Ameaças de Bolsonaro ao STF são crime de responsabilidade, dizem juristas
Ao declarar abertamente que não cumprirá "qualquer decisão" do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comete crime de responsabilidade por desrespeitar os outros Poderes. A avaliação é de juristas consultados pelo UOL após a fala do presidente em ato em 7 de setembro em São Paulo.
Para Carlos Ayres Britto, que foi ministro do STF entre 2003 e 2012, todos os pronunciamentos dele e suas condutas caracterizam crimes de responsabilidade.
O tom da fala de Bolsonaro, no seu entendimento, é de "nítida ameaça ao Supremo e mais ainda aos ministros Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso".
"Os crimes do artigo 85 da Constituição se tipificam por um modo de governar que tem sido de costas para a Constituição. São crimes que pressupõem para o seu cometimento um estilo de governo de inadaptação à ordem constitucional", explica.
O presidente da República mais e mais se mostra no seu governo incompatível com a ordem constitucional. Uma ordem intrinsecamente virtuosa faz da democracia o princípio dos princípios jurídicos. Princípio continente de que tudo mais é conteúdo, inclusive a República, a federação e a livre iniciativa."
Carlos Ayres Britto
O jurista e colunista do UOL Walter Maierovitch concorda com a avaliação. "Eu acho que foi um crime de responsabilidade, porque atenta contra os Poderes. O problema é que todo pedido de impeachment termina na gaveta do Arthur Lira", diz Maierovitch, citando o presidente da Câmara dos Deputados.
Mais de 130 pedidos de impeachment já foram protocolados na Casa desde 2019. Eleito presidente da Câmara em fevereiro, Lira (PP-AL) já declarou mais de uma vez que não pretende dar seguimento a um processo contra Bolsonaro.
No entanto, Maierovitch alerta que o próprio Lira está sujeito a um processo de impeachment caso a maioria dos deputados entenda que ele propositalmente não dá seguimento aos pedidos.
"Ele pode ser alvo de um processo de impeachment também por crime de responsabilidade. Neste caso, seria por acobertar outro crime de responsabilidade", explica o jurista.
Já o advogado Pierpaolo Bottini afirma que a fala de Bolsonaro sobre não cumprir as determinações de Moraes não necessariamente é passível de punição.
"A manifestação de uma intenção de deixar de cumprir ordens judiciais não implica o descumprimento efetivo. Esse crime específico exigiria uma ordem concreta, dirigida ao presidente, que não fosse cumprida expressamente. O mero desejo de praticar um crime não é punível", destaca.
"Por outro lado, quando o presidente ataca um ministro do STF, agride a instituição, vai além da liberdade de expressão. Não há apenas uma crítica, mas uma ameaça explícita, que é punível pela legislação", acrescenta.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) declarou nas redes sociais ter ingressado com notícia-crime contra Bolsonaro no STF. O parlamentar pede que o presidente seja investigado por atentado contra a ordem constitucional, eventuais financiamentos dos atos de hoje e utilização indevida da máquina pública em favor desses atos.
Para o advogado Fernando Fernandes, o uso de recursos públicos para a realização dos atos, como as viagens feitas por Bolsonaro para comparecer à manifestação na Paulista, ainda pode ser considerado crime de improbidade administrativa.
"Há evidente improbidade e desvio de recurso diante do uso de recursos e da máquina pública para os fins de discursos antidemocrático, pois ofendem princípios constitucionais da administração pública da legalidade, impessoalidade e moralidade", diz.
O que diz a Constituição
São considerados crimes de responsabilidade os atos "que atentem contra a Constituição" e contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário, e também do cumprimento das leis e decisões judiciais.
Segundo os artigos 85 e 86 da Constituição, para que o presidente seja formalmente acusado, dois terços da Câmara dos Deputados —ou seja, 342 deputados— devem votar a favor da acusação, que será encaminhada ao Senado no caso de crimes de responsabilidade e ao STF (Supremo Tribunal Federal) no caso de infrações penais comuns.
A partir do momento que a Câmara aprova a acusação, o presidente é afastado do cargo. Ele deve ser julgado em até 180 dias e, caso o prazo chegue ao fim antes de seu julgamento, ele retornará ao posto.
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