Que lei permite que Bolsonaro dê perdão a condenados? O que acontece agora?
O presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu perdão ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pelo STF por ameaças à corte. O instrumento usado por Bolsonaro é chamado de graça, uma espécie de indulto. Mas o que é exatamente isso? O que vai acontecer com o deputado? Não será mais preso? Poderá disputar eleições? A Constituição permite isso?
Em conversa com o UOL, advogados dizem que o decreto utilizado por Bolsonaro é previsto na Constituição. "Está no artigo 84, mais especificamente no inciso XII, que permite via decreto presidencial que sejam extintos os efeitos de punição da condenação", diz o advogado criminalista Leonardo Pantaleão.
A Constituição só proíbe que o presidente conceda perdão a certos crimes, como tortura, tráfico de drogas e práticas hediondas. Veja o que diz o artigo sobre o assunto:
Art. 84. Compete privativamente ao presidente da República:
[...] XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei.
[...] a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.
Constituição brasileira de 1988
Alguns advogados consideram difícil que o Supremo anule a decisão, já publicada no "Diário Oficial" da União. "O indulto não é ato administrativo, é um ato político e não cabe controle pelo Judiciário", afirma Alexis Couto de Brito, doutor em direito penal pela USP (Universidade de São Paulo) e pós-doutor pelas Universidades de Coimbra e Salamanca.
No entanto, Brito argumenta que Bolsonaro fez algo inusitado para um presidente. "A graça é solicitada pelo réu na cadeia e por razões humanitárias, como doença. O réu solicita que seja perdoado porque tem morte iminente e não faria sentido continuar na cadeia. Bolsonaro está inventando algo que a gente só discutia na lei", fala.
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, compreende que o caso poderá ser revisto pelo STF para "decidir se cabe graça constitucional nos casos dos crimes pelos quais foi condenado o deputado. Cabe a última palavra ao Judiciário". Kakay disse, em nota, que acredita que o decreto está de acordo com a Constituição.
"O ato pode ser revoltante, mas é previsto na Constituição", afirma Brito.
Na prática, conceder um indulto individual significa que Daniel Silveira foi perdoado e sua punição será anulada, mas "não é a exclusão do crime em si, como ocorre em caso de uma anistia", afirma Carla Rahal, advogada criminalista e sócia do escritório Viseu Advogados.
Kakay afirma que, por esse decreto, Daniel Silveira "tem extinta a punibilidade e não cumprirá pena, porém perderá seus direitos políticos".
Outro fator que corrobora para a constitucionalidade da graça é esse caso não tratar de uma violação hedionda, como prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo.
Crise institucional
O movimento do chefe do Executivo hoje relembra os atritos dele no ano passado com os outros Poderes, como o STF. Brito prevê que a decisão do presidente trará à tona outra crise institucional.
"Por mais vergonhoso que seja simplesmente indultar uma pessoa com crime comum, a meu ver, não cabe controle. Fora a crise institucional que gera entre Presidência e Judiciário e Parlamento, que abala profundamente a democracia", alerta.
No entendimento do advogado, Bolsonaro faz "mau uso" de um instrumento importante e banaliza a pena aplicada contra Daniel Silveira. "Uma pena de 8 anos é altíssima, é equivalente a extorsão mediante sequestro, é mais do que homicídio. É uma condenação grave. A partir de oito anos, o regime é fechado. Não é pouca coisa", afirma.
OAB se diz preocupada
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) disse em nota que vê a situação com "preocupação" e vai analisar o decreto.
Leia a íntegra da nota, assinada por Beto Simonetti, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
"A OAB acompanha atenta e com preocupação os últimos fatos envolvendo a relação entre a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal. Para orientar eventual ação da Ordem, solicitei que, com a urgência que o caso requer, a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais analise o decreto de graça constitucional editado pelo Poder Executivo.
Assim que estiver concluído, o parecer da Comissão será submetido, imediatamente, para deliberação do plenário da OAB, órgão máximo de deliberação da instituição, em sessão extraordinária.
O descumprimento de decisões judiciais é extremamente preocupante para a estabilidade do Estado de Direito. O diálogo institucional e o respeito ao princípio da separação entre os Poderes devem orientar o enfrentamento de desafios como o que se apresenta."
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