Outdoor pró-Bolsonaro e Prefiro Ciro configuram campanha eleitoral? Entenda
A presença de outdoors com mensagens favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em cidades da região Centro-Oeste reavivou o debate sobre campanha eleitoral antecipada, algo que já havia vindo à tona com ações promovidas pelo PDT, no final de outubro do ano passado, em prol do ex-ministro Ciro Gomes, presidenciável do partido.
No caso de Ciro, o partido criou jingle, slogan e distribuiu adesivos com a marca "Prefiro Ciro". No do atual presidente, apoiadores exaltavam sua figura e usam expressões como "fechados com Bolsonaro".
Em novembro passado, o PDT disse ao UOL que o "Prefiro Ciro" não era campanha antecipada. E a legislação eleitoral indica que realmente, hoje, não é.
De acordo com o artigo 36-A da Lei das Eleições, a "menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos" não configura propaganda eleitoral antecipada "desde que não envolva pedido explícito de voto". A campanha eleitoral só é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
"Nós estamos falando a opção, a preferência", disse ao UOL, na ocasião, o presidente do PDT, Carlos Lupi. "Em nenhum momento está se pedindo voto. Em nenhum momento está se falando 'vote no Ciro'. Fala da preferência."
O estudo dessa palavra ["prefiro"] foi feito com muito cuidado. Nós analisamos juridicamente. Preferência é um direito da cidadania, preferência por um partido, por uma escola de samba, por um time de futebol"
Carlos Lupi, presidente do PDT
2022 sem pedir voto
Apesar de não haver pedido de voto explícito, como determina a lei desde 2015, no caso de Ciro é impossível não fazer a correlação com a disputa pelo Planalto em outubro deste ano.
A música em sua pré-campanha, por exemplo, traz expressões como "não quero errar de novo" e "não quero o cruel nem o duvidoso, presente sem futuro nem passado já sem gosto", com clara referência a Bolsonaro e a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocupou a Presidência entre 2003 e 2010.
Mesmo com todos esses sinais, especialistas em direito eleitoral indicam que o "Prefiro Ciro" não se enquadra mais como campanha antecipada.
"Havia uma jurisprudência antiga do tribunal que dizia que esse pedido de voto poderia ser de forma implícita, algo subjetivo", diz a advogada Hanna Gonçalves, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político). "Hoje o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] já sedimentou que é preciso ter pedido explícito. É como 'vote', 'eleja', termos que caracterizem um pedido de voto."
O advogado eleitoral Diogo Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital e professor da Universidade Mackenzie, reforça lembrando que a expressão usada pelo PDT "tem uma relação com a eleição, mas ainda é necessário buscar outros elementos".
A mesma interpretação pode atingir, por exemplo, uma expressão usada ontem por Bolsonaro, em tom de brincadeira, em uma entrevista.
Seu médico, Antonio Macedo, disse que o presidente tem que mastigar 15 vezes antes de engolir para não prejudicar a digestão —Bolsonaro ficou internado, nos primeiros dias deste ano, por obstrução intestinal.
Ao ouvir o número, o presidente questionou: "não pode ser 22?" Ele pode ser referência tanto a seu partido, que tem 22 como número de urna, como ao ano da eleição. Bolsonaro se filou ao PL recentemente, no final de novembro, e seus apoiadores têm buscado atrelar o número ao presidente.
No caso de outdoors envolvendo o nome de Bolsonaro, o TSE já chegou a decidir que "a comprovada instalação espontânea e isolada das peças publicitárias, sem qualquer coordenação central, configurou mera manifestação da cidadania e da liberdade do pensamento, não caracterizando abuso do poder econômico".
Após a publicação deste texto, o deputado federal Rui Falcão (PT) anunciou que protocolou uma representação na PGE (Procuradoria Geral Eleitoral) para que as mensagens em apoio a Bolsonaro sejam investigadas.
Mudança
Rais compara que, até 2014, "a propaganda eleitoral antecipada era o principal motivo de remoção de conteúdo na internet em razões eleitorais". "Na eleição de 2016, foi praticamente inexistente por causa dessa mudança", disse, lembrando a mudança na legislação em 2015.
Com base nessa mudança, Lula e Bolsonaro escaparam de punições na última eleição presidencial. No caso do petista, a reclamação era sobre o uso da expressão "tô voltando". A ação contra ele foi rejeitada pelo TSE por um placar apertado: 4 a 3. Já Bolsonaro era alvo em razão de vídeos em que aparecia sendo recepcionado em aeroportos junto com a exibição de "frases elogiosas".
Por esse histórico, os especialistas acreditam que Bolsonaro não deverá ser punido com base na alegação de campanha antecipada em relação às "motociatas" que seus apoiadores têm promovido pelo país. "Em tese, pode ser que ela não esteja caracterizada na propaganda antecipada por conta da ausência do pedido explícito de voto", diz Gonçalves.
O presidente, porém, está na mira do MPE (Ministério Público Eleitoral) por, em um evento do governo, ter levantado uma camiseta, entregue por apoiador, com os dizeres: "É melhor 'Jair' [já ir] se acostumando; Bolsonaro 2022".
Outros casos
Uma situação semelhante foi relevada pelo TSE. No contexto da pré-campanha para eleição municipal de 2016 em Curitiba, o PDT foi à Justiça contra o atual prefeito, Rafael Greca (DEM), em razão do uso da expressão "#voltagreca33", que trazia referência ao número do então partido do político, o PMN. Os ministros do Tribunal alegaram que não poderiam utilizar "elementos extrínsecos" para configurar campanha antecipada.
A punição recente mais conhecida foi contra a deputada federal Luiza Erundina (PSOL). Vice na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) na disputa pela prefeitura paulistana em 2020, ela foi multada em R$ 5 mil por ter usado a expressão "vamos eleger".
Problema a vir?
Rais lembra que a propaganda antecipada "não é um crime, mas uma ilicitude, uma irregularidade, passível de uma multa". Mas, no caso de Bolsonaro, um problema maior pode vir no futuro, depois que as candidaturas forem registradas. A partir desse momento, poderão ser apresentadas ações de abuso de poder político e econômico.
"O pré-candidato estaria entrado na conduta do abuso do poder econômico, que é muito mais sério que propaganda antecipada", analisa Gonçalves. "Pode levar à cassação do registro da candidatura ou do mandato. E essas ações só são autorizadas após o registro." O custo aos cofres púbicos desses eventos em apoio a Bolsonaro já teria passado dos R$ 3 milhões. O TSE, por exemplo, avalia se houve abuso nos atos de 7 de setembro e na utilização da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) com fins eleitorais.
(Com informações de texto publicado em 2 de novembro de 2021)
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