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Atitude 'pendular' de Bolsonaro cria obstáculos ao governo e irrita aliados

Hanrrikson de Andrade, Lucas Valença e Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

19/04/2021 04h00Atualizada em 19/04/2021 08h33

Pressionado pelo ambiente político e preocupado com a queda de popularidade durante a pandemia, Jair Bolsonaro (sem partido) ensaiou por mais de uma vez, desde o ano passado, mudanças de conduta em relação à covid-19. O vaivém de posturas, alternando entre fases de maior acirramento e uma abordagem "paz e amor", tornou-se um traço da personalidade do presidente, segundo avaliação feita por aliados.

No entanto, embora reconheçam que a instabilidade faz parte da construção de um personagem, relatos de políticos próximos ao Palácio do Planalto indicam que tal fato cria dificuldades etéreas para... o próprio governo. "Ele joga contra ele mesmo", opinou um parlamentar da base governista, que falou com a reportagem sob condição de que seu nome não fosse divulgado.

"Ele não consegue [manter a postura mais moderada], não tem essa habilidade", afirmou um consultor com atuação junto à Câmara. Na visão dele, também pesa o fato de que uma retórica mais ruidosa é o que ajudaria a manter o seu eleitorado engajado e firme para a tentativa de reeleição em 2022. "É uma dificuldade do próprio Bolsonaro em mudar o tom do discurso. Ele é assim."

Na esteira da insistência em narrativas que ou não vingaram ou encontram forte resistência — em paralelo ao aumento do número de mortes e agravamento da pandemia —, houve acelerado processo de desgaste na relação do presidente com integrantes de sua base. A irritação já foi transmitida mais de uma vez aos chefes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Ambos se elegeram neste ano com o apoio de Bolsonaro.

Na visão de um dos interlocutores ouvidos pela reportagem, o clima pode ser ilustrado pelas palavras de Lira no discurso do dia 24 de março. Na ocasião, o congressista afirmou que uma crise ainda mais aguda no país poderia resultar em "remédios políticos amargos", alguns deles fatais.

A atitude de Lira, que não só comanda a Câmara mas também o centrão — bloco informal que compõe a base governista —, foi interpretada em Brasília como uma ameaça velada de possível processo de impeachment. Na mesma linha, Pacheco declarou um dia depois que a fala do colega era uma clara "demonstração de insatisfação".

Um outro deputado do centrão afirmou que, de acordo com a opinião dele, não adianta trocar ministros da Saúde se não houver uma melhoria de gestão do governo federal como um todo frente à pandemia da covid-19. E essa transição, segundo ele, passaria por um diálogo maior com os atuais desafetos de Bolsonaro: governadores e prefeitos.

Parlamentares também se ressentem de que não estão recebendo todos os louros devidos no enfrentamento à crise sanitária. "Muitos partidos começam a avaliar até que ponto vale a pena ficar carimbado com o governo federal", disse o deputado.

Já um integrante da liderança do Executivo dentro do Congresso saiu em defesa do presidente e disse que ele "erra como todos os outros políticos erram". Na visão do parlamentar, Bolsonaro também tem méritos, como o esforço para conceder o auxílio emergencial e buscar soluções que estancassem a queda mais brusca da economia.

"Isso tudo vai ser contado uma hora."

Vaivém postural

O episódio mais recente de alternância comportamental se deu após a nomeação do ministro Marcelo Queiroga, um médico, para comandar o Ministério da Saúde. A escolha de um quadro técnico para substituir o general Eduardo Pazuello, cujo trabalho não agradava, já foi por si só uma sinalização de uma mudança nos rumos no combate à pandemia.

Após as vitórias de Lira e Pacheco, Bolsonaro cedeu às cobranças no sentido de tentar propor um diálogo mais amplo e técnico em busca de soluções para a covid-19. Além da nomeação de Queiroga, o presidente autorizou a criação de um "comitê anticovid", grupo de trabalho integrado para somar esforços do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e dos governos locais (governadores e prefeitos).

Com intermediação de Queiroga, dos líderes do Congresso e de ministros que se sentem desconfortáveis com posições apontadas como "negacionistas", Bolsonaro foi convencido a diminuir a temperatura das críticas ao isolamento social.

O presidente passou a usar máscara em aparições públicas e, já na primeira entrevista de anúncio do comitê anticovid, sinalizou uma mudança de discurso. Pela primeira vez, em vez de afirmar que "vida e economia andavam juntas", como em diversas declarações anteriores, ele disse que a vida deveria ser "colocada em primeiro lugar".

Além disso, com Bolsonaro mais flexível, o Ministério da Saúde procurou fazer da vacinação uma "bandeira" de governo e também houve aval para a campanha publicitária do Planalto que estimula o distanciamento social e medidas individuais de prevenção (justamente o que o presidente mais critica).

Aliados compreenderam esse gesto como um possível novo ciclo da fase "paz e amor", que havia sido interrompida no fim do ano passado em meio às críticas pela atuação do governo no processo de aquisição e importação de vacinas.

No entanto, uma semana depois, Bolsonaro foi flagrado novamente sem máscara e voltou a subir o tom das críticas a governadores e prefeitos em razão de seu posicionamento contrário a medidas de restrição, isolamento social e lockdown.

Posteriormente, o governante também retomou a narrativa enfática em defesa do uso de medicamentos sem eficácia cientificamente comprovada, algo que ele havia deixado de lado, ainda que por um breve período, durante a fase menos acirrada. Bolsonaro chegou a reconhecer que sua postura acabava criando situação de isolamento político, mas disse estar "se lixando para a sua biografia" e para as eleições do ano que vem.

"Eu acho que eu sou o único líder mundial que apanha isoladamente. O mais fácil é ficar do lado da massa, da grande maioria, você evita problemas. Não é acusado de genocida e não sofre ataques por parte de gente que pensa diferente de mim", declarou ele durante visita a Chapecó (SC), em 7 de abril.