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Dominghetti falou em concorrer a deputado antes de relatar suposta propina

Dominghetti, que se apresentava como representante da Davatil, cogitava em conversa a possibilidade de lançar candidatura  - Cláudio Marques/Futura Press/Estadão Conteúdo
Dominghetti, que se apresentava como representante da Davatil, cogitava em conversa a possibilidade de lançar candidatura Imagem: Cláudio Marques/Futura Press/Estadão Conteúdo

Hanrrikson de Andrade, Luciana Amaral e Rubens Valente

Do UOL, em Brasília

09/08/2021 07h00

Em conversas pelo WhatsApp às quais o UOL teve acesso, o cabo da Polícia Militar mineira Luiz Paulo Dominghetti afirmou a um interlocutor ter planos de concorrer a deputado em Brasília nas eleições do ano que vem. Pelas mensagens, não fica claro se Dominghetti pretendia se candidatar a deputado federal ou distrital.

Deputado distrital é uma espécie de deputado estadual, mas que também acumula algumas funções de vereador, já que o Distrito Federal não tem prefeituras.

A mensagem de Dominghetti foi enviada um dia antes da reportagem em que ele relata suposto pedido de propina por parte de Roberto Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde, no curso de negociações para a venda de vacinas ao governo federal.

Dominghetti se apresentava como revendedor de 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca contra a covid-19 por meio da empresa americana Davati Medical Supply, sem registro formal no Brasil. O negócio acabou não sendo fechado, mas está permeado de suspeitas de irregularidades.

De acordo com o diálogo, o policial cogitava a possibilidade de lançar candidatura a deputado. O texto foi enviado a um colega identificado em seu celular como "Renato Compra Vacinas Chapecó", em 28 de junho deste ano — o aparelho de Dominghetti foi periciado pela CPI da Covid.

Um dia depois, em 29 de junho, Dominghetti concedeu entrevista ao jornal Folha de S.Paulo e relatou, em tom de denúncia, suposto crime de corrupção cometido pelo ex-diretor de logística Roberto Dias.

Segundo o policial, Dias pediu propina para levar adiante a negociação com a Davati. A cobrança de vantagem ilícita teria ocorrido em 25 de fevereiro, durante jantar no restaurante Vasto, em Brasília.

Dias nega ter feito o pedido de propina ou cometido qualquer outra irregularidade.

'Sair para distrital' e 'montar uma equipe bem forte'

Na troca de mensagens, Dominghetti e o interlocutor comentam detalhes das atividades de comércio de imunizantes contra a covid-19.

"Renato Compra Vacinas Chapecó" afirma que "essa gente toda já esteve lá no Senah com nós [sic]". Ele se refere à Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários, um grupo evangélico liderado pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, outro intermediário com atuação em favor da Davati.

Diz, ainda, que os acordos não deveriam incluir outros intermediários "palpiteiros" — o teor das conversas não expõe com clareza de quem se tratava — e que o "segredo é a arma dos negócios".

Em dado momento, Renato pergunta ao policial se este "tem falado com o Tom".

Na sequência, Dominghetti confirma e diz que eles têm conversado mais sobre política. Nisso, afirma ter um "projeto político" em curso no Distrito Federal e querer "sair para distrital".

Questionado por Renato se pretendia mesmo ser candidato a "deputado federal pelo distrito", Dominghetti reafirma sua vontade, sem corrigir o colega quanto a ser deputado federal ou distrital.

"Sim. Estou me organizando para isso", diz o policial militar. "Montar uma equipe bem forte."

"Opa, vamos nessa", exclama o interlocutor.

Renato chega a brincar com a situação em outro trecho dos diálogos e, ao concordar com o PM em um outro assunto, responde: "Sim senhor deputado Dominghetti [sic]". E emenda: "4 votos eu tenho".

Mais tarde, indagado se já tinha escolhido o partido pelo qual sairia candidato, Dominghetti diz que não.

Atualmente, Dominghetti está lotado em um batalhão da PM mineira na cidade de Alfenas, mais ao sul do estado e próxima à divisa com São Paulo, contou o próprio em seu depoimento à CPI da Covid.

Nos diálogos, não é possível ter certeza quem seria o "Tom", mas um contato registrado no celular de Dominghetti identificado como "Amauri Vacinas Embaixada" se apresenta como "o Tom aqui do reverendo" para o policial.

Na terça (3), em depoimento na CPI, o reverendo Amilton Gomes de Paula afirmou que "Amauri Vacinas Embaixada" se refere a "Mauriston", um dos diretores da Senah.

Sonho de ficar rico e negócios paralelos a vacinas

Além de almejar uma vaga na Câmara Legislativa do DF ou na Câmara dos Deputados, também sediada na capital federal, o celular de Dominghetti revela que, durante as negociações em nome da Davati, o policial alimentava a expectativa de faturar milhões de reais com o eventual acordo com o Ministério da Saúde.

Em diálogos com o pai, Paulo César Pereira, ele fala em diversas oportunidades de como isso mudaria a sua vida. Chega a fazer planos de comprar uma mansão no Lago Norte, região nobre de Brasília.

Dominghetti não negociava somente vacinas com o Ministério da Saúde. Mensagens em seu celular às quais o UOL teve acesso mostram que ele atuava em conjunto com outros intermediários na oferta de medicamentos, equipamentos hospitalares, peixes, esmeraldas e até nióbio.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.