Como Bolsonaro usa a simplicidade como marketing político para manter base
Um presidente da República come pizza em pé na calçada junto a ministros de Estado durante uma viagem oficial. A imagem de Jair Bolsonaro (sem partido) em Nova York rodou o mundo por um motivo simples: ele não podia comer dentro de um restaurante em Nova York porque não comprovou a vacinação contra a covid-19.
Entre grupos bolsonaristas, no entanto, a foto foi compartilhada positivamente como prova da simplicidade do presidente. Essa tática de marketing político tem sido usada por Bolsonaro desde antes da eleição presidencial e, hoje, avaliam especialistas, serve para manter da sua base de apoio mais fiel e fazer cortina de fumaça para outras questões, além de não ser compatível com a sua real situação financeira.
A foto da pizza, como ficou conhecida, não foi a primeira e provavelmente não será a última imagem que liga o presidente à figura da simplicidade.
Em sua primeira coletiva de imprensa após ser eleito, em novembro de 2018, a equipe de Bolsonaro montou os microfones sobre uma prancha de bodyboard em sua casa no Rio de Janeiro.
Em 2019, durante uma viagem oficial ao Japão, ele publicou uma foto cozinhando macarrão instantâneo brasileiro.
A imagem do homem simples, em meio ao povo, pode ainda ser vista nas motociatas recorrentes e nas frequentes quebras de protocolo, como o uso obrigatório de máscara em locais públicos.
"Existe uma construção de discurso de personagem. É o que chamo de populismo digital, a busca pelo herói, a pessoa ideal que também é tangível. Ele se torna o chamado mito, mas, ao mesmo tempo, é gente como a gente", avalia Luiz Alberto de Farias, professor de Opinião Pública da ECA-USP (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo).
A ideia da foto na calçada é uma produção que vai alimentar outros discursos. Sempre há um cuidado em passar a mensagem de que ele está no governo, mas é um de nós. É o foco no discurso emocional, que foge da lógica. Veja que até as pessoas que o odeiam replicaram a imagem e ela acabou grudando no imaginário. Ele consegue ocupar espaço.
Luiz Alberto de Farias, professor da ECA-USP
Essa construção se dá desde a eleição, quando, apesar de ter passado 28 anos no Congresso, Bolsonaro se vendeu como o antissistema e tinha como mote fazer uma campanha de baixo orçamento. A insistência na simplicidade ajuda a manter este discurso.
"Ele se elegeu com a imagem de outsider, então toda imagem do cotidiano dele é pensada para fazer jus a isso. Eu sou o homem que quebra as regras, os protocolos. Eu posso ter esse tipo de atitude porque sou popular, do povo, por isso não estou preocupado com a etiqueta", analisa José Maurício Conrado, professor de Comunicação e Marketing do Mackenzie.
Só para os 20%
Se esta postura fez sucesso em 2018 e ajudou a catapultá-lo ao Planalto, a figura motoqueiro aventureiro está cada vez mais restrita à sua base. E é exatamente por isso, avaliam os especialistas, que ele não pode deixá-la de lado.
"A estratégia continua funcionando para esse segmento restrito que o idolatra. Ele não consegue mais dialogar com aquele segmento intermediário que acreditou que ele seria um passaporte para mudanças, esse público ele perdeu. Por isso, se volta aos incondicionais, ele não quer contrariar esse espectador", afirma Conrado.
De acordo com a última pesquisa DataFolha, divulgada na semana passada, 59% dos entrevistados disseram que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum —a maior rejeição registrada entre os presidenciáveis.
"É exatamente pela alta rejeição que ele investe tanto na fidelidade dos 12% de apoiadores convictos e busca fazer a manutenção dos 20% a 25% que o levariam para o segundo turno", avalia Farias.
Segundo o mesmo DataFolha, o presidente tem hoje 25% das intenções de voto, em segundo lugar na corrida eleitoral, atrás apenas do ex-presidente Lula (PT), com 44%.
Por se voltar a um público cada vez menor que o economista Geraldo José Soromenho, professor do MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político da São Camilo, avalia que sua estratégia seja "mal feita".
Tem funcionado pouco porque ele está se dirigindo a cada vez menos pessoas. O público dele está igual àquele show chato, cada vez mais vazio. Quando você compara com o [ex-presidente norte-americano Donald] Trump, até lá era mais sofisticado. Aqui, até o cidadão comum nota que é uma maquiagem muito mal feita.
Geraldo José Soromenho, economista
Cortina de fumaça
Além de manter a base, as imagens, assim como grande parte das declarações antidemocráticas de Bolsonaro servem também como cortinas de fumaça para problemas maiores e não batem com a sua real situação financeira.
Afinal de contas, o que um chefe de Estado vai fazer em Nova York? Exibir simplicidade que não é. Ele vai fechar negócios para o seu país. E ele? Voltou de mala vazia, só criou mais uma peça para o grande mosaico da pessoa popular, que cai por terra ao olharmos os altos gastos do cartão corporativo, o padrão milionário de consumo imobiliário da família, bem acima da média. É esse o homem popular?
Luiz Alberto de Farias, professor da ECA-USP
"O populismo usa muito isso, ele não é exceção. O grande problema é que, além de marketing, ele usa dessas estratégias para tentar se segurar quando o que vemos é um homem totalmente despreparado, que fica com bravatas e ameaças de macho, para esconder o real problema do país", concorda Soromenho.
Deve durar até as eleições
A carta escrita pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) e divulgada por Bolsonaro após os atos golpistas de 7 de setembro foi vista como um sinal de trégua por muitos analistas e políticos, mas desagradou a sua base.
No mesmo período, caminhoneiros bolsonaristas bloqueavam estradas e não aceitaram a recuada do líder.
Para os pesquisadores, este é o sinal de que Bolsonaro não tem outra saída se não manter este discurso de simplicidade até as eleições de 2022.
Ele não vai procurar melhorar a imagem nem ser mais ameno, porque não há outra saída. Ele nunca se manifestou como uma força democrática ou como um homem sofisticado. Agora, seria uma metamorfose muito estranha, que não traria novos eleitores e poderia afastar até o público fiel. Ele precisa seguir alimentando este grupo simbolicamente.
José Maurício Conrado, professor do Mackenzie
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