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PSB dá guinada à esquerda, mas mantém base bolsonarista ativa em Alagoas

O presidente Jair Bolsonaro posa com criança em Maceió - Alan Santos/PR
O presidente Jair Bolsonaro posa com criança em Maceió Imagem: Alan Santos/PR

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

04/07/2021 04h00

O PSB, conhecidamente, faz oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Nos últimos dias, o partido agregou dois nomes fortes da esquerda com vistas às eleições em 2022: o governador do Maranhão, Flávio Dino, e o deputado federal Marcelo Freixo (RJ).

As filiações marcam um movimento do partido mais à esquerda. O PSB já anunciou, inclusive, que a prioridade é se coligar em 2022 com quem tiver "mais chance de derrotar Bolsonaro", conforme o presidente nacional da legenda, Carlos Siqueira.

Essa guinada em âmbito nacional não reflete o cenário em Maceió, uma das duas capitais governadas pelos socialistas —o Recife é a outra—, onde o partido tem firmes defensores de Bolsonaro.

A sigla é presidida em Alagoas pelo ex-deputado federal e prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC.

Bolsonaro e o prefeito JHC em evento no dia 13 de maio em Maceió - Júlio Nascimento/Presidência da República - Júlio Nascimento/Presidência da República
Bolsonaro e o prefeito JHC em evento no dia 13 de maio em Maceió
Imagem: Júlio Nascimento/Presidência da República
Apesar de se posicionar como independente em termos ideológicos, sob a mão dele, o partido "endireitou", com a saída de nomes conhecidos da esquerda alagoana e uma "licença" para receber pessoas ligadas ao bolsonarismo.

Líder do PSB dedura crítica a Bolsonaro

A Câmara Municipal de Maceió aprovou o título de cidadão maceioense para Bolsonaro, no último dia 23. Na ocasião, dois dos quatro vereadores eleitos pelo partido votaram a favor da concessão (aprovada por 16 votos a 6).

O líder do PSB na Câmara, o vereador Fábio Costa, foi muito além da defesa do presidente. Ele se indignou com a colega Teca Nelma (PSDB), por ela ter chamado Bolsonaro de "genocida", e pediu à Mesa Diretora que o termo fosse censurado.

"Talvez ela não saiba o significado da palavra genocida como crime. Não é o que estamos vendo, o presidente não assassinou absolutamente ninguém, pelo contrário: há pessoas desviando dinheiro. Quero invocar ao presidente da Casa para censurar essa expressão injuriosa da vereadora de Teca Nelma", disse.

Vereador Fábio Costa protocolou requerimento à Presidência  - Reprodução - Reprodução
Fábio Costa mostra requerimento contra a vereadora por chamar presidente de "genocida"
Imagem: Reprodução

Ele ainda apresentou requerimento pedindo abertura de processo contra a vereadora por quebra de decoro e enviou o discurso dela diretamente ao presidente, por meio de um ofício, dizendo que ela teria cometido "crime contra a honra".

Após os pedidos, a vereadora de 22 anos pediu providências à Câmara para sua proteção, entre elas a proibição de porte de arma no Legislativo e a mudança de local do gabinete dela, que fica ao lado do de Costa.

Delegado de carreira, ele ficou famoso após divulgar ações policiais sob seu comando nas suas redes sociais. Ao UOL, o líder do PSB na Câmara admitiu que tem grande afinidade ideológica com Bolsonaro.

"Defendo princípios e valores que o presidente do Brasil também defende, mas isso não quer dizer que eu concorde com tudo. Sou contra a legalização das drogas, o aborto, defendo valores e princípios cristãos. Coincidentemente, essa também é a linha que segue o presidente", diz, citando que —mesmo assim— não se considera um "bolsonarista".

O termo bolsonarista é ligado a um apoio sob qualquer circunstância, que não é o meu caso.
Fábio Costa, vereador pelo PSB em Maceió

Ele justificou sua permanência em um partido de esquerda e de oposição ao governo federal, dizendo que fica porque goza de liberdade na legenda.

