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Moraes assume TSE sob desafio de apaziguar tensão com Bolsonaro e militares

O ministro Alexandre de Moraes, que assume hoje a presidência do TSE, durante evento na Corte - 19.mai.2022 - Abdias Pinheiro/TSE
O ministro Alexandre de Moraes, que assume hoje a presidência do TSE, durante evento na Corte Imagem: 19.mai.2022 - Abdias Pinheiro/TSE

Do UOL, em Brasília

16/08/2022 04h00

O ministro Alexandre de Moraes assume hoje (16) a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o órgão máximo responsável por organizar e realizar as eleições no país. Evento que por anos era visto como apenas simbólico, a posse marca um novo período no tribunal, que se prepara para as eleições mais conturbadas desde a redemocratização.

Em seu discurso de posse, é esperado que Moraes faça um pronunciamento em defesa das urnas e contra ataques ao sistema eleitoral. Na semana passada, o ministro já deu uma pista de sua posição na presidência do TSE ao dizer que "democratas não devem e não podem aceitar ataques covardes que pretendam corroer as bases da República".

Desde o início do ano, o tribunal está sob constante questionamento das Forças Armadas, que integram a Comissão de Transparência Eleitoral e é uma das entidades fiscalizadoras das eleições.

Tensão com militares. Na semana passada, o ministro Edson Fachin, em um de seus últimos atos à frente da Corte, retirou da comissão fiscalizadora das Forças Armadas o coronel Ricardo Sant'Anna, que divulgou informações falsas sobre as urnas em redes sociais.

O despacho, inclusive, foi assinado em conjunto com Moraes, que se tornou um consultor de Fachin à frente de medidas duras adotadas pelo tribunal.

A medida desagradou o Exército, que, em nota, disse que desistiria de enviar um substituto e que o coronel havia sido selecionado pela sua "inequívoca capacitação técnico-científica e de seu desempenho profissional".

As trocas de farpas entre militares e o TSE têm sido usado como combustível para Bolsonaro atacar o sistema eleitoral e, sem provas, questionar os resultados dos pleitos anteriores.

Os desafios à frente. Moraes ficará na presidência do TSE até junho de 2024. O desafio mais imediato de Moraes será pacificar as relações com os militares. Diferentemente de Fachin, Moraes possui mais interlocução com a caserna, ponto que tem sido visto como positivo por integrantes da Defesa para uma reaproximação. O atual titular da pasta, general Paulo Sérgio Nogueira, tem bom trâmite com Moraes desde a época em que estava no Comando do Exército.

Como mostrou a colunista Carla Araújo, do UOL, mesmo Nogueira, que endossa as críticas de Bolsonaro ao TSE, admite a interlocutores que possui uma boa relação com Moraes e que espera uma melhoria no diálogo com a Corte eleitoral.

Quem irá à posse? Antes um evento que passava batido na agenda das autoridades, a posse de Moraes tem uma lista de convidados de peso: os ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), adversários desde o impeachment, devem prestigiar a cerimônia, assim como o ex-presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas de intenção de voto das eleições deste ano.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) também disse a Moraes que iria à posse ao receber o convite do evento, na semana passada, no Palácio do Planalto. A presença no evento foi incluída na agenda oficial do presidente no início da noite de ontem.

Bolsonaro deverá ouvir o discurso ao lado de Moraes, segundo o planejamento inicial no TSE. Como representante de um dos 3 Poderes, Bolsonaro tem a prerrogativa de se sentar na mesa dos ministros no plenário. O presidente, porém, não tem previsão de discursar no evento.

Se comparecer, Bolsonaro terá seu primeiro encontro público com Lula e ficará de frente ao ex-presidente e seu principal adversário nas eleições. O petista deverá se sentar em um dos assentos reservados às autoridades no plenário do tribunal.

Forte apoio. Moraes convidou todos os ex-presidentes a irem à posse. Por motivos de saúde, Fernando Henrique Cardoso não deverá comparecer, mas mandará uma carta.

Ao todo, 21 governadores também estarão na cerimônia, além de ministros do STF, do Superior Tribunal de Justiça e das demais Cortes Superiores de Brasília.

