'Não vou me calar', diz vereadora lésbica ofendida por colega em Niterói
Durante uma reunião do colégio de líderes da Câmara de Niterói, a discussão sobre o trâmite de um projeto de lei foi parar na delegacia. Contrariado, o vereador Paulo Eduardo Gomes (PSOL) disparou ofensas machistas e lesbofóbicas contra Verônica Lima (PT), que é lésbica e a primeira negra a ocupar uma cadeira na Casa. Depois disso, ele partiu para cima dela e foi contido por colegas.
Após o ocorrido, nesta quarta-feira (7), Lima registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM) de Niterói, município vizinho ao Rio de Janeiro, por injúria e constrangimento ilegal contra o vereador. Ela agora quer a expulsão do colega do cargo na Comissão de Ética da Casa. "Ele conseguiu me fazer chorar, mas eu não vou me calar", disse ela ao UOL.
A vereadora contou que, durante a discussão, Gomes chegou a dizer em referência a ela ser lésbica: "Quer ser homem? Então vou te tratar como homem". Ainda segundo ela, o vereador se levantou da cadeira, caminhou em sua direção e só não a agrediu por ter sido contido por colegas.
Ele estava gritando comigo, pedi três, quatro vezes para falar mais baixo. Uma hora bati na mesa e levantei a voz. Foi então que ele disse que me trataria como homem. Levantou enfurecido e partiu para cima de mim, e outros vereadores precisaram intervir e contê-lo fisicamente. O que ele iria fazer comigo se não fosse contido?"
Verônica Lima (PT), vereadora de Niterói
Em seu terceiro mandato, a vereadora diz ter enfrentado e ouvido muita coisa, mas nunca assim. "Foi a primeira vez no meu espaço de trabalho que me senti arrasada. Ele exalou ódio. Estava vermelho, com raiva e transfigurado."
Após o fim da reunião do colégio de líderes, Gomes foi ao plenário da Casa admitir o ataque e pedir desculpas à colega.
"É muito importante que eu faça manifestação pública acerca de um episódio que aconteceu na sala da Presidência. Na exaltação de uma discussão, eu cometi um ato absolutamente machista e absolutamente agressivo à vereadora Verônica. (...) Quero publicamente que a vereadora tome as medidas que ela achar necessárias."
Nas redes sociais, Paulo Eduardo publicou uma nota admitindo o erro, mas negou a intenção de agredir a colega.
"Nada justifica a forma como tratei a vereadora Verônica Lima. Mesmo eu, com um longo histórico de lutas em defesa dos Direitos Humanos e combate às opressões, estou sujeito a praticar atos machistas e lesbofóbicos. Entretanto, apesar de elevar o tom na discussão, jamais fiz menção de agredir a vereadora fisicamente — nem sequer consideraria essa hipótese."
Em nota enviada ao UOL, o vereador afirmou que irá aceitar as eventuais sanções do PSOL. "Quem convive comigo nas lutas sabe de que lado estou. Me envergonho do que ocorreu e reitero meu pedido de desculpas. Sofrerei as sanções impostas pelo meu partido e me comprometo a avançar na autocrítica para que nunca mais cometa atos desta natureza",
Lima diz que não aceita o pedido de desculpas e relata já ter se sentido oprimida pelo mesmo vereador antes dos ataques.
"Às vezes, a gente fica com o ânimo exacerbado mesmo, mas não foi isso que ocorreu. Quero registrar que essa perseguição é antiga. Esse tipo de comportamento é recorrente, só que ele extrapolou todos os limites. Das outras vezes, era falta de educação, justificava que estava nervoso. Eu mesma relevei diversas coisas, mas passou dos limites".
O vereador Binho Guimarães (PDT) presenciou a cena na reunião do colégio de líderes e condenou a atitude do colega.
"Era uma reunião do colégio de líderes na qual estávamos debatendo projetos a serem pautados. As discussões são normais, mas o que aconteceu cruzou todas as barreiras da ética e do decoro exigidos dentro do parlamento. As diferenças de visões políticas não podem ser utilizadas para ofensas pessoais e agressões", disse ao UOL.
Discussão motivada por projeto de lei
De acordo com a vereadora Verônica Lima, a discussão entre os dois começou depois de Paulo Eduardo Gomes apresentar na reunião um projeto de lei de acolhimento às pessoas autistas. A matéria tem teor similar a uma outra, protocolada por ela há dois anos.
A vereadora contestou o projeto do colega e pediu que o documento anterior fosse votado no lugar. "Ele começou a dizer que o meu não tinha constitucionalidade", diz Verônica.
O projeto dela, porém, já recebeu pareceres favoráveis de duas comissões, a da Pessoa com Deficiência e de Constituição e Justiça, esta justamente a que avalia a constitucionalidade de matérias. A pauta está parada porque aguarda avaliação da Comissão de Saúde, presidida pelo próprio Gomes.
Outra vereadora deixou o país
A Câmara de Niterói já foi palco de outras agressões a vereadores da comunidade LGBTQIA+. Do mesmo partido de Paulo Eduardo Gomes, Benny Brioli, a primeira vereadora trans eleita na cidade, já denunciou ataques recentemente. Ela precisou deixar o país neste ano devido a ameaças de morte motivadas por preconceito.
Na época, ela chegou a registrar boletim de ocorrência e disse que se sentia vítima do "Estado de barbaridade, racista e genocida". Ela ficou duas semanas fora do Brasil e só retornou em junho depois de o governo carioca anunciar a inclusão do nome dela no Programa Estadual de Proteção às Defensoras de Direitos Humanos. A decisão de deixar o país, na ocasião, foi motivada e defendida pelo próprio PSOL.
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