'Respeito ao Marcinho VP traficante': o acordo do secretário do RJ com CV
As conversas interceptadas por uma escuta ambiental entre o então secretário de Administração Penitenciária do Rio, Raphael Montenegro, e integrantes da cúpula do CV (Comando Vermelho) indicam a costura de um acordo entre o governo fluminense e a maior facção criminosa do Rio.
De acordo com investigações da PF e do MPF (Ministério Público Federal), Montenegro —que foi preso ontem— esteve no Presídio Federal de Catanduvas (PR) para negociar a volta da cúpula do CV ao sistema prisional do Rio. Nos diálogos, ele mostra reverência aos criminosos.
Para Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP —tido como o "presidente" do Comando Vermelho no país—, Montenegro chega a dizer que tem "respeito ao Marcinho traficante".
Em entrevista à TV Globo, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), disse que "ninguém negocia pelo governo, se ele [Montenegro] estava fazendo qualquer coisa era por vontade própria".
O UOL não localizou a defesa de Montenegro.
As mensagens foram mantidas tais como transcritas em decisão judicial que determinou sua prisão.
"Hoje, você, você é um cara fundamental lá, (...) você é um cara fundamental nessa virada de cultura, você é o cara que hoje fala pela maior facção do Brasil, e assim, a gente não sabe cara, e tá tudo certo... Mérito seu a gente respeita isso, uma história que você construiu, sabe você a que custo, sabe você o quanto custou construir o nome do MARCINHO VP (...) Porra, quinze anos aqui e você ainda fala pela Facção, porra, é mérito pra cacete! E a gente respeita isso, como respeita não só o MARCIO homem, mas o MARCINHO VP, o MARCINHO VP, o traficante, esse cara tem que ser respeitado, a gente respeita por tudo que você construiu, agora, a gente quer que o MARCIO, como homem volte, e volte num espírito cooperativo."
Raphael Montenegro, secretário de Administração Penitenciária exonerado
Em troca de paz nos presídios, Montenegro ofereceu a chefes do tráfico encobrir atividades criminosas coordenadas por eles de dentro das cadeias do estado e fazer vista grossa à entrada de celulares no cárcere.
O então secretário também ofereceu regalias a chefes do CV, como alocação em um presídio com melhores condições (a penitenciária Bangu 7) e a permissão de entrada de itens proibidos (comidas e bebidas).
'A evolução de vocês vai provocar nossa evolução'
Em outro trecho da conversa, Montenegro questiona a violência que envolve o tráfico no Rio, ressalvando que "o Estado sempre é maior que a facção" e que "está pronto pra guerra". Ele aponta que conduta dos traficantes, na opinião dele, colaboraria para uma "evolução".
"Agora a questão é o seguinte, o que vocês querem? Vocês querem vender tua parada na boa, ter seu lucro e tocar a vida?! Assim, ninguém, ninguém, eu digo, ninguém no mundo consegue impedir isso, o mundo inteiro tem tráfico de droga, o mundo inteiro, agora, porque só no Rio, ou mais, mais expressivamente no Rio é essa merda?!"
A evolução de vocês vai provocar nossa evolução, o Estado é sempre um Estado reativo, então assim, o papo é esse, agora o que a gente precisa entender é o seguinte pô, o cara voltando, ele vai ser um cara que vai cooperar pra essa mentalidade ou ele é um cara que, pô lá trás foi um cara de guerra, que gosta de guerra, quer cair dentro, quer tomar o morro de A de B e de C."
Raphael Montenegro, secretário de Administração Penitenciária exonerado
Tráfico internacional não importa "nem um pouco"
Em diálogos com Marcinho VP e Cláudio José de Souza Fontarigo, o Claudinho da Mineira, Montenegro fala abertamente saber do poder que os criminosos mantinham sobre o tráfico de drogas em outros estados e até mesmo em países vizinhos, como Peru e Paraguai.
