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CPI: Coronel nega propina e trata Davati como encaixe em reunião na Saúde

Luciana Amaral e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Brasília*

10/08/2021 04h00Atualizada em 10/08/2021 17h34

O tenente-coronel da reserva e presidente do Instituto Força Brasil, Hélcio Bruno de Almeida, afirmou hoje, em depoimento à CPI da Covid, nunca ter presenciado oferta ou cobrança de propina durante as conversas do Ministério da Saúde com a Davati —empresa americana que tentou vender, entre fevereiro e março deste ano, um suposto lote de 400 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca.

Foi nesta negociação que, segundo o policial Luiz Paulo Dominghetti, que atuava como revendedor informal da Davati, houve uma sugestão de propina por parte do ex-diretor de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, em jantar em 25 de fevereiro. Este nega ter cometido qualquer irregularidade. O governo argumenta que o diálogo com a Davati nunca passou de tratativas iniciais.

Aos senadores, Hélcio Bruno também negou ter feito negócios com Roberto Dias e negou conhecer o tenente-coronel e ex-assessor do Ministério da Saúde Marcelo Blanco. Este último estava no jantar com o suposto pedido de propina e negou ter presenciado qualquer solicitação ilegal.

"Jamais participei de qualquer reunião ou encontro no qual teria sido oferecida ou solicitada vantagem indevida por quem quer que seja. E também informo que jamais estive presente em qualquer jantar com o senhor Luiz Paulo Dominghetti, muito menos naquele que teria ocorrido em 25 de fevereiro. Até porque, nessa data, eu sequer o conhecia", disse Hélcio Bruno.

A declaração de Hélcio Bruno ocorreu logo na abertura do depoimento, ocasião em que o militar leu um discurso previamente redigido. Na sequência, ele informou aos parlamentares da comissão que faria uso da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que garante a ele o direito ao silêncio em caso de questionamentos que possam resultar em autoincriminação.

10.ago.2021 - O tenente-coronel da reserva e presidente do Instituto Força Brasil, Hélcio Bruno de Almeida, em depoimento à CPI da Covid - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
10.ago.2021 - O tenente-coronel da reserva e presidente do Instituto Força Brasil, Hélcio Bruno de Almeida, em depoimento à CPI da Covid
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

O depoente se calou em relação a indagações sobre a natureza das atribuições do Instituto Força Brasil e rejeitou dar respostas sobre detalhes na relação com demais envolvidos no caso das vacinas. Mas respondeu questionamentos que, de acordo com o seu entendimento e com a avaliação de seus advogados, estavam fora do escopo da decisão do STF.

Por mais de uma vez, parlamentares do colegiado alertaram que Hélcio Bruno não poderia se negar a responder questionamentos mais fundamentais, como, por exemplo, se o Instituto Força Brasil teria atuado no sentido de intermediar negócios de vacinas.

As declarações do coronel na abertura da oitiva contrariam versões apresentadas por depoentes anteriores em relação à sua suposta proximidade com outros militares que ocupavam cargos de comando dentro do Ministério da Saúde na gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello (demitido em março deste ano).

Hélcio Bruno negou ter relação de amizade ou convivência prévia com o ex-secretário-executivo da pasta, o coronel Élcio Franco, considerado o "02" de Pazuello.

"Jamais almoçamos ou jantamos juntos. Não fomos contemporâneos na Aman [Academia Militar das Agulhas Negras] e não servimos juntos", destacou.

15.jul.2021 - Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply no Brasil, em depoimento à CPI da Covid - Leopoldo Silva/Agência Senado - Leopoldo Silva/Agência Senado
15.jul.2021 - Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply no Brasil, em depoimento à CPI da Covid
Imagem: Leopoldo Silva/Agência Senado

À CPI, o representante oficial da Davati, Cristiano Carvalho, afirmou que Hélcio teria sido o responsável por conseguir uma reunião do grupo com o secretário-executivo a pedido do reverendo Amilton Gomes de Paula, diretor da entidade religiosa Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários).

O encontro ocorreu em 12 de março deste ano e contou, segundo Carvalho, com Franco, Hélcio, Amilton, Dominghetti, dois coronéis da cúpula do ministério — Marcelo Bento Pires e Cleverson Boechat, além dele próprio.

Já o reverendo Amilton confirmou na CPI ter atuado como um dos elos para que a Davati buscasse negociar com o governo federal.

Segundo Carvalho, ele e Dominghetti foram buscados no aeroporto de Brasília por um advogado do Instituto Força Brasil com alguns funcionários da Senah e então levados à sede do Força Brasil.

O instituto se declara "sem fins lucrativos" com o objetivo de "fazer frente à hegemonia da esquerda como participante do poder, bem assim ao crime organizado nas instituições".

Para Carvalho, o Instituto Força Brasil foi o "braço" que a Senah usou para chegar "frente a frente" com Élcio Franco. No final das contas, nenhum contrato foi fechado, mas a CPI apura o papel dos intermediários no caso e, especialmente, se houve mesmo pedido de propina por parte de Dias.

Articulação para reunião no Ministério da Saúde

Hélcio confirmou ter participado da reunião no ministério em 12 de março e buscou explicar que, na ocasião, decidiu "compartilhar a agenda" com a Davati porque havia interesse em discutir com o governo a possibilidade de acelerar tratativas em favor da autorização para que o setor privado pudesse adquirir vacinas.

De acordo com o depoente, a reunião do dia 12 de março já estava agendada antes que ele tomasse conhecimento das pretensões da Davati.

