Inquérito que apura corrupção na Presidência completa 2 anos sem solução
Um inquérito que apura se houve corrupção em um órgão que funcionava dentro da Presidência da República completou dois anos sem solução. Desde janeiro de 2020, a Polícia Federal investiga se o então chefe da Secretaria de Comunicação (Secom) do Planalto, Fábio Wajngarten, cometeu os crimes de corrupção passiva, desvio de dinheiro e advocacia administrativa (que é quando o servidor patrocina o interesse privado de alguém junto à administração pública).
Em 2019, no primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro (PL), Wajngarten comandava o órgão que distribui verbas de publicidade ao mesmo tempo em que mantinha uma empresa, a FW Comunicação. A firma tinha emissoras de TV como clientes.
O inquérito da PF foi aberto em 31 de janeiro de 2020 depois de um pedido do Ministério Público. Até o momento, nenhum relatório da apuração foi entregue ao juiz da 10ª Vara Federal de Brasília, Vallisney Oliveira, ou ao procurador do caso, Frederick Lustosa.
Porém, o UOL apurou que a polícia não tomou depoimentos presenciais ou por videoconferência ou fez análises fiscais, financeiras e orçamentárias sobre o caso. O agora ex-secretário Wajngarten prestou esclarecimentos por escrito aos agentes depois de ser questionado por email.
Questionada sobre isso, a Polícia Federal afirmou ao UOL, na sexta-feira (4), que, "devido ao sigilo judicial, não há informações ou mais detalhes disponíveis". Mas, na noite desta segunda-feira (7), depois da publicação da reportagem, a assessoria da PF disse que foram realizadas "diversas diligências, entre as quais a realização de perícias contábeis". A corporação disse que a investigação "tramita regularmente".
A PF não informou que outras apurações foram feitas além das perícias. "A Polícia Federal atua em conformidade com as determinações judiciais de sigilo que envolvem o caso, o que a impede de fornecer informações para fins jornalísticos ou mais detalhes", afirmou a assessoria na noite de segunda.
A defesa de Wajngarten e a Secretaria de Comunicação, que hoje funciona no Ministério das Comunicações, não prestaram esclarecimentos à reportagem. Eles serão publicados se forem recebidos.
No entanto, Wajngarten já disse que não cometeu crime algum nem mesmo atuou com conflito de interesses. Sua defesa disse que a atuação da FW Comunicação era diferente da exercida pela Secom (veja mais abaixo).
Critério diferente beneficiou emissoras
Enquanto Wajngarten esteve no governo, a Secom usou um critério diferente para distribuir verbas de publicidade. Em vez de considerar apenas audiência, o que daria um rateio maior de recursos para a TV Globo, valeram-se de critérios adicionais, como frequência de veiculação, cobertura geográfica, e até possibilidade de se fazer ações de merchandising —quando o âncora de um programa, ele próprio, faz a propaganda de um produto. Um documento da Secom afirma que "prevaleceu o princípio da economicidade".
Esses critérios adotados colocaram a Record e o SBT à frente da TV Globo na obtenção das verbas, mesmo tendo menos audiência que a emissora da família Marinho. A Band ficou em quarto lugar, mas o critério elevou sua participação na verba de 4,65% para 6,77%, de acordo com dados da própria Secom.
Em 2019, a empresa de Wajngarten, a FW Comunicação, tinha contratos com a Record, com a igreja Universal, fundada pelo presidente da Record, bispo Edir Macedo, e com a Band. Até junho de 2019, teve contrato com o SBT.
A emissora de Sílvio Santos disse à reportagem que "não é parte e nem conhece o teor deste inquérito".
A TV Bandeirantes afirmou que o contrato com a FW foi assinado em 2004. A empresa "prestava serviços de análise de audiência também para outras empresas de mídia".
Segundo a emissora, "os investimentos de publicidade do governo federal destinados à Band em 2019 foram bem menores do que os aplicados em 2018". A assessoria não fez referência à proporção de valores pagos em relação às outras TVs, a divisão do bolo publicitário. "E assim foi ainda em 2020", continuou a nota da Band.
A emissora defendeu a investigação. "Sempre que haja acusações, acreditamos que a investigação é importante para que verdades surjam a favor do acusador ou do acusado", afirmou a assesoria da Band. "E que a Justiça decida dentro do que estabelece a Constituição."
