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Hang confirma que mãe morreu de covid e cita 'erro' em atestado da Prevent

Thais Augusto e Luciana Amaral

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

29/09/2021 14h50Atualizada em 29/09/2021 16h24

O empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da varejista Havan, confirmou que a mãe morreu de covid-19, negou ter pedido à Prevent Senior para omitir esse dado no atestado de óbito dela e disse acreditar que houve um "erro do plantonista" do hospital onde ela estava internada.

Hang disse que só descobriu que o atestado de óbito não citava a covid-19 após relato na CPI da Covid e afirmou que ela recebeu medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença como parte do "tratamento precoce".

A mãe do empresário, Regina Hang, morreu aos 82 anos em fevereiro deste ano em um dos hospitais da rede da Prevent Senior, sob suspeita por eventual série de irregularidades ao longo da pandemia.

"Eu sou leigo. Eu não sei o que tem que botar no atestado de óbito", disse Luciano Hang.

"Achei estranho não estar na certidão, no óbito, mas eu, sinceramente, sou leigo, se vai o quê? Cheio de doenças, são cinco doenças lá colocadas, e não estava o pós-covid, mas aqui eles me provaram que foi colocado", completou, em outro momento.

Em depoimento à CPI ontem, a advogada Bruna Morato, representante legal de 12 médicos que fizeram denúncias contra a Prevent Senior, disse que Regina morreu de covid-19, ao contrário do que indicava o primeiro atestado de óbito.

Entre as acusações que os profissionais de saúde fazem contra a Prevent Senior está a ocultação proposital de mortes causadas pela covid-19. De acordo com os denunciantes, a Prevent teria fraudado o atestado de óbito de Regina.

A Prevent Senior nega o teor das acusações, as quais define como "sistemáticas e mentirosas".

O empresário negou que tenha pedido para haver alguma ocultação da doença no atestado de óbito da mãe.

"Olha só que loucura, imagina eu chamar o médico e dizer 'olha, não coloquem covid, porque eu tinha falado que ela estava o tempo todo no hospital com covid', para diminuir o número de notificação de covid. Uma coisa de louco, uma coisa fantasiosa", declarou.

Hang repetiu por diversas vezes que os senadores foram induzidos ao erro. Disse ainda que os parlamentares "têm muitas narrativas, não provas".

"Segundo eles [Prevent], quem preencheu o atestado de óbito foi o plantonista. No dia seguinte, a comissão de controle de infecção hospitalar viu o erro do plantonista," justificou.

"Pode ter acontecido um erro do plantonista que colocou aquelas doenças, mas, quando foi fazer o documento que vai para Secretaria do Estado...foi federal...foi colocado 'covid'. Então, não vejo o interesse do hospital de mentir sobre a morte da minha mãe", afirmou.

Questionado pelo vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) se tinha o atestado de óbito da mãe em mãos, Hang disse que não.

Numa segunda declaração de óbito da mãe, disse Hang, é indicado que ela foi internada por covid-19 e morreu pela doença. Ele entregou um documento relacionado ao caso para que a CPI tirasse cópia dos papéis. O depoente informou que a mãe era cardíaca, tinha diabetes e insuficiência renal.

Indagada pelo UOL sobre o eventual erro no atestado de Regina Hang em hospital da Prevent Senior, a operadora de saúde informou que o "caso em questão foi corretamente notificado como óbito por covid-19 às autoridade de saúde". A empresa não explicou, porém, a acusação de que o primeiro atestado teria omitido a covid-19.

Luciano Hang justificou que, em vídeo gravado, lamentava que sua mãe não tinha feito o "tratamento preventivo" contra a covid-19, antes de ela adquirir o novo coronavírus. Hang também citou uma série de medicamentos que fazem parte do "tratamento precoce" ou "inicial" contra a covid-19, que não existe.

Ele disse que sua mãe tomou "cloroquina, ivermectina, azitromicina e vitaminas" em casa, antes de ser internada. Nenhuma das substâncias mencionadas por ele tem eficácia comprovada no combate à doença.

