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Maierovitch: Metade de mortes seria evitada com vacinas e ações coordenadas

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

11/06/2021 14h09Atualizada em 11/06/2021 15h01

O médico sanitarista Claudio Maierovitch disse hoje em depoimento na CPI da Covid ser possível estimar que metade das atuais 482.135 mortes causadas pela covid-19 no Brasil poderia ter sido evitadas caso o governo federal tivesse contratado vacinas mais rápido e ajudado estados e municípios a adotar ações coordenadas de combate à doença.

Maierovitch citou um estudo da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), que indicou uma estimativa de 80 a 90 mil vidas salvas apenas com a contratação anterior de vacinas.

Certamente, se tivéssemos tido alguns períodos de confinamento, uma boa campanha de comunicação, medidas no campo da da economia, no campo social, adotadas tempestivamente de forma coordenada, teríamos um número de mortes muito menor. Não sei se alguém já fez essa estimativa de forma científica, mas se a gente fosse pensar em grande números, em ordem de grandeza, é possível estimar que tivéssemos metade dessas mortes evitáveis."
Cláudio Maierovitch, médico sanitarista

Maierovitch é médico sanitarista da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Ele já foi presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e já atuou como diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde.

Ele falou à Comissão Parlamentar de Inquérito hoje como convidado ao lado da cientista e microbiologista Natalia Pasternak.

Natalia tem pós-doutorado em microbiologia pela USP (Universidade de São Paulo) e é presidente do Instituto Questão de Ciência, voltado à defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas.

11.jun.2021 - A cientista Natalia Pasternak em fala à CPI da Covid-19, nesta sexta-feira (11) - WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO - WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
11.jun.2021 - A cientista Natalia Pasternak em fala à CPI da Covid-19, nesta sexta-feira (11)
Imagem: WALLACE MARTINS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Médico vê ritmo de vacinação lento

Para Maierovitch, o ritmo de vacinação no Brasil tem sido extremamente lento, em especial na comparação com outros países que buscaram acelerar o processo de aquisição de imunizantes, no ano passado.

O médico sanitarista disse considerar que o PNI (Plano Nacional de Imunização), elaborado pelo Ministério da Saúde, é "pífio". "O plano de imunização que tivemos é um plano pífio, que não entra nos detalhes necessários para um plano de imunização que deve existir no país".

"Não tivemos critério homogêneos definidos para o Brasil inteiro de forma que ficou a cargo de cada estado e município definir seus critérios. Pode parecer democrático, mas frente a uma epidemia dessa natureza e escassez de recursos que temos, deixa de ser democrático para produzir iniquidades."

Maierovitch também criticou a falta de um plano para aquisição de imunobiológicos.

"Assistimos estarrecidos um desestímulo oficial a que um grande laboratório nacional assumisse a produção de vacinas", disse o depoente, em referência ao Instituto Butantan, que produz a CoronaVac no Brasil. "Certamente o cenário seria diferente se houvesse uma busca por imunizantes e acordo para a produção nacional".

O ex-presidente da Anvisa relembrou a vacina da Janssen, de dose única, fabricada pela empresa Johnson & Johnson. "Foram realizados estudos clínicos no Brasil sem que houvesse negociação ou contrapartida na forma de priorização de vacinas para o Brasil", disse.

Aos senadores, Maierovitch lembrou que já houve no Brasil clamor popular para o uso de uma substância sem eficácia comprovada para o combate ao câncer. Um projeto de lei, do então deputado federal Jair Bolsonaro (ele esteve no Congresso por quase 30 anos antes de se eleger presidente), foi aprovado para obrigar o governo a fornecer a fosfoetanolamina sintética, ou pílula do câncer.

"Vivemos no Brasil há poucos anos uma memória triste. Foi crescendo um clamor difuso na sociedade nessa fase que vivemos com grande circulação de informações e fake news, inclusive nas redes sociais, e acabou sendo aprovado um projeto de lei do então deputado Jair Bolsonaro", afirmou ele.

"A fosfoetanolamina para câncer não era sequer um medicamento, era uma substância produzida em laboratório da USP São Carlos. Depois, se provou não ser um medicamento e a lei foi derrubada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que achou que não cabia lei para medicamento sem comprovação científica de sua utilidade", completou o ex-chefe da Anvisa.

Por fim, ele avaliou que o governo federal tem tratado a população brasileira incorretamente como "rebanho" ao propor a imunidade coletiva.

Críticos ao governo Bolsonaro

Tanto Natalia quanto Maierovitch se declaram abertamente críticos ao governo e são a favor de ações de enfrentamento da pandemia com base em evidências científicas, como o uso de máscaras, imunização em massa e o distanciamento social.

O depoimento da dupla ocorre um dia depois de o presidente Bolsonaro, que frequentemente promove aglomerações, afirmar que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, prepara um parecer para desobrigar o uso de máscara por quem já foi vacinado contra a covid ou quem já se infectou com o coronavírus, contrariando as recomendações de autoridades sanitárias.

Queiroga, porém, disse ser preciso que a vacinação avance para que o plano seja colocado em prática. Ele não deixou claro em que pé está o parecer. Parlamentares de oposição viram a declaração de Bolsonaro como cortina de fumaça e nova defesa da "imunidade de rebanho".

*Colaborou Gabriel Toueg

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.