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Politização do caso Dantas abre guerra entre polícias Civil e Federal em AL

Gustavo Xavier, delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas - Divulgação/Polícia Civil de Alagoas
Gustavo Xavier, delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas Imagem: Divulgação/Polícia Civil de Alagoas

Colunista do UOL e do UOL, em Maceió e Brasília

17/10/2022 04h00Atualizada em 17/10/2022 14h13

O pedido de afastamento do governador Paulo Dantas (MDB) feito pela Polícia Federal abriu uma guerra de narrativas entre a corporação e Polícia Civil de Alagoas, que envolve a suspeita de uso político das instituições para atacar ou proteger o emedebista — anteontem o Superior Tribunal de Justiça decidiu mantê-lo afastado do cargo.

A ministra do STJ Laurita Vaz, que relatou o pedido de medidas contra o governador, cita na decisão que afastou Dantas que lhe causou "perplexidade" o "atrevimento" do delegado-geral da Polícia Civil alagoana, Gustavo Xavier, em ligar para os investigadores para "forçar uma 'nova oitiva'" de uma testemunha fundamental para elucidar o caso e que tinha denunciado Dantas.

"Não satisfeito com o insucesso de tentar que José Everton dos Santos Gomes fosse reinquirido pela autoridade Policial Federal, resolveu, ele próprio, fazer a inquirição, ocasião em que o depoente estranhamente desdisse suas declarações anteriores, em notório descompasso, repita-se, com todo o acervo potencialmente probatório da investigação", disse a ministra, em decisão.

Everton é um policial militar aposentado que, segundo o relatório da PF, foi detido com R$ 32 mil e com cartões de contas de servidores da Assembleia Legislativa em Arapiraca (AL).

Ele teria afirmado à PF, em depoimento, que o dinheiro seria referente a um esquema de desvio de verba do salário desses funcionários, que teria Dantas (deputado estadual entre 2019 e maio de 2022) como chefe. A fala dele é determinante para acusar Dantas.

No relatório enviado ao STJ, a PF disse que é "fato notório" que Xavier "goza de grande confiança" de Paulo Dantas, o que abriu a hipótese de uma tentativa de interferência nas investigações.

"A situação apresentada causou perplexidade por demonstrar possível uso da Polícia Civil de Alagoas na defesa de interesses escusos, gerando suspeitas quanto ao comprometimento da instituição em relação ao atual mandatário do governo de Alagoas", disse a PF.

Apesar de não mirar especificamente o delegado, Laurita deixou a porta aberta para a PF apurar o caso, afirmando que o episódio "merecerá oportuna apuração".

Em resposta, Paulo Dantas e o senador Renan Calheiros (MDB-AL) alegam que a PF de Alagoas sofre com influência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e que a operação foi feita para prejudicar a campanha do governador.

Em entrevista ao UOL News na quinta-feira, Lira negou que tenha ingerência e disse que nem sequer conhece a nova superintendente da PF em Alagoas, Juliana de Sá Pereira, que tomou posse em agosto.

Delegado nega e se diz surpreso

Em entrevista ao UOL, Xavier negou que tenha sido feita qualquer tentativa de interferência. O delegado da Polícia Civil relata que foi procurado, em 19 de agosto, por um advogado que disse que o cliente José Everton dos Santos queria prestar um depoimento complementar ao caso.

"Eu não sabia do que se tratava. Assim que tive conhecimento que havia uma provável investigação na PF em andamento, entrei em contato com a superintendente da PF, mas não consegui. Falei então com a adjunta [a delegada Mariana Cavalcanti, à época delegada regional executiva da PF em Alagoas, substituta da Superintendente Regional] e expliquei que havia duas pessoas na sede da Polícia Civil", disse.

Xavier mostrou à reportagem prints da conversa que afirma ter tido pelo WhatsApp, no mesmo dia 19 de agosto, com Mariana Cavalcanti. Ele disse que avisou à delegada que Everton já tinha sido conduzido para a PF, mas que teriam ido prestar um depoimento na Polícia Civil.

"Perguntei então a ela se [eles da PF] queriam vir para cá falar com ele; disse que tinha sala à disposição, computador, tudo. Ela então passou o contato funcional dela, e o advogado ligou. Eu não presenciei, mas ele [o advogado] voltou e disse que ficaria para ser ouvido lá [na sede da PC]", diz.