Desde dezembro de 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda que a hidroxicloroquina não seja usada por pacientes com qualquer grau de gravidade de covid. A organização também orienta desde março de 2021 que a ivermectina não seja administrada, a não ser em ensaios clínicos. A OMS não tem uma diretriz para o uso de azitromicina. Uma pesquisa feita no Reino Unido ao longo de 2020 com mais de 7 mil participantes mostrou que, entre pacientes internados com covid, o medicamento não foi responsável por qualquer melhora na mortalidade.

Contas no exterior, mas sem financiar fake news, diz Hang

Em depoimento tumultuado com brigas e críticas na CPI da Covid hoje, Luciano Hang confirmou que a empresa possui duas ou três contas bancárias no exterior, além de offshores em paraísos fiscais. Contudo, Hang alegou que todo o seu patrimônio é legal e foi declarado à Receita Federal. Ele ainda negou financiar fake news.

O dono da Havan buscou justificar a existência de empresas em paraísos fiscais com a alegação de que isso seria uma estratégia financeira a fim de proteger de variações bruscas do dólar —tática conhecida como "hedge" no mercado financeiro.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), porém, afirmou que a comissão tem indícios de que Hang usa contas no exterior para financiar fake news.

Segundo documentos obtidos pela CPI e divulgados pela TV Globo na semana passada, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, acusado de espalhar fake news, conseguiu financiamento de Luciano Hang graças à ajuda do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro.

Allan dos Santos, que é dono do canal conservador "Terça Livre", é investigado em dois inquéritos no STF (Supremo Tribunal Federal) por disseminação de fake news e ameaça e incitação ao crime contra autoridades.

No início da tarde, o senador Rogério Carvalho (PT-SE) apresentou pedido para que a presidência da CPI solicite uma investigação sobre perfis nas redes sociais que estariam promovendo um "ataque sistemático por robôs" contra membros da comissão durante o depoimento de Luciano Hang.

"Queria pedir administrativamente que vossa excelência solicite à polícia legislativa do Senado Federal que façam rastreamento de todas as contas em rede social que interagiram com membros titulares e suplentes dessa CPI no dia de hoje", afirmou.

O pedido do senador foi aceito pela cúpula da comissão.

Hang nega ser negacionista

No curto período em que não houve interrupções ou troca de farpas entre os membros da comissão, Hang disse não ser negacionista e recusou a tese, defendida pelos senadores da oposição, de que teria atuado no chamado gabinete paralelo —estrutura de aconselhamento informal do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), um dos objetos de investigação do colegiado, à revelia do Ministério da Saúde.

Embora tenha rechaçado acusações de integrar o gabinete paralelo e de financiar "esquema de fake news", ele se recusou a firmar o compromisso de não mentir à CPI —como ele consta na lista formal de investigados, tem direito a não aderir ao juramento. O depoente comentou, por outro lado, que estaria "com a verdade ao seu lado".

Ao contrário do que tentam me imputar eu não sou negacionista, nunca neguei ou duvidei da doença. Tanto que minhas ações pró-saúde não ficaram só no discurso."
Luciano Hang, empresário

O dono da Havan disse também nunca ter se posicionado contra as vacinas da covid-19.

"Eu não sou e nunca fui contra a vacina, tanto que disponibilizei todos os nossos estacionamentos das nossas megalojas espalhadas pelo Brasil como pontos de vacinação. Além disso, juntamente com outros empresários fizemos campanha para que a iniciativa privada pudesse comprar para doar e ajudar o país a acelerar o processo de imunização. Fomos apoiados por quase meio milhão de brasileiros em um abaixo-assinado nessa causa", declarou.

A CPI da Covid foi criada no Senado após determinação do Supremo. A comissão, formada por 11 senadores (maioria era independente ou de oposição), investigou ações e omissões do governo Bolsonaro na pandemia do coronavírus e repasses federais a estados e municípios. Teve duração de seis meses. Seu relatório final foi enviado ao Ministério Público para eventuais criminalizações.