir a prisão da deputada, a Polícia Civil e o MP-RJ pediram à Justiça outras medidas cautelares, que já foram aceitas. Ela está impedida de ter contato com testemunhas do caso, não poderá se locomover fora da cidade em que reside ou em Brasília, terá o passaporte recolhido e também não poderá mudar de residência.

Durante as investigações do assassinato do pastor Anderson do Carmo, a polícia também se deparou com indícios de crime de "rachadinha" no gabinete de Flordelis.

"A Rayane (dos Santos Oliveira, neta de Flordelis e presa na manhã desta segunda por envolvimento no assassinato), quando foi para Brasília, foi com a promessa de ganhar R$ 15 mil por mês como assessora parlamentar, mas a gente tem documentação nos autos que mostram que estaria recebendo R$ 2.500", contou o delegado, citando ainda a ocorrência de "nepotismo direto e cruzado".

O advogado Maurício Mayr, que defende a deputada, enfatizou que ela foi ouvida na condição de testemunha e que a defesa só teve acesso ao processo no dia de hoje e estudará os documentos.

"A deputada desde o início desse segundo inquérito foi tratada como testemunha, vindo a ser indiciada agora no final e denunciada. Tivemos acesso hoje ao processo, vamos fazer análise e estudo do caso. Ela figurava como testemunha na ocasião e não atrapalhou as investigações. Todos foram encontrados, as pessoas que tiveram a prisão em seu desfavor. O passaporte dela vai ser entregue pelos advogados conforme determinação da 3ª Vara Criminal. A juíza da Vara acertadamente falou da desnecessidade de prisão preventiva da deputada, apesar de ter a imunidade parlamentar, ela entendeu ser desnecessário prendê-la neste momento até por causa do lapso temporal que se passou desde o fato até o presente momento. Vamos estudar o processo, vamos fazer os pedidos pertinentes em favor dela, pois acreditamos na inocência dela."

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou a matéria, Flordelis não poderá mudar de residência, como uma das medidas cautelares aplicadas a ela. A informação foi corrigida.