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Pandemia e Lula levam centrão a repensar limite de fidelidade a Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na portaria do Palácio da Alvorada, em Brasília - Ueslei Marcelino/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na portaria do Palácio da Alvorada, em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

22/03/2021 04h00

A manutenção do discurso negacionista do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em meio ao pior momento da pandemia da covid-19 no país e a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao tabuleiro eleitoral para 2022 levam integrantes do centrão a repensar o limite de fidelidade ao Planalto.

O centrão é um grupo informal de partidos que costuma se alinhar ao governo que estiver no poder em troca de mais espaço na administração pública. No governo Bolsonaro, passou a constituir a massa da base aliada dele no Congresso Nacional desde meados do primeiro semestre do ano passado.

No entanto, o apoio tem limite e termina quando não compensa mais politicamente ficar ao lado da atual gestão. O relacionamento entre centrão e Bolsonaro não chegou a um racha, mas está se abalando.

Um senador do grupo compara o governo e o centrão a noivos que sabem que nunca vão se casar, que foram unidos pelas circunstâncias no passado. Enquanto isso, cada um fica querendo aumentar o próprio dote nos bastidores para manter a boa imagem em público até onde der.

Um dos principais pontos no radar do centrão hoje é a rejeição crescente da população a Bolsonaro na gestão da crise sanitária, como mostra pesquisa Datafolha divulgada na terça (16). Para integrantes do centrão, a insatisfação do povo só não está pior por conta do auxílio emergencial, que agora tende a ser menor e não durar toda a pandemia.

Ao mesmo tempo, após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, Lula restabeleceu seus direitos políticos e já disparou série de críticas ao governo de Bolsonaro.

A aposta de integrantes do centrão consultados pela reportagem é que a polarização política no país entre Bolsonaro e Lula só vai se acirrar até a eleição presidencial de 2022, enquanto a sociedade tem apresentado sinais de cansaço de embates excessivos.

Nesse caso, o centro pode virar o fiel da balança e é melhor não continuar a aparecer tão ligado ao governo Bolsonaro, avaliam.

"Que a recuperação da elegibilidade do Lula promoveu uma grande mexida é incontestável. Muda completamente o cenário. Ele anda em raia própria, independentemente do PT. O que podemos imaginar é um fortalecimento do centro [nessa estratégia política dos candidatos]", disse um parlamentar do PP, sob reserva.

Muitos partidos do centrão que hoje compõem a base de Bolsonaro no Congresso apoiaram as gestões Lula. A ordem é ter desapego quanto a questões ideológicas — premissas conceituais nunca foram o forte do grupo. Alguns integrantes do centrão chegam a considerar Lula mais pró-mercado do que Bolsonaro. Portanto, na prática, ter o retorno de um governo de esquerda não é visto como problema por esses parlamentares.

Uma possibilidade é o centrão apoiar um candidato tido como 3ª via para 2022. A ideia não está descartada, mas um nome que agregue o grupo e tenha alta viabilidade eleitoral ainda não apareceu. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), já cogita desistir de concorrer ao Planalto no ano que vem e tentar a reeleição, por exemplo.

Parte do centrão também está irritada com a gestão incerta do Ministério da Saúde durante a escalada de mortes pela covid-19. Bolsonaro não indica querer mudar de postura para imprimir um tom técnico de vez à condução do governo na pandemia.

Além de manter conflito com os governadores, Bolsonaro indicou que quem manda é a ala ideológica na escolha do quarto ministro da Saúde. Embora a pressão do centrão pela saída do general Eduardo Pazuello tenha surtido efeito, os nomes defendidos pelo grupo, como da cardiologista Ludhmila Hajjar e do deputado Dr. Luizinho (PP-RJ), não emplacaram.

O centrão não pretende viver em lua de mel com Queiroga à frente da pasta. O Congresso, comandado pelos presidentes Arthur Lira (Câmara) e Rodrigo Pacheco (Senado), reforçaram as cobranças para a agilização da vacinação em massa, entre outras medidas do Ministério da Saúde.

Ambos foram eleitos aos cargos com o apoio do Planalto e se opõem à criação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar condutas e eventuais omissões do governo na pandemia. Eles têm segurado as pontas do governo no Congresso, só que a paciência da base aliada está se esgotando.