Xavier afirmou que chegou a falar para Mariana que a Polícia Civil poderia colher, mas que isso poderia acarretar problemas à investigação. "Eu disse que ele poderia estar querendo gerar uma nulidade ou qualquer outra situação; que, se ela quisesse, mandasse um delegado para acompanhar", afirma.

"Como não mandaram ninguém, e o advogado estava requerendo a oitiva, eu tomei o depoimento e encaminhei por email. Está tudo registrado. Nunca o governador entrou em contato ou pediu algo. Foi eles [Everton e advogado] que chegaram à sede da Polícia Civil. Eu jamais imaginaria algo dessa natureza", diz.

Xavier foi defendido pelas duas associações de delegados de Alagoas — para as entidades, houve "insinuações levianas e inverídicas."

"É preciso esclarecer que, ao contrário do que se quis demonstrar, o delegado Gustavo Xavier cumpriu com seus deveres funcionais quando foi procurado pelo investigado José Everton e seu advogado para prestar depoimento na sede Polícia Civil", diz a nota da Associação dos Delegados de Polícia Civil de Alagoas e do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil de Alagoas.

O UOL procurou a PF, que não se pronunciou sobre as declarações de Xavier. Em nota, a regional de Alagoas da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal manifestou "apoio irrestrito" aos trabalhos da PF na Operação Edema.

"Vale ressaltar que o inquérito policial federal está sendo acompanhado pela Procuradoria Geral da República e examinado minuciosamente pelo Superior Tribunal de Justiça, que decidiu pela legalidade desta investigação, confirmando todas as medidas cautelares já deferidas, com o referendo de dez Ministros da Corte Especial", disse a entidade.

"A Associação repudia veementemente os ataques injustamente sofridos pelos seus associados e aproveita a oportunidade para reiterar a disposição em manter, de forma republicana, os necessários laços institucionais com todas as forças policiais do Estado de Alagoas, inclusive as suas respectivas entidades de classe representativas, respeitando-se as esferas de atribuição de cada uma", prosseguiu.

Fui pego de surpresa, porque quando eu falei com ela [Mariana], tentei ser cordial e mostrar um problema que estava havendo; eu alertei da possível nulidade. Graças a Deus. eu tinha a conversa salva. Para mim, ela é esclarecedora: eu quis ajudar a PF, mantive contato"
Gustavo Xavier, delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas

Nesta sexta-feira, o Sindicato dos Policiais Civis de Alagoas pediu por meio de um ofício que o Ministério Público de Alagoas investigue a suposta influência política na instituição.

Bate-boca

Durante a sessão no STJ que referendou a decisão da magistrada Laurita, o ministro João Otávio de Noronha criticou a alegação de suposta interferência do delegado da Polícia Civil. Para ele, Xavier não tem "efetivo potencial" de interferir nas apurações. O ministro foi um dos dois votos no STJ para derrubar o afastamento de Dantas -_ o placar final foi de 10 a 2 contra o governador.

"O fato de ele ter sido nomeada pelo governador não traz, por si só, presunção que ele agiu em nome do governador. Pode ter agido por si mesmo. Até porque não há nenhuma narrativa da PF no inquérito ou no voto da relatora de que o governador teria mandado ele agir", disse o ministro.

Laurita retrucou na sequência e disse que seria preciso ter "ingenuidade" para acreditar que Xavier agiu de livre e espontânea vontade.

"É no mínimo ingenuidade achar que o chefe da Polícia Civil agiu por conta própria. A troco de que que ele iria agir? O inquérito precisa prosseguir para esclarecer esses fatos gravíssimos. Preciso lembrar que integrar, liderar organização criminosa é crime permanente", disse a ministra.

Em tréplica, Noronha retrucou afirmando que, se fosse seguir a hipótese da PF, todos os nomeados para cargos de confiança do governo Dantas deveriam ser afastados.

"Se ele está interferindo no inquérito, deveria estar afastado. Não é ingenuidade nenhuma supor que o delegado tenha agido por conta própria para agradar o chefe, sem o mando do chefe. O que não tem é um indicativo que o chefe mandou. Vossa Excelência confirma: está se deduzindo que ele agiu a mando do chefe. Não é o caso. Não é o caso", disse o ministro.