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Antigo aliado, deputado cassado por fake news é recado do TSE a Bolsonaro

Bolsonaro responde a inquérito sob a mesma acusação que Francischini: espalhar fake news sobre as urnas - Arte UOL
Bolsonaro responde a inquérito sob a mesma acusação que Francischini: espalhar fake news sobre as urnas Imagem: Arte UOL

Eduardo Militão e Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

30/10/2021 04h00

Faltava menos de meia hora para o fim do primeiro turno das eleições 2018. O então deputado federal Fernando Francischini, aliado e um dos maiores cabos eleitorais de Jair Bolsonaro no Paraná, ligou a transmissão ao vivo do Facebook para anunciar "o primeiro caso grave" de fraude nas urnas eletrônicas. "Nós estamos estourando isso aqui em primeira mão pro Brasil inteiro", comemorou.

Em pouco menos de 20 minutos, Francischini afirmou que duas urnas de uma escola em Curitiba foram "fraudadas ou adulteradas" para não permitir votos em Bolsonaro. A notícia era falsa, mas foi assistida por 70 mil pessoas em tempo real e tinha 6 milhões de visualizações em novembro daquele ano, quando o Ministério Público pediu a cassação do deputado. Quase três anos depois, na última quinta-feira (27), o dia chegou.

Com a decisão tomada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por 6 votos a 1, Francischini deverá ficar inelegível por oito anos e perder um mandato conquistado com o apoio de 427 mil eleitores, a maior votação para deputado estadual da história do Paraná. A defesa afirma que recorrerá ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Além de bombardear a própria carreira política aos 51 anos, Francischini ajudou a complicar o caminho judicial de Bolsonaro, seu antigo colega de Câmara. Desde agosto, o presidente responde a um inquérito no TSE sob a mesma acusação: espalhar fake news sobre o sistema eleitoral.

Investigado por lançar suspeitas sem fundamento sobre as urnas em sua live semanal, Bolsonaro não pode ter o mesmo destino de Francischini, já que uma eventual condenação não resultaria na cassação do presidente. O TSE, no entanto, poderia torná-lo inelegível e impedi-lo de concorrer em 2022.

Especialistas ouvidos pelo UOL avaliam que a punição a Bolsonaro não é certa, apesar das coincidências com Francischini. A Justiça Eleitoral exige não apenas que se comprovem os fatos mas também que fique demonstrada a gravidade da conduta e seu impacto no processo eleitoral.

Como a live de Bolsonaro ocorreu em julho passado, a mais de um ano das eleições, o fator tempo poderia ser um atenuante. "Pode haver alguma dificuldade do TSE para identificar a gravidade da situação e medir o impacto disso no processo eleitoral, afinal nós ainda estamos distantes do pleito", explica a advogada Marina Morais, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).

"A cassação foi uma sinalização da Justiça Eleitoral de que a internet não é terra de ninguém", afirma o advogado Renato Ribeiro de Almeida, especialista em Direito Eleitoral. "Embora não estejamos tratando de meios de comunicação tradicionais, como rádio e TV, quem produz conteúdo para a internet tem que obedecer à legislação. E isso vai ter peso também no inquérito do presidente", avalia.

O UOL procurou Francischini para uma entrevista, mas não obteve resposta. Por meio do Facebook, o deputado afirmou que fez a live sobre as urnas "no uso de sua imunidade parlamentar", depois de ter sido procurado por dez eleitores que relatavam fraude nos equipamentos.

Pioneiro do bolsonarismo

O país amanheceu no dia 4 de março de 2016 com as atenções voltadas para o aeroporto de Congonhas, onde o ex-presidente Lula prestava depoimento após ser alvo de condução coercitiva. Era a primeira estocada da Lava Jato no petista.

Bolsonaro, à época um fenômeno eleitoral em ascensão, foi à sede da PF (Polícia Federal) em Curitiba e soltou fogos em frente ao prédio. Acompanhado de um grupo de apoiadores que já o chamavam de "mito", o futuro presidente estava na capital paranaense a convite de Francischini, que já era divulgador bolsonarista no Paraná.

A aversão ao PT e à esquerda era um dos laços entre eles, mas não o único. Policial militar e oficial do Exército na juventude, Francischini virou delegado da PF e lançou sua carreira política depois de ter coordenado, em 2007, a prisão do traficante colombiano Juan Carlos Abadía, apontado chefe de um cartel na Colômbia e também procurado pelos Estados Unidos.

