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Em live, Bolsonaro orienta Ernesto Araújo a não comentar medidas de Biden

Gilvan Marques e Letícia Lázaro

Do UOL, em São Paulo

21/01/2021 19h17

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) orientou o chanceler Ernesto Araújo a não comentar medidas tomadas pelo novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em seu primeiro dia no cargo.

Durante transmissão ao vivo realizada nas redes sociais, na noite de hoje, após uma pergunta direcionada a Araújo sobre o retorno dos norte-americanos à OMS (Organização Mundial da Saúde) e sobre o rompimento dos EUA com a aliança mundial contra o aborto, Bolsonaro interveio e pediu a Araújo, em voz baixa. "Não é caso de entrar em política externa de outros países, né? Fala alguma coisa sem interferir", alertou Bolsonaro.

Araújo então respondeu à pergunta do jornalista da rádio Jovem Pan. "Acho que tem tudo para ser uma boa relação. Temos muita coisa em comum, temos interesse na segurança, em promover a democracia aqui na América do Sul, por exemplo, interesse econômico evidente, continuar vários acordos, interesses do empresariado brasileiro e americano, trabalhar juntos no meio ambiente, por que não?", disse o chanceler.

Durante a corrida à Casa Branca no ano passado, o democrata Biden criticou a política para o meio ambiente do governo Bolsonaro, que era entusiasta na época da reeleição do então presidente dos EUA, o republicano Donald Trump.

Bolsonaro foi um dos chefes de Executivo que mais relutou em cumprimentar Biden pela vitória nas eleições presidenciais dos EUA, realizadas em novembro passado, e chegou a reafirmar repetidas vezes as alegações de Trump, sem evidências, de que teria havido fraude nas eleições dos Estados Unidos.

Na véspera, no entanto, Bolsonaro adotou um tom conciliatório em carta a Biden, ao mirar em discurso pela preservação da Amazônia e combate às mudanças climáticas. No entanto, o teor contradiz com ações adotadas pelo governo federal, incluindo ataques ao próprio Biden quando este falou sobre a devastação na Amazônia. (Veja a carta, na íntegra, abaixo)

Ainda durante a transmissão, Ernesto Araújo também disse que o novo governo dos EUA reconheceu o líder de oposição Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela. Essa é a mesma posição do governo brasileiro. O chanceler destacou que a situação da Venezuela não pode ser aceita e que busca articular medidas para se chegar a soluções no país vizinho, que enfrenta uma grave crise econômica durante o governo do presidente Nicolás Maduro.

Confira a carta na íntegra:

"Senhor Presidente,

Tenho a honra de cumprimentar Vossa Excelência neste dia de sua posse como 46º presidente dos Estados Unidos da América.

O Brasil e os EUA são as duas maiores democracias do mundo ocidental. Nossos povos estão unidos por estreitos laços de fraternidade e pelo firme apreço às liberdades fundamentais, ao estado de direito e à busca de prosperidade através da liberdade.

Pessoalmente, também sou de longa data grande admirador dos Estados Unidos e, desde que assume a Presidência, passei a corrigir os equívocos de governos brasileiros anteriores, que afastaram o Brasil dos EUA, contrariando o sentimento de nossa população e os nossos interesses comuns.

Assim, inspirados nesses valores compartilhados, e sob o signo da confiança, nossos países têm construído uma ampla e profunda parceria.

No campo econômico, o Brasil, assim como os empresários de nossos dois países, tem interesse em um abrangente acordo de livre comércio, que gere mais empregos e investimentos e aumente a competitividade global de nossas empresas. Já temos como base os recentes protocolos de facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e combate à corrupção, que certamente contribuirão para a recuperação de nossas economias no contexto pós-pandemia. A esses acordos se somam recente Memorando entre o Ministério da Economia do Brasil e o Eximbank, para estimular os financiamentos de projetos, e nosso Acordo de Cooperação para o Financiamento de Projetos de Infraestrutura.

Na área de ciência e tecnologia, o potencial de cooperação é enorme, como ficou ilustrado pelo ambicioso plano de trabalho desenvolvido por nossa Comissão Mista e pela conclusão do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitirá lançamentos espaciais a partir da base de Alcântara, no Brasil. O mesmo se aplica à área de defesa, com a conclusão de nosso Acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação.

Nas organizações econômicas internacionais, o Brasil está pronto para continuar cooperando com os EUA para a reforma da governança internacional. Isso se aplica, por exemplo, à OMC, onde queremos destravar as negociações e evitar as distorções de economias que não seguem as regras de mercado. Na OCDE, com o apoio dos EUA, o Brasil espera poder dar contribuição mais efetiva e aumentar a representatividade da organização. Nosso processo de acessão terá, também, impacto fundamental para as reformas econômicas e sociais em curso em nosso país.

Estamos prontos, ademais, a continuar nossa parceria em prol do desenvolvimento sustentável e da proteção do meio ambiente, em especial a Amazônia, com base em nosso Diálogo Ambiental, recém-inaugurado. Noto, a propósito, que o Brasil demonstrou seu compromisso com o Acordo de Paris com a apresentação de suas novas metas nacionais

Para o êxito no combate à mudança do clima, será fundamental aprofundar o diálogo na área energética. O Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e, junto com os EUA, é um dos maiores produtores de biocombustíveis. Tendo sido escolhido país líder para o diálogo de alto nível da ONU sobre Transição Energética, o Brasil está pronto para aumentar a cooperação na temática das energias limpas.

Brasil e Estados Unidos coincidem na defesa da democracia e da segurança em nosso hemisfério, atuando juntos contra ameaças que ponham em risco conquistas democráticas em nossa região. Adicionalmente, temos cooperado para impedir a expansão das redes criminosas e do terrorismo, que tantos males causam a nossos países e aos demais países da América Latina e do Caribe.

Necessitamos também continuar lado a lado enfrentando as graves ameaças com que hoje se deparam a democracia e a liberdade em todo o mundo e que se tornam mais prementes no mundo pós-covid: o crime organizado transnacional; as distorções ao comércio mundial e ao fluxo de investimentos oriundas de práticas alheias ao livre mercado; e a instrumentalização de organismos internacionais por uma agenda também contrária à democracia.

Entendo que interessa aos nossos países contribuir para uma ordem internacional centrada na democracia e na liberdade, que defensa os direitos e liberdades fundamentais de todos e, muito especialmente, de nossos cidadãos. E estamos dispostos a trabalhar juntos para que esses valores fundamentais estejam no centro das atenções, seja bilateralmente, seja nos foros internacionais.

É minha convicção que, juntos, temos todas as condições para seguir aprofundando nossos vínculos e agenda de trabalho, em favor da prosperidade e do bem-estar de nossas nações.

O Brasil alcançou sua Independência em 1822, e os EUA foram o primeiro país a nos reconhecer. Em 1824, foram estabelecidas nossas relações diplomáticas. São dois marcos históricos cujo bicentenário, em futuro próximo, os brasileiros queremos celebrar com nossos amigos americanos.

Ao desejar a Vossa Excelência pleno êxito no exercício de seu mandato, peço que aceite, Senhor Presidente, os votos de minha mais alta estima e consideração."