Rio: Megaprojeto em favelas termina como cabide de candidatos fracassados
"Pretendemos deixar um legado na urbanização de áreas degradadas do estado." A frase foi dita pelo então governador do Rio, Wilson Witzel, em 30 de janeiro de 2020. Era lançado, na Rocinha, o Comunidade Cidade. Só para a favela da zona sul da capital havia a previsão de investimentos de R$ 2 bilhões em cinco anos.
No entanto, em vez das melhorias na comunidade, o que restou do projeto foram cargos para uso político. O governo extinguiu neste mês a subsecretaria que abrigava o projeto —ela agora virou uma pasta de "programas especiais". Levantamento do UOL mostra que, na prática, ela emprega candidatos a vereador derrotados no município de Queimados, na Baixada Fluminense, reduto eleitoral do secretário de Obras, Max Lemos (PSDB).
A reportagem identificou em diários oficiais que neste mês foram nomeadas na subsecretaria ao menos 18 pessoas que já tiveram cargos na Prefeitura de Queimados ou foram candidatos derrotados a vereador nas últimas duas eleições na cidade.
Em nota, a Secretaria de Obras afirmou que "os servidores foram escolhidos tendo em vista critérios técnicos ou pelo papel estratégico de apoio operacional que irão desenvolver junto às comunidades de todo o estado".
Desde que Cláudio Castro (PL) assumiu interinamente o governo após o afastamento de Witzel, em agosto de 2020, o Comunidade Cidade vem desidratando. Em junho, quando Max Lemos foi contemplado com a Secretaria de Obras em meio a um loteamento político promovido por Castro, o projeto naufragou de vez.
Para comandar a agora Subsecretaria de Programas Especiais, foi nomeado o inspetor penitenciário Luciano Luiz Moreira. Candidato derrotado a deputado estadual em 2014, ele foi vice-presidente da Câmara de Vereadores de Queimados no início dos anos 2000, quando Max Lemos comandou a Casa. Recentemente, teve cargo de assessor de plenário na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Segundo a secretaria, Moreira "possui vasta experiência na vida pública, é advogado e cursa atualmente MBA em gestão pública". "Sua nomeação não tem qualquer relação com o cargo que já ocupou de vereador", informa a pasta.
Entre as nomeações de aliados de Max Lemos, está o caso de Marisa de Souza Silva, candidata em 2020 no município da baixada, que teve apenas 12 votos. Apesar do desempenho pífio nas urnas, fotos e vídeos em suas redes sociais revelam um forte empenho na campanha de Lenine Lemos (PSDB), que ficou em terceiro lugar na disputa pela Prefeitura de Queimados.
Lenine é irmão de Max Lemos e atualmente tem um cargo de assessor na Secretaria da Casa Civil de Cláudio Castro, com salário de R$ 14.900.
Entre os candidatos a vereador derrotados que foram abrigados na Subsecretaria de Programas Especiais, não faltam nomes curiosos. Soni Nunes Pereira Pinto recebeu 336 votos em 2020, com o apelido de "Sônia do Beto Bolinha". Marco Allan Pio de Souza era o "Marco do Pio Borracha" nas urnas e somou 101 votos.
A lista de nomeados ainda tem Guaraciaba dos Santos Ferreira, o "Binha Soldado da Paz", que conseguiu 40 votos. Em suas redes sociais, além de elogios a Max Lemos, ele se apresenta como treinador de futebol e presidente de um projeto social em Queimados.
Outro da área de esportes que agora se aventura nas obras da Subsecretaria de Programas Especiais do estado é Anderson Resende de Araújo, o "Anderson Chumbo", dono de uma loja de artigos esportivos em Queimados.
Em 2020, quando teve 427 votos, ele disse, em sua propaganda política, "representar as pessoas menos favorecidas na saúde, educação, esporte e lazer". E indicou para prefeito o candidato Lenine Lemos.
Outro personagem que ganhou cargo foi Mário Mendes Schuenck, o Marinho do Santa Rosa, que teve 163 votos na tentativa de ser vereador. Ele havia ganhado fama em Queimados após aparecer em reportagens da TV Globo cobrando por asfalto em seu bairro.
Enquanto a Subsecretaria de Programas Especiais virou uma espécie de sucursal de cabos eleitorais do secretário Max Lemos, nomes técnicos deixaram a pasta. Ruth Jurberg, funcionária de carreira da Cehab (Companhia Estadual de Habitação), que se especializou nos últimos anos no tema de urbanização de favelas, foi deslocada para a Casa Civil.
Do ambicioso projeto lançado por Wilson Witzel para a Rocinha, praticamente nada foi feito. Há apenas uma obra que vem sendo realizada pela Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), de melhorias no saneamento básico na localidade conhecida como Vila Cruzado.
Essa obra estava prevista para ser entregue em maio, mas, por causa da pandemia, a entrega foi adiada para o fim de setembro. Houve uma reavaliação das planilhas de orçamento e o projeto que iria custar inicialmente R$ 18 milhões passou para R$ 11,6 milhões.
Decepção na Rocinha
Severino Franco, articulador sociocultural e cofundador do Movimento Pelo Saneamento Básico na Rocinha, conta que a decepção foi grande com o fim do Comunidade Cidade.
Quando foi lançado esse projeto, a gente criou uma expectativa alta. Era muito bonito, tudo parecia perfeito. Depois, não deram uma justificativa plausível para o fim. Agora, sequer conseguimos nos aproximar do governador para encaminhar as demandas de saneamento básico e urbanização."
Severino Franco, articulador sociocultural na Rocinha
Luiz Carlos Toledo, arquiteto que elaborou o Plano Diretor da Rocinha em 2006 e foi convidado pelo governo estadual para auxiliar no Comunidade Cidade, reforça a decepção
"Quando fui chamado para falar na inauguração do projeto no ano passado, disse para o então governador Witzel que a Rocinha não poderia ser enganada mais uma vez. Dito e feito."
O Comunidade Cidade previa, além de melhorias no saneamento, obras de abertura de novas vias, reforma de creches, construção de escolas e realocação de moradores em prédios que seriam construídos na própria favela. Estava prevista a expansão do projeto para o Complexo da Maré, na capital, e para o Salgueiro, em São Gonçalo.
Apesar do fim da subsecretaria, o governo estadual afirmou que a extinção da pasta não irá atrapalhar obras que estão previstas em favelas, como a conclusão do plano inclinado da Rocinha, a reativação do teleférico do Complexo do Alemão e construções de unidades habitacionais.
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