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Decisões sobre Cesare Battisti e Daniel Silveira são comparáveis? Entenda

14.jan.2019 - Cesare Battisti chega ao aeroporto de Ciampino, em Roma, e é preso pela polícia italiana - Max Rossi/Reuters
14.jan.2019 - Cesare Battisti chega ao aeroporto de Ciampino, em Roma, e é preso pela polícia italiana Imagem: Max Rossi/Reuters

Paulo Roberto Netto

Colaboração para o UOL, de Brasília

25/04/2022 04h00

Desde o anúncio da concessão de graça do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), apoiadores do Planalto comparam o caso do parlamentar ao do italiano Cesare Battisti. O ativista não foi extraditado em 2010 por decisão do ex-presidente Lula (PT), enquanto o parlamentar bolsonarista teve sua pena "perdoada" um dia depois de ser condenado pelo STF.

Ontem, o ministro Roberto Barroso afirmou que não há "nenhuma semelhança" entre os dois casos. "Qualquer um pode achar o que quiser do caso Cesare Battisti, mas não há nenhuma semelhança com o caso do deputado que foi julgado na semana passada pelo Supremo", disse em evento na Alemanha.

Especialistas consultados pelo UOL afirmam que os casos envolvem institutos "totalmente diferentes" entre si. Segundo eles, a extradição envolve a soberania nacional e é um ato do presidente como representante do país. O indulto, por sua vez, é uma decisão individual do mandatário.

Embora ambas sejam prerrogativas do presidente, uma das principais diferenças é o fato de que a graça concedida por Bolsonaro a Silveira dificilmente poderá ser revertida pelo presidente seguinte, o que não ocorre com decisões envolvendo extradições —como foi a de Lula com Battisti.

Ou seja, mesmo se Bolsonaro não for reeleito, o futuro presidente pouco poderá fazer para derrubar o indulto concedido a Silveira.

"Vige no direito brasileiro uma premissa máxima de proteção do direito penal de não-retroatividade de qualquer decisão que seja mais gravosa para pessoa acusada de prática de crime", explica Wallace Corbo, professor de direito da FGV Rio e especialista em direito constitucional. "O que significa isso? Uma vez que alguém é beneficiado por uma lei como o ato de indulto, não cabe ao novo presidente revogar o indulto."

No caso de extradição, porém, a Presidência pode voltar atrás no entendimento do mandatário anterior e autorizar a medida.

Isso porque a decisão de se extraditar ou não uma pessoa pode envolver, além de elementos políticos, a postura do país em relação à forma de tratamento que o réu receberá no país de destino. Por se tratar de uma relação entre países, a extradição é vista como um ato de soberania, que pode ser revisada a qualquer momento.

Na decisão que mandou prender Cesare Battisti, em 2018, o ministro Luiz Fux, do STF, reafirmou esse entendimento. Segundo ele, a opção pela extradição cabe ao presidente, que pode rever seu posicionamento sobre a expulsão "a qualquer tempo". Apesar de ter sido beneficiado por Lula em 2010, Battisti acabou extraditado em 2018 pelo então presidente Michel Temer.

"O país pode rever sua posição institucional. Você pode ter uma prática que, em determinado momento, a legislação brasileira entenda inadmissível, mas depois de 5, 10 anos, a legislação venha a acolher", explica o advogado Cristiano Vilela, membro da Confederación Americana de los Organismos Electorales Subnacionales. "O indulto, uma vez concedido, não pode ser revertido. Na extradição, o país pode rever sua decisão".

Outra diferença entre os casos de Cesare Battisti e Daniel Silveira envolvem as consequências para os processos criminais de ambos os réus.

Mesmo refugiado no Brasil, o processo contra Battisti não foi extinto na Itália. Depois da extradição, o ativista foi preso e continua a responder pelos crimes no país europeu. Hoje, ele cumpre pena de prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos entre 1977 e 1979.

Daniel Silveira, porém, teve a sua punibilidade extinta com a graça concedida por Bolsonaro. Ou seja, além de ser um ato que não é possível ser revertido pelo presidente seguinte, a graça também extinguiria a pena de prisão imposta pelo STF pelos crimes que o parlamentar foi condenado.

Relembre o caso Cesare Battisti

Cesare Battisti chegou no Brasil em 2004 após ser condenado, dez anos antes, à prisão perpétua por envolvimento em quatro assassinatos entre 1977 e 1979. O governo italiano fez um pedido formal de extradição ao governo brasileiro, à época comandado por Lula.

Battisti foi preso em 2007 e, em 2009, o STF julgou o pedido de extradição contra o ex-ativista. Por 6 votos a 3, os ministros autorizaram a expulsão de Battisti, retirando seu status de refugiado político, mas decidiram que, por se tratar de um ato de soberania nacional, a decisão final cabia ao presidente da República.

Em seu último dia de governo, em 2010, Lula optou por não expulsar Battisti, afirmando que o ex-ativista sofreria perseguição política na Itália.

O governo italiano questionou no STF a decisão do petista, mas a Corte manteve o entendimento em 2011 de que o ato de Lula não desrespeitou o entendimento do Supremo, uma vez que cabe à Corte apenas autorizar a extradição, enquanto a decisão final é do presidente.

Após o impeachment de Dilma Rousseff, a Itália voltou a exigir a extradição de Cesare Battisti ao então presidente Michel Temer (MDB). Em setembro de 2017, a defesa do ex-ativista pediu ao Supremo que impedisse o governo Temer de extraditá-lo.

Inicialmente, Fux proferiu uma decisão provisória barrando a extradição até o STF decidir sobre o caso, mas voltou atrás em 2018 e autorizou a prisão de Battisti, deixando claro que a decisão sobre extradição ainda cabia ao presidente. Um dia depois, Temer assinou a ordem de expulsão.

Battisti fugiu do país na sequência, mas foi preso em janeiro de 2019 na Bolívia e extraditado à Itália, onde cumpre prisão perpétua desde então.