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Bolsonaro ameaçou democracia com ataques ao STF e às eleições, diz ONG HRW

7.set.202 - Bolsonaro atacou o STF durante ato com pautas antidemocráticas na avenida Paulista - DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO
7.set.202 - Bolsonaro atacou o STF durante ato com pautas antidemocráticas na avenida Paulista Imagem: DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO

Igor Mello

Do UOL, no Rio

13/01/2022 02h01

A ONG HRW (Human Rights Watch) dedica um longo espaço a violações aos direitos humanos no Brasil em seu Relatório Mundial de 2022, lançado nesta quinta-feira (13).

Segundo a entidade internacional, uma das mais respeitadas na defesa dos direitos humanos em todo o mundo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) atentou sistematicamente contra as instituições democráticas, o sistema eleitoral e a liberdade de expressão em 2021.

O relatório enfatiza o fato de Bolsonaro ter ameaçado "os pilares da democracia" brasileira ao colocar em xeque a credibilidade do sistema eleitoral e fazer incessantes ataques às instituições —em especial, ao STF (Supremo Tribunal Federal).

O documento lembra que o presidente ameaçou "agir fora das quatro linhas da Constituição" e citou diversos episódios em que Bolsonaro confrontou outros Poderes.

O presidente Bolsonaro atacou e tentou intimidar o STF, que conduzia quatro investigações sobre sua conduta, incluindo se interferiu em nomeações da Polícia Federal a fim de promover seus interesses pessoais, e se cometeu prevaricação em relação a um caso de suposta corrupção envolvendo a compra de vacinas para a covid- 19
Relatório da Human Rights Watch de 2022

Em outro trecho, a ONG menciona que "o presidente Bolsonaro procurou desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, alegando fraude eleitoral sem nenhuma evidência" e lembra que, após o Congresso rejeitar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do voto impresso, "Bolsonaro sinalizou que poderia cancelar as eleições, a menos que suas propostas fossem implementadas".

Um dos episódios citados pela HRW são as manifestações antidemocráticas de 7 de Setembro.

Bolsonaro, que participou de atos em Brasília e em São Paulo, afirmou na avenida Paulista que não cumpriria mais decisões tomadas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Pressionado, o presidente recuou, divulgando uma carta escrita com auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Perseguição a críticos e ataques à imprensa

O relatório ainda pontua que Bolsonaro, por meio de subordinados e aliados, tentou punir críticos por declarações contra ele ou seu governo.

De acordo com a HRW, o governo Bolsonaro "buscou investigações criminais contra pelo menos 17 críticos, inclusive usando a Lei de Segurança Nacional, proveniente da ditadura militar'. Embora muitos dos casos tenham sido arquivados, essas ações passam a mensagem de que criticar o presidente pode resultar em perseguição".

A entidade de defesa dos direitos humanos ainda afirma que Bolsonaro sistematicamente bloqueia cidadãos em seus perfis nas redes sociais, usados por ele para fazer comunicados oficiais de governo, e cotidianamente ataca jornalistas. O relatório cita um levantamento da ONG Repórteres Sem Fronteiras, que computou 87 ataques do presidente contra a imprensa em 2021.

O relatório também critica o negacionismo de Bolsonaro em relação à pandemia de covid-19, citando sua defesa de medicamentos ineficazes contra a doença e o desrespeito por recomendações científicas —como usar máscara e evitar aglomerações.

Violência policial sem controle

A HRW destaca a alta letalidade das forças policiais no Brasil como um problema crônico que vem se agravando. O relatório repercute dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que registraram recorde de homicídios cometidos por policiais em 2020 —naquele ano, mais de 6.400 pessoas foram mortas por agentes de segurança.

"Embora algumas mortes por policiais ocorram em legítima defesa, muitas resultam do uso ilegal da força. Os abusos policiais contribuem para um ciclo de violência que compromete a segurança pública e põe em risco a vida de civis e dos próprios policiais. Em 2020, 194 policiais foram mortos, 72% deles estavam fora de serviço", ressalta o documento.

As cobranças recaem sobretudo sobre o governo do Rio de Janeiro, que concentra grande parte das mortes em confronto no país. A HRW critica o aumento nos índices de letalidade policial, mesmo sob a validade da decisão do STF que restringe operações policiais durante a pandemia.

Entre os fatos listados nesse tópico estão o fim do Gaesp (Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública) do MP (Ministério Público) do Rio, por ordem do novo procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos. Com a extinção do Gaesp, o MP do Rio deixou de ter promotores focados em investigações de abusos policiais.