À época, ele teria sido contatado pelo reverendo Amilton —que atuava em favor da Davati— para que, no encontro do IFB com o Ministério da Saúde, os representantes da empresa americana fossem incluídos na relação de participantes.

"Acontece que, no dia 9 de março, quando a reunião no ministério já havia sido devidamente agendada e confirmada para o dia 12 de março, às 10 horas, o revendendo Amilton, pessoa que até então eu não conhecia, compareceu ao IFB. No encontro, o reverendo Amilton informou que uma empresa de nome Davati pretendia oferecer uma grande oferta de vacinas ao Ministério da Saúde, mas que precisavam esclarecer ao ministério a forma com que poderiam disponibilizar as vacinas pois, embora não fossem representantes diretos do laboratório produtor das vacinas, eles teriam uma alocação de doses."

"Por isso, o senhor Amilton aventou a possibilidade de o IFB compartilhar sua agenda no Ministério da Saúde com os representantes de tal empresa para que eles pudessem explicar ao ministério as condições de sua oferta de vacinas."

Na versão de Hélcio, este teria sido o único episódio no qual ele teve contato direto com Cristiano Carvalho e Luiz Paulo Dominghetti.

Durante a reunião, segundo ele, que teria durado cerca de 20 minutos, a Davati não teria conseguido comprovar ao ministério que possuía autorização para negociar em nome da AstraZeneca.

"No encontro, que ocorreu rapidamente - aproximadamente 20 minutos -, e no qual o IFB informou que estava à disposição para discutir e encontrar medidas ou aperfeiçoamentos normativos que pudessem acelerar a vacinação privada no país, o Ministério da Saúde solicitou à Davati a apresentação de uma carta de representação do laboratório fabricante, no caso, AstraZeneca, ou das informações referentes aos lotes das vacinas."

"E, assim, ante a ausência de apresentação de tais documentos, soubemos que o assunto se deu por encerrado no Ministério da Saúde."

No depoimento, Hélcio Bruno entregou uma ata elaborada pela secretaria-executiva do Ministério da Saúde sobre a reunião. Aziz leu os participantes do encontro e foi revelada mais uma empresa —a BR Med Saúde Corporativa— que nunca havia sido mencionada por depoentes na CPI.

"A BR Med participou da reunião porque era o grupo interessado na regulamentação da Lei 14.125, pelo qual nós fizemos o pedido da agenda", argumentou Hélcio Bruno.

A lei diz respeito à compra de vacinas pelo setor privado, mas com a condição de que as doses sejam doadas enquanto ocorrer a vacinação dos grupos prioritários definidos pelo Ministério da Saúde.

"Ela [a lei] foi promulgada no dia 10 de março. Quando nós pedimos, ela não havia sido ainda promulgada; por isso, havia um espaço para, eventualmente, buscar uma melhor estruturação, um aperfeiçoamento no seu conteúdo, e esse foi o objeto do nosso pedido", defendeu o depoente.

Hélcio Bruno confirmou conhecer o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) desde o fim da década de 1970, quando estudaram na Aman em turmas diferentes, mas sem contato próximo.

Ele teria se aproximado mais de Bolsonaro em 2016, quando este já aventava se lançar candidato à Presidência, inclusive criando grupo de trabalho para colaborar com a campanha, mas disse não ter participado ativamente da corrida presidencial devido a cirurgias no quadril em 2017. Depois, teriam se encontrado novamente em um programa de entrevistas.

Com Bolsonaro já presidente, Hélcio Bruno voltou a vê-lo quando um grupo de militares da turma de 1976 da Aman fez uma visita de cortesia. O irmão mais velho de Hélcio, por sua vez, foi colega de Bolsonaro na Aman.

Hélcio Bruno disse não se considerar influente perante o governo federal, mas o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), enumerou série de reuniões do depoente com ministros e acrescentou que isso faz "inveja talvez até muitos a parlamentares que apoiam o governo".

Instituto Força Brasil e fake news

Randolfe lembrou que o empresário Otávio Fakhoury, bolsonarista ativo nas redes sociais e na mira da Justiça por fake news e suposto envolvimento em atos antidemocráticos, é vice-presidente do Instituto Força Brasil.

O senador mostrou textos negacionistas no portal do IFB, como um que afirma que a maioria das pessoas seria imune ao novo coronavírus, o que é mentira.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que o colegiado vai descobrir quem financia essas publicações. A CPI já pediu a quebra dos sigilos bancário, telefônico, telemático (de abril de 2020 até o presente) e fiscal (de 2018 até o presente) de Hélcio Bruno.

Randolfe mostrou publicações de Hélcio Bruno no Facebook em que pede a destituição de ministros do STF, inclusive de Cármen Lúcia, quem concedeu ao depoente o direito parcial de ficar em silêncio. Questionado hoje sobre o que acha do Supremo, Helcio disse ser a favor da Corte.

Críticas a desfile de veículos militares

Omar Aziz criticou duramente o desfile de veículos militares promovido pelo presidente Bolsonaro pela manhã. O senador classificou o ato como "lamentável" e afirmou ser uma "clara tentativa de intimidar parlamentares e opositores".

"Bolsonaro imagina com isso estar mostrando força, mas está evidenciando toda a fraqueza de um presidente, acuado pelas investigações de corrupção, inclusive dessa CPI."

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) disse que Bolsonaro "vive numa bolha imaginária".

*Com a colaboração de Leticia Lazaro.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.