A Universal reiterou ao UOL informações que divulgou à época da abertura do inquérito, há dois anos. Neles, a igreja afirma que "contratou a FW em 2015 - muito antes de Wajngarten ocupar o cargo público - para monitorar se a programação evangelística produzida pela Igreja realmente é exibida pelas emissoras de televisão nas cidades e nos horários alugados pela Igreja - serviço que é regularmente prestado todos os meses". Entre 2015 e 2020, o contrato teve três aumentos. A igreja não prestou novas informações.
O UOL procurou a TV Record. Seus esclarecimentos serão publicados se forem recebidos.
Wajngarten assumiu a Secom em abril de 2019. Em sua defesa, ele destaca que seus negócios com as emissoras eram anteriores à posse no cargo na Presidência da República. Além disso, tem negado conflitos de interesses.
Ex-secretário tinha R$ 850 mil em espécie
Dados da Receita Federal e do próprio ex-secretário mostram que, considerando-se a inflação, a renda média de Wajngarten caiu 19% ao final de 2019, o primeiro ano do governo Bolsonaro, quando ele começou a trabalhar no Planalto. Os rendimentos ficaram em R$ 197 mil por mês em média, de acordo com dados analisados pelo UOL.
Em 2019, Wajgarten teve R$ 2,37 milhões em rendimentos. Desses valores, 90% veio de suas atividades empresariais. Só R$ 216 mil era fruto trabalho como secretário na Presidência da República, que começou em abril daquele ano.
Por outro lado, o patrimônio de Fábio Wajngarten subiu 8% acima da inflação entre 2018 e 2019. Ele possuía R$ 7,7 milhões em bens em 2019. Desse valor, R$ 850 mil era dinheiro em espécie. O delegado Leo Garrido, da Polícia Federal, pediu esclarecimentos.
Deve ainda o investigado apresentar justificativas acerca da quantia de R$ 850.000,00 que mantém em espécie, esclarecendo o motivo para guardar esse expressivo montante em espécie, bem como a origem de tal numerário"
Leo Garrido, delegado da Polícia Federal
O advogado de Wajngarten, Daniel Bialski, explicou ao delegado que o dinheiro vinha de economias e de atividades na empresa FW, tudo adquirido licitamente.
Tais recursos financeiros são oriundos de labor desempenhado na empresa FW comunicação ltda. bem como de economias"
Daniel Bialski, advogado de Wajngarten
"Manutenção de recursos em espécie em poder do Peticionário [Wajngarten] não constitui ilícito, sobretudo porque têm origem em atividade lícita e estão devidamente declarados às autoridades", continuou o advogado.
Não há conflitos, diz defesa
Ele ainda afirmou que não existe conflito de interesses entre as atividades de Wajngarten na iniciativa privada no período em que foi secretário de Bolsonaro. "O objeto social da Controle da Concorrência [serviço oferecido pela FW Comunicação] é absolutamente distinto das atividades desempenhadas pela Secom, evidenciando a inexistência de conflitos e mais que isso, o que caracteriza uma completa incompatibilidade dos serviços", afirmou Bialski.
Em entrevista à revista Veja, Wajngarten enfatizou o argumento. "A minha empresa, a FW não presta serviços de comunicação. Ela vende dados", disse o então secretário à publicação.
Bolsonaro avaliou: "Tudo legal"
A revelação sobre a atividade empresarial de Wajngarten durante suas atividades como secretário aconteceu em janeiro de 2020. O presidente Jair Bolsonaro defendeu o assessor em 16 de janeiro:
O que eu vi até agora está tudo legal com o Fábio. Vai continuar"
Jair Bolsonaro, presidente, em 16 de janeiro de 2020
Fábio Wajngarten ficou no governo até março de 2021. Depois de fazer uma viagem a Israel para buscar um spray em estudo para tratamento do coronavírus, ele deixou o cargo de secretário de Comunicação. O posto hoje está a cargo do coronel da Polícia Militar do Distrito Federal André Sousa.
A empresa FW Comunicação faturou R$ 1,1 milhão nos quatro primeiros meses de 2020. Em 2019, foram R$ 3,6 milhões, mesma cifra do ano anterior.
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