Mourão e Bolsonaro vivem fase de paz após vice decidir concorrer ao Senado
Em três anos de mandato, Jair Bolsonaro (PL) e seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), acumularam atritos, deram declarações contraditórias e nunca tiveram proximidade. Agora, com o inevitável fim da relação — pois Bolsonaro não pretende repetir a dobradinha na tentativa de reeleição- -, a dupla eleita em 2018 para o comando do Executivo federal enfim pode dizer que está em paz. A ideia é "terminar bem" o casamento, segundo avaliação de interlocutores.
O cenário mudou depois de Mourão sinalizar, na semana passada, que vai concorrer ao Senado pelo seu estado natal, o Rio Grande do Sul.
O primeiro gesto de simpatia de Bolsonaro em relação ao vice ocorreu na última sexta-feira (11), quando o presidente fez uma brincadeira em um evento no Palácio do Planalto. Na abertura do discurso, o governante cumprimentou a primeira-dama, Michelle. Posteriormente, dirigiu-se ao general com uma ironia amistosa: "Acho que o Mourão está querendo um beijinho também. Você merece, Mourão".
O comentário debochado ocorreu dois dias depois que Mourão, em entrevista à CNN Brasil, afirmou pela primeira vez que poderia concorrer a uma vaga no Senado. O vice reafirmou a informação em entrevista ao jornal O Globo, acrescentando que falta apenas definir o partido - -ele negocia com o PP e o Republicanos.
Ontem, ao UOL, o vice-presidente não usou a metáfora do fim do casamento, como alguns auxiliares palacianos, mas disse que continuará apoiando Bolsonaro.
A relação continua, apenas em outro patamar. Ou seja, nos apoiamos mutuamente, mas em funções diferentes"
Hamilton Mourão (PRTB), vice-presidente da República
Divergências públicas
Mourão e seus auxiliares sabem há muito tempo que Bolsonaro não conta com ele nos planos para a reeleição — o atual presidente ainda não escolheu quem será o vice, mas a hipótese de repetir a chapa com o general está completamente descartada nos bastidores. O motivo: as sucessivas divergências públicas que ocorreram entre os dois desde a posse, em janeiro de 2019.
Segundo apurou o UOL, o chefe do Executivo estava descontente com a postura relutante de Mourão, que, mesmo ciente de que não estaria na chapa de Bolsonaro neste ano, demorou a externar planos para o futuro.
Até o mês passado, o general dizia "aguardar uma conversa" com o presidente antes de definir seu rumo político. À época, ele mantinha a possibilidade de candidatura ao Senado na gaveta, bem como a chance de concorrer a governador no Rio de Janeiro, onde cresceu e mantém residência quando não está na capital federal, e no Rio Grande do Sul — onde há dois aliados bolsonaristas pré-candidatos ao cargo, o ministro do Trabalho, Onyx Lorenzoni, filiado ao União Brasil mas deve se transferir para o PL de Bolsonaro), e o senador Luiz Carlos Heinze (PP).
Em ambos os estados, ele tem obtido bom desempenho nas pesquisas em que seu nome foi testado.
O clima azedo entre Bolsonaro e Mourão, no entanto, transformou-se em ambiente de paz depois que Mourão decidiu sair de cena. Antes de embarcar para a Rússia, na segunda-feira (14), a dupla selou a nova fase com a divulgação de uma foto oficial em que, sorridentes, dão um aperto de mão. A imagem foi divulgada por ocasião da transmissão de cargo —enquanto Bolsonaro estiver fora do país, o general assume a função de presidente em exercício.
Distanciamento
Presidente e vice tiveram uma série de atritos públicos nos últimos anos, e Mourão chegou a ser excluído de reuniões interministeriais no Palácio do Planalto, em claro sinal de distanciamento. "Não fui convidado, não fui chamado. Então, acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença", declarou o general em uma das ocasiões, em fevereiro do ano passado.
Bolsonaro nunca escondeu a sua insatisfação com o fato de Mourão ser adepto a declarações à imprensa (ele costuma dar entrevistas diárias na chegada ao gabinete) e posicionamentos em geral sobre diversos temas, entre os quais economia, meio ambiente e assuntos que provocaram polêmicas envolvendo a figura do presidente.
Em julho de 2021, em entrevista à rádio Arapuan FM, da Paraíba, Bolsonaro comparou Mourão a um "cunhado".
"No meu [caso], [a escolha do vice] foi feita meio a toque de caixa, mas o Mourão faz o seu trabalho, ele tem uma independência muito grande. Por vezes, atrapalha um pouco a gente, mas o vice é igual cunhado: você casa e tem que aturar o cunhado do teu lado, não pode mandar o cunhado embora", disse o presidente.
Esta foi a segunda vez que o chefe do Executivo abriu fogo contra o vice de forma mais contundente em um espaço de apenas seis meses. Em janeiro do ano passado, o presidente disse que não precisava de um "palpiteiro" no governo depois que Mourão comentou a situação do então criticado ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.
À época, o general disse que Araújo poderia ser trocado em uma reforma ministerial a ser feita após definição dos presidentes da Câmara e do Senado.
"O vice falou que eu estou para trocar o chefe do Itamaraty. Eu quero deixar bem claro uma coisa: tenho 22 ministros e um que é interino. Aí é que nós podemos ter um nome diferente ou a efetivação do atual. Não é nada mais além disso. Toda a semana a mídia diz que vou trocar algum ministro, tentando semear a discórdia no nosso governo. Eu lamento que gente do nosso governo passe agora a dar palpites", disse Bolsonaro na ocasião.
"O que nós menos precisamos é de palpiteiro de ministro. Se alguém quiser escolher ministro, que se candidate em 2022 e boa sorte." Araújo acabou demitido dois meses depois.
Lealdade elogiada
Embora tenha reprovado a postura de Mourão em várias oportunidades, Bolsonaro sempre disse a interlocutores reconhecer a lealdade do vice, que é general de Exército e já ocupou funções de comando dentro da força.
Justamente por isso, o que se diz no Palácio do Planalto é que o nome preferido de Bolsonaro para ocupar a vaga de vice é o do atual ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, que, no entanto, enfrenta resistência da chamada ala política.
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