A façanha, da qual Francischini se gabava em discursos e entrevistas, rendeu notoriedade ao policial e moldou a imagem do político, que nasceria no ano seguinte como secretário antidrogas da prefeitura de Curitiba. Desde aquela época, a atuação dele teve como eixo central a defesa de policiais e militares, o que o aproximou de Bolsonaro.

Francischini chegou às eleições 2018 quando encerrava seu segundo mandato na Câmara. Pensava em se candidatar a senador e chegou a ser punido ao lado de Bolsonaro por fazer campanha antecipada, mas os planos mudaram de última hora.

Em agosto, durante a convenção do PSL, o deputado foi anunciado como o nome do partido para o Senado no Paraná, decisão que ele disse ter tomado a pedido de Bolsonaro. Dias mais tarde, porém, anunciou que sairia para deputado estadual.

Em uma disputa mais fácil, segundo explicou Francischini, ele teria mais tempo para se dedicar à sua prioridade. "É hora de abrir mão de um desejo pessoal, de me tornar Senador da República, para me focar na missão maior: ajudar Bolsonaro a chegar ao Palácio do Planalto e mudar a realidade do país e do Paraná", declarou na ocasião.

Na condição de articulador, Francischini esteve em momentos cruciais da campanha bolsonarista, inclusive a facada no então candidato. Foi o deputado que liderou, naqueles dias, a pressão pela investigação sobre Adélio Bispo, já identificado como autor do atentado.

Com o início do governo Bolsonaro, em 2019, Francischini assumiu seu cargo no Paraná e se afastou do núcleo do poder em Brasília. Por outro lado, viu o mais velho dos quatro filhos, o deputado federal Felipe Francischini (PSL-PR), assumir a presidência da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, no primeiro mandato, em plena tramitação da reforma da Previdência.

Sua relação com Bolsonaro, contudo, não foi mais a mesma. Na eleições 2020, ele saiu candidato a prefeito de Curitiba e ficou em terceiro lugar, fora do segundo turno, com 6,26% dos votos. Francischini não teve apoio de Bolsonaro, mas sempre negou ter se desentendido com ele.

O chefe do Executivo não fez, até o momento, nenhuma declaração ou comentário nas redes sociais sobre a cassação de Francischini. Mas o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, criticou a medida no Twitter.

"Batman" do Paraná

No dia 29 de abril de 2015, uma ação da Polícia Militar deixou mais de 200 professores e manifestantes feridos durante um protesto no centro cívico de Curitiba. As imagens da repressão, que ganharam o país, colocaram sob os holofotes o secretário de segurança pública do Paraná, Fernando Francischini.

Meses antes, em dezembro de 2014, Francischini havia decidido abrir mão de seu segundo mandato na Câmara, para o qual havia acabado de ser eleito, e aceitou um convite do então governador paranaense Beto Richa (PSDB-PR) para coordenar a segurança do estado.

Os cinco meses em que ele passou no cargo foram marcados pelo discurso policialesco, que rendeu a ele o apelido de "Batman do Paraná", e por uma série de constrangimentos públicos.

Numa manhã de janeiro, ele vistoriava a operação verão do Corpo de Bombeiros e foi fotografado na praia, vestindo bermuda e regatas do uniforme da corporação. Quando os bombeiros divulgaram a foto, descobriu-se que a imagem havia sido editada para remover uma tatuagem de dragão do braço esquerdo de Francischini. Questionado, ele não assumiu ter pedido o retoque.

Os atritos com os professores, que levariam à queda de Francischini do cargo, haviam começado em fevereiro de 2015. Quando manifestantes cercaram a Alep (Assembleia Legislativa do Paraná), em protesto à votação de um ajuste fiscal marcado para aquele dia, um grupo de deputados estaduais tentou entrar no prédio escoltado por um camburão-ônibus da PM.

Presente à cena, Francischini decidiu abrir a porta pessoalmente e, em meio à multidão, conduzir os deputados para dentro da Assembleia. Ao ser confrontado, porém, o secretário trocou empurrões com um manifestante e correu para longe do local.

O que derrubou o secretário do cargo, no fim das contas, não foi o confronto com duas centenas de feridos, mas suas consequências políticas. Depois de ter lamentado publicamente o episódio, Francischini atraiu a fúria dos comandantes ao responsabilizar a PM pela violência. No dia seguinte, pediu demissão do cargo e reassumiu o posto de deputado em Brasília.