"Sinto-me confortável no PSB por ter independência para defender o que é certo e o que é justo", disse Costa, rechaçando qualquer chance de apoiar Lula se o petista for candidato presidencial em 2022.

Aproximação com o governo federal

Apesar da repercussão nacional, o caso de Costa foi ignorado pelas Executivas municipal, estadual e nacional do partido. JHC, apesar de cobrado por algumas pessoas nas redes sociais, não fez qualquer comentário sobre o episódio. O partido também não se manifestou.

JHC está no partido desde 2015, quando deixou o Solidariedade. Em 2016, JHC se desentendeu com a então presidente estadual do partido —a ex-prefeita de Maceió Kátia Born— e conseguiu (com apoio nacional) tomar à frente da legenda em Alagoas. Em consequência, houve uma debandada de antigos socialistas.

O prefeito mantém boa relação com Bolsonaro há anos, desde seu mandato na Câmara, entre 2015 e 2020. Ele tem vídeos publicados, quando deputado, com Bolsonaro e com o filho Eduardo (PSL-SP), fazendo a defesa do impeachment Dilma Rousseff (PT).

Em 2020, durante a eleição para prefeito, não defendeu nem atacou o presidente, mas recebeu apoio de vários bolsonaristas, entre eles o deputado estadual Cabo Bebeto (PTC), maior aliado do presidente em Alagoas.

A presença de integrantes do governo federal em Maceió tem sido constante desde que ele assumiu. Foi a convite de JHC que o presidente esteve em Maceió no último dia 13 de maio para inaugurar casas populares. Na ocasião, pediu que o governo federal atuasse de forma mais ativa no caso dos bairros que afundam, mas Bolsonaro ignorou o tema por completo.

Ministro Gilson Machado, JHC e o irmão durante visita a Maceió - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Ministro Gilson Machado, JHC e o irmão durante visita a Maceió
Imagem: Reprodução/Instagram

Na última semana, ele recebeu o ministro do Turismo, Gilson Machado. Além de Maceió, o acompanhou em viagem até Porto de Pedras, no litoral norte de Alagoas, para entrega de equipamentos federais.

O irmão dele, o ex-deputado federal João Antônio Caldas (PROS), esteve a seu lado o tempo inteiro. Em abril, ele foi nomeado para o cargo de coordenador-geral de Assuntos Parlamentares do ministério.

O UOL pediu, desde a quarta-feira, para conversar com o prefeito sobre essa relação com os bolsonaristas, mas a assessoria de JHC não respondeu.

A reportagem também procurou a Executiva nacional do PSB para que comentasse sobre a atitude do partido em Maceió, mas não não quis se pronunciar.

"Mais à direita", diz cientista político

Segundo o cientista político Ranulfo Paranhos, da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), o PSB é um partido que cresceu nos últimos anos, por isso divergências internas podem ocorrer.

"O grande problema é que essas divergências internas não podem pautar as eleições, porque aí demonstra um partido fragilizado", explica.

Ele explica que o partido é comandado no estado por JHC, que nunca demonstrou ideologia de esquerda. "O JHC tem um histórico mais à direita", diz, citando a "jogada" política que o levou ao partido e mudou o rumo do PSB no estado. "Ele vai galgando espaço e conseguiu [o comando] de cima para baixo. Isso fez com que algumas lideranças do PSB abandonassem partido", afirma.

Outra estratégia foi não se posicionar claramente.

"Ele ficou naquela: 'Eu não vou me posicionar de forma muito incisiva, porque esses votos podem fazer diferença'. E talvez tenham feito, porque o candidato declaradamente bolsonarista [Josan Leite] teve algo perto de 4% dos votos. Muito por conta dessa estratégia de não posicionamento, ele se elegeu, assim como pela atitude de um PSB moderado, negociador; um partido mais parecido com o PSDB —e que não é historicamente o caso do PSB", finaliza.