Mas ele deixa claro que não levaria à Polícia Civil essas informações de inteligência essenciais para a segurança pública do estado, conforme mostra trecho da conversa com Claudinho da Mineira.
"A gente sabe que o COMANDO já tem um braço ali na FAMÍLIA DO NORTE [facção que atua em estados do Norte], a gente sabe disso, tá tudo certo, eu não tô falando dali para fora (...)", afirma.
"A gente já conversou com colegas, com irmão seus, e falaram ó, estado tal é fulano, estado tal é de ciclano, Peru... Tem braços no Peru, no Paraguai, eles falam, assim, eles falam e não sai da nossa relação, eu não vou pegar e 'Ó Polícia, tá aqui ó'... Da mesma forma que eu te cobro ser sujeito homem, ter o papo reto, eu aceito que você me cobre isso, que eu tenha papo reto... E o dia, o dia que eu quebrar isso, quando eu entrar na cadeia, você virar para mim e falar 'tu não tá podendo', eu vou aceitar."
Com Marcinho VP, ele manteve diálogo semelhante. Montenegro afirma: "Você vai me perguntar, isso [o tráfico internacional realizado pelo CV] me importa? Nenhum um pouco, cara!".
Vista grossa a celulares
Outro ponto mencionado diversas vezes por Montenegro é a promessa de fazer vista grossa à presença de celulares na prisão, instrumento essencial para permitir que chefes do tráfico continuem ditando os rumos das áreas que controlam.
Apesar de ser uma infração disciplinar grave, ele diz que considera a entrada dos aparelhos um erro da Seap, e não uma violação às regras cometidas pelos traficantes.
Ainda diz que acobertou o traficante My Thor, conhecido por controlar por meio do terror diversas comunidades na capital fluminense. O criminoso também estava no Presídio Federal de Catanduvas, onde cumpriu pena por 15 anos, e voltou ao Rio em março.
Duas semanas depois de ingressar no sistema prisional do Rio, foi divulgada uma chamada de vídeo feita pelo traficante de dentro da Penitenciária Gabriel Ferreira Castilho (Bangu 3).
"Se eu te pegar usando telefone eu vou te mandar para a Federal? Claro que não, cara. A gente mandou o MY THOR pra Federal? É claro que não, cara", argumenta ele com Marcinho VP.
"Cara, uma vez que entrou você falar ou deixar de falar? Tá no jogo, tá tudo certo, agora o MY THOR, quando ele faz um vídeo, ele expõe todo o Sistema, ele expõe a forma como a gente tá ali conduzindo o Sistema no diálogo."
Ao longo de sua atuação no Rio, o Comando Vermelho protagonizou rebeliões de repercussão nacional. A mais famosa ocorreu em 11 de setembro de 2002, no Presídio Bangu 1.
Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, comandou o motim. Líder máximo do CV, ele ordenou que o traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, fosse queimado vivo. O objetivo era vingar a morte de Orlando Jogador, uma das principais lideranças da facção. Em 1994, Uê armou uma emboscada para assassinar o rival.
Marcinho VP é alvo de perseguição, diz defesa
Além de Montenegro, foram presos dois subsecretários que o acompanharam na visita ao Presídio Federal de Catanduvas: Wellington Nunes da Silva e Sandro Farias Gimenes.
Após a operação, o governador do Rio decidiu exonerar Montenegro. Para o seu lugar escolheu o delegado da PF Victor Poubel.
Em nota, o governo do estado do Rio de Janeiro afirmou que "se compromete a auxiliar no aprofundamento das apurações" sobre os crimes atribuídos ao ex-secretário.
A advogada Paloma Gurgel, que defende Marcinho VP, diz que ele é alvo de perseguição.
"Mais uma vez, o Márcio está sendo envolvido em ilações abusivas injustificadas. Ele não foi o único retirado do pátio da penitenciária federal: foram vários outros internos do Estado do RJ", diz comunicado divulgado pela defesa de VP.
O UOL não conseguiu localizar as defesas de Gimenes e Wellington.
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