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Mesmo ilegais, grupos nazistas se aliam a partidos em regimes democráticos

Suástica foi pichada no prédio de um asilo da Cruz Vermelha em Trustrup, no oeste da Dinamarca - Reuters
Suástica foi pichada no prédio de um asilo da Cruz Vermelha em Trustrup, no oeste da Dinamarca Imagem: Reuters

Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

09/02/2022 04h00

A defesa da criação de um partido nazista, feita na noite de segunda (7) pelo apresentador Bruno Aiub, o Monark, é ilegal, não só no Brasil, mas em outros países de regime democrático. Isso não impede que determinados partidos políticos se associem a grupos abertamente preconceituosos e autoritários, mesmo que as siglas neguem publicamente partilhar de ideologias nazistas.

"Há movimentos, alguns deles inclusive armados, que se colocam abertamente como nazistas. Mas partido político com expressão num contexto democrático, não. O que acontece é que alguns partidos que fazem parte do processo democrático têm conexões com esses movimentos", explica o historiador Vinícius Bivar, pesquisador do OED (Observatório da Extrema Direita) e doutorando na Universidade de Berlim.

O UOL fez um levantamento de 15 partidos europeus de direita, distribuídos entre 13 países, que se enquadram na descrição de Bivar e apelam para o nacionalismo. São eles:

  • Alemanha: AfD (Alternativa para a Alemanha) e NPD (Partido Nacional Democrata)
  • Áustria: FPÖ (Partido da Liberdade)
  • Dinamarca: DFP (Partido Popular Dinamarquês)
  • Espanha: Vox
  • Finlândia: PS (Partido dos Verdadeiros Finlandeses)
  • França: RN (Reagrupamento Nacional)
  • Holanda: PVV (Partido pela Liberdade)
  • Hungria: Fidesz (União Cívica Húngara)
  • Itália: Lega Nord
  • Inglaterra: BNF (Partido Nacional Britânico) e UKIP (Partido pela Independência do Reino Unido)
  • Polônia: PiS (Lei e Justiça)
  • Portugal: Chega
  • Suíça: SVP (Partido Popular Suíço)

São partidos que flertam com esses grupos. Nenhum se admite neonazista, mas têm em alguma medida relações diretas ou indiretas com esses grupos."
Vinícius Bivar, historiador e pesquisador do OED

O limite entre o que é considerado ou não nazista depende da autoridade de cada país. Na Grécia, o partido neonazista Aurora Dourada foi banido e considerado uma organização criminosa.

"Na Alemanha, há um debate acerca do NPD, que tem conexões com os neonazistas, mas que tenta se distanciar dessa pecha de neonazista, até porque os alemães proíbem partidos considerados extremistas. É um partido legalizado, por mais que as relações com o passado nazista sejam bastante óbvias na sua ideologia", disse Bivar.

O pesquisador também mencionou a associação entre os movimentos extremistas e a ala apoiadora de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, e o bolsonarismo. Os dois grupos, explicou Bivar, utilizam de uma tática recorrente entre grupos de direita: o "dog whistle", um código utilizado por membros de movimentos e associações para se reconhecer sem alarde. São gestos, frases simples ou palavras que possam passar despercebidas pelo público.

Como exemplo, ele citou o caso em que Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, foi acusado de reproduzir um gesto associado a movimentos neonazistas durante uma sessão do Senado, no ano passado.

Durante a transmissão, Martins fez um movimento com a mão que se assemelha ao sinal de "ok", um gesto utilizado por grupos supremacistas. Na ocasião, o então assessor disse que estava apenas ajeitando a lapela do terno. Ele foi absolvido das acusações em primeira instância.

"A relação desses partidos se dá muito nessa dinâmica de envio de determinados sinais para angariar suporte dessa direita mais extremista, mas buscando se distanciar dela para evitar problemas jurídicos", afirma Bivar.

"Por mais que os partidos enviem esses sinais, eles buscam se distanciar na tentativa de não mostrar isso de maneira tão aberta, não deixar transparecer para um público maior. Um apelo muito radicalizado e aberto tende a não ser benéfico, então acabam optando fazer isso de forma mais velada", acrescenta.

O cientista político Guilherme Casarões, coordenador do OED, fez uma thread no Twitter explicando como os grupos direitistas se aproveitam da ambiguidade provocada pelos gestos.

Manifestações crescem ao redor do mundo

"A gente tem visto essa manifestação crescente de ultradireita e a construção orgânica disso. Tem sido articulado em partidos em vários lugares, nos últimos anos houve um crescimento bem evidente de uma corrente de ultradireita no mundo que defende ideias totalitárias sobre controle de indivíduos, e isso acaba se organizando em partidos", observou Denise Dora, diretora-executiva da ONG Artigo 19.

Dora, assim como Bivar, explica que os movimentos tentam distorcer o significado de "liberdade de expressão" para justificar incitação e apologia a crimes de ódio.

"O que diferencia a opinião e expressão de um discurso de ódio é exatamente a intencionalidade de prejudicar o outro, de incitar a violência contra o outro e defender o incitamento e fatos históricos em que isso aconteceu", explicou.