A entidade ainda pontua a ação da Polícia Civil na favela do Jacarezinho, em maio —com 27 civis mortos, foi a operação mais letal da história do Rio, como revelou o UOL.

Além disso, cita o fato, também revelado pelo UOL, de que a Polícia Civil declarou sigilo sobre os documentos relacionados ao caso e se recusou a entregar as roupas das vítimas para perícias do MP, que foi obrigado a cumprir mandados de busca e apreensão para obtê-las.

Em nota, o MP do Rio rebate as alegações de que o fim do Gaesp tenha representado um retrocesso no combate à violência policial.

"Os procedimentos continuam em andamento sob a atribuição dos promotores naturais, que têm todas as condições para atuar nesses casos. Em abril de 2021, foi criado um grupo integrado por promotores de Justiça com o objetivo de promover, em todo o Estado do Rio de Janeiro, ações estratégicas e coordenadas para atender às determinações para redução da letalidade e da violência policial no Estado.

A partir dessa nova forma de atuação, o MPRJ alcançou importantes resultados e ofereceu denúncias contra policiais envolvidos em casos emblemáticos como os das operações no Fallet e no Jacarezinho. Também foram denunciados policiais por alterarem a cena do crime na morte de Kathlen Romeu e pelo homicídio do menino João Pedro".

Democracia em risco na América Latina

Em relação a outros países da América Latina, a HRW destaca retrocessos e ataques ao sistema democrático na região.

O relatório menciona "abusos sistemáticos" contra os direitos humanos em Cuba, mas ressalta em especial a situação na Nicarágua, que passou recentemente por eleições, cuja lisura foi questionada pela comunidade internacional.

O retrocesso alarmante das liberdades fundamentais na América Latina nos obriga hoje a defender espaços democráticos que acreditávamos consolidados."
Tamara Taraciuk Broner, diretora interina da HRW para as Américas

"Inclusive líderes eleitos democraticamente realizaram ataques à imprensa livre, à sociedade civil independente e à independência do sistema judiciário. Milhões de pessoas foram forçadas a deixar suas casas e países, e o impacto econômico e social da pandemia foi devastador."

Em relação à Nicarágua, o relatório aponta a prisão de candidatos de oposição para facilitar a reeleição do presidente Daniel Ortega. "As eleições em novembro na Nicarágua foram realizadas sem as mínimas garantias democráticas."

"Durante o período eleitoral, o governo de Daniel Ortega agiu arbitrariamente, prendendo e processando seus críticos e opositores, incluindo sete candidatos à presidência, mantendo muitos incomunicáveis e sob condições abusivas por semanas ou meses. Estas detenções se somam a mais de cem pessoas definidas como críticas que permanecem arbitrariamente detidas em meio à crise de direitos humanos que se agravou em 2018", diz o relatório.

A entidade também diz que o presidente do México, López Obrador, "realizou ataques midiáticos contra jornalistas e defensores dos direitos humanos, se empenhou para eliminar agências governamentais independentes que serviam de controle ao seu poder e tentou cooptar o sistema de justiça mexicano para perseguir seus inimigos políticos".

Já o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, e seus aliados no legislativo, "destituíram sumariamente os juízes da Suprema Corte com os quais discordavam, nomeando novos membros".

Ano ruim para autocratas, diz HRW

O relatório cita a emergência de frentes amplas e coalizões envolvendo grupos políticos com rivalidades históricas para derrotar líderes que tentam corroer as instituições democráticas por dentro.

"Na República Tcheca, uma coalizão improvável derrotou o primeiro-ministro Andrej Babi. Em Israel, uma coalizão ainda mais improvável acabou com o longo mandato do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no poder. Alianças ampliadas semelhantes de partidos de oposição foram formadas para as próximas eleições contra Viktor Orban na Hungria e Recep Tayyip Erdogan na Turquia."

"Uma tendência comparável dentro do Partido Democrata dos EUA contribuiu para a escolha de Joe Biden para disputar a eleição de 2020 contra Donald Trump", completa a ONG no relatório.

O diretor-executivo da HRW, Kenneth Roth, menciona estratagemas eleitorais usados em diversos países para garantir a vitória de líderes autoritários —esse tipo de ação mina, segundo Roth, a credibilidade desses governantes junto à população.

"Como os autocratas não podem mais depender de eleições sutilmente manipuladas para preservar seu poder, um número crescente, da Nicarágua à Rússia, está recorrendo a fraudes eleitorais explícitas para garantir o resultado desejado, o que não confere a legitimidade esperada de um processo eleitoral. Essa repressão crescente é um sinal de fraqueza, não de força", diz ele.