Quando Rosa Weber tomou posse na presidência do TSE, em 2018, somente o ex-presidente José Sarney esteve no evento, que teve participação em peso de integrantes do Judiciário. Temer, que era presidente à época, não foi.

Entre os que confirmaram presença estão:

  • Os ex-presidentes José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer
  • O presidente da República Jair Bolsonaro
  • O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
  • O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
  • O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux
  • Os pré-candidatos à Presidência Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT)

A forte presença de autoridades na posse de Moraes é vista internamente como um gesto do apoio político ao ministro à frente das eleições e reflete o momento atual do TSE.

E a relação com Bolsonaro? A relação com o Planalto também deverá ser um dos principais desafios do ministro. Não é novidade que Moraes e Bolsonaro não se dão bem, e muito se deve aos ataques do presidente ao magistrado.

Em reunião com embaixadores no mês passado, o presidente disse que Moraes e seus antecessores no TSE, Roberto Barroso e Edson Fachin, estariam buscando "instabilidade" ao não aceitarem sugestões dos militares para o pleito.

Ainda em julho, ao lançar sua candidatura à reeleição, Bolsonaro chamou os ministros de "surdos da capa preta", em referência à toga usada pelos magistrados.

Em relação a Moraes especificamente, Bolsonaro apresentou um pedido de impeachment contra o ministro —a primeira iniciativa de um presidente da República para remover um magistrado do STF desde a redemocratização— e um pedido de investigação por abuso de autoridade. Ambos os processos foram arquivados.

No ato de 7 de setembro do ano passado, o presidente chamou Moraes de "canalha" e, apesar de ter recuado por um momento, manteve os ataques ao ministro desde então.

Tentativa de reaproximação. A tensão entre Moraes e Bolsonaro levou o ministro a descartar a ideia de entregar pessoalmente o convite da posse ao presidente.

Emissários do governo, como os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Paulo Guedes (Economia) e Fabio Faria (Comunicações), porém, entraram em campo e disseram que Bolsonaro gostaria de ir à cerimônia, como demonstração de respeito à Justiça Eleitoral, desde que recebesse o convite em mãos.

A sinalização levou Moraes e Ricardo Lewandowski, que assume a vice-presidência do TSE, a irem ao Planalto na semana passada para entregar o convite. Em uma conversa de 50 minutos, tanto Bolsonaro quanto Moraes tentaram apaziguar os ânimos. O clima do encontro teria sido ameno e o presidente entregou ao ministro uma camisa do Corinthians, com a promessa de comparecer à cerimônia.

De olho nos extremistas

Apesar do gesto, Moraes deve seguir monitorando ações de eventuais extremistas que queiram atentar contra as instituições e não descarta determinar novas ordens de prisão em casos alarmantes. Seu primeiro desafio neste sentido será durante os atos de 7 de Setembro.

O ministro mandou um recado aos extremistas ao mandar prender Ivan Rejane, militante bolsonarista que ameaçou "caçar" ministros do STF e lideranças de esquerda, como Lula.

A postura rígida tem sido adotada pelo ministro na condução dos inquéritos das fake news e das milícias digitais e deverá ser seguida à frente do TSE. Linha-dura, Moraes já mandou prender aliados do presidente e determinou a retirada de perfis em redes sociais de pessoas próximas ao Planalto.

Currículo político. Alexandre de Moraes, 53, foi indicado ao STF pelo então presidente Michel Temer (MDB) em 2017 após a morte do ministro Teori Zavaski. Na época, era ministro da Justiça do emedebista.

Ex-quadro do PSDB, Moraes foi secretário de Transportes de São Paulo (2007-2010) na gestão Gilberto Kassab e atuou em duas pastas no governo Geraldo Alckmin: Defesa da Cidadania (2002-2005) e Segurança Pública (2014-2015).

No Direito, Moraes fez carreira no Ministério Público de São Paulo, atuando como promotor entre 1991 a 2002. É doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da USP, instituição tradicional em que é professor associado. Moraes também leciona na Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde é professor titular pleno.