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'Carta pela Democracia' ultrapassa 600 mil assinaturas em 6 dias

Fachada da Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco - Folhapress
Fachada da Faculdade de Direito da USP, no largo de São Francisco Imagem: Folhapress

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Brasília

28/07/2022 12h24Atualizada em 01/08/2022 13h31

A carta em defesa da democracia lançada na última terça-feira (26) por juristas e pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) ultrapassou a marca de 600 mil assinaturas. Segundo o site que está fazendo a contagem, o total de apoios por volta das 13h30 desta segunda-feira era de 369.330 assinaturas.

Até agora, representantes de vários setores da sociedade civil já assinaram o documento, que recebeu o nome de "Carta pela Democracia". Entre os signatários do texto estão empresários, associações que reúnem bancos e porta-vozes do setor industrial, e algumas das maiores centrais sindicais do país, como a CUT (Central Única de Trabalhadores) e a Força Sindical.

No empresariado, a carta conta com o apoio de nomes como os de Luiza Trajano (Magazine Luiza), Fábio Barbosa (Natura), Pedro Moreira Salles (Itaú Unibanco), Eduardo Vassimon (Votorantim) e Walter Schalka (Suzano Papel e Celulose).

As 100 mil primeiras assinaturas foram atingidas em 24 horas após a publicação do manifesto, que é inspirado em uma Carta pela Democracia de 1977, na época um texto de repúdio ao regime militar redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles. Já a marca de meio milhão de signatários foi alcançada no sábado (30).

"A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: 'Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição'", diz um trecho da carta, que faz alusão à confiabilidade no sistema de urnas eletrônicas — alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O manifesto não cita o governo federal e nenhuma sigla que tenha representantes concorrendo nas eleições de 2022. Segundo o colunista Tales Faria, do UOL, os organizadores da campanha de Bolsonaro estariam alarmados com a repercussão do manifesto, já que nomes do empresariado constam entre os signatários do documento.

"Ela é um ponto de inflexão na campanha, pois mostrou que, se em 2018 a elite chegou a apoiar Bolsonaro, dessa vez não tem conversa. Ele agrediu a democracia e a elite brasileira largou o Bolsonaro", disse o jornalista durante participação no UOL News desta quinta-feira.

Bolsonaro postou manifesto curto após ironizar carta

Após fazer críticas ao manifesto, o Bolsonaro afirmou no final da noite de ontem, em publicação nas redes sociais, que é "a favor da democracia".

Em um breve texto, o mandatário escreveu o que seria uma carta assinada por ele com o título "Carta de manifesto em favor da democracia". O comunicado tem uma frase: "Por meio desta, manifesto que sou a favor da democracia".

Em sua tradicional transmissão ao vivo semanal, realizada ontem, Bolsonaro também criticou o documento em defesa da democracia e disse não entender qual era o "medo" dos signatários.

Na quarta-feira (17), o presidente afirmou que não precisa de nenhuma "cartinha" para expor respeito aos valores democráticos e que quer, "cada vez mais, cumprir e respeitar a Constituição". A apoiadores, Bolsonaro alegou que os signatários seriam empresas incomodadas com ações do governo, como a criação do Pix.

"Você pode ver esse negócio de carta aos brasileiros, democracia... Os banqueiros estão patrocinando. É o Pix, que eu dei na... Uma paulada neles... Os bancos digitais também, que nós facilitamos. Estamos acabando com o monopólio dos bancos. Eles estão perdendo poder. Carta pela democracia? Qual é a ameaça que eu estou oferecendo para a democracia?", disse o presidente a fãs e militantes que o aguardavam na saída do Palácio da Alvorada.

É possível assinar a carta após preencher um formulário feito pela Faculdade de Direito da USP, sendo necessário consentir com um termo para o tratamento de dados elaborado pelos organizadores.

Leia a íntegra da 'Carta pela Democracia'

Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito

Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular. A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: "Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição ".

Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.

Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!