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Iphan tinha monarquista, pastor e influencer na chefia, diz novo presidente

Do UOL, em Brasília

13/01/2023 04h00Atualizada em 13/01/2023 12h09

O presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Leandro Grass (PV), afirmou que os cargos de chefia do órgão durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foram ocupados por pastores, monarquistas e influencers sem qualquer perfil técnico.

Diante disso, ele pediu a exoneração de 22 dos 27 superintendentes do órgão.

Em entrevista ao UOL, Grass disse que assume a pasta com o desafio de reestruturar os postos estratégicos do instituto, em meio à força-tarefa para reformar e reconstruir os estragos patrimoniais e imateriais causados pelos vândalos dos atos golpistas praticados no domingo (8), em Brasília.

Entre as prioridades, estão um plano de carreira para os servidores, a elaboração de um memorial para que os brasileiros revisitem o episódio de terrorismo feito por apoiadores de Bolsonaro e ações conjuntas com outras pastas para fortalecer as políticas patrimoniais.

Leia a entrevista completa:

Quais foram os principais estragos identificados até esse momento após os atos de domingo?

Um conjunto muito grande de danos às edificações, vidraças, vitrais quebrados, painéis, estruturas físicas, obras de arte. Há danos nas edificações e nas obras e bens artísticos. Posteriormente à análise desse relatório, o Ministério da Cultura vai iniciar uma comissão, liderada pela ministra Margareth Menezes, junto com outras secretarias e ministérios.

Tiveram danos permanentes? Algo que não dá para ser recuperado?

Em termos de obras e arte, teve muita coisa. Há vasos que se destruíram, e não tem como. Do ponto de vista de edificação, ainda precisamos de um relatório técnico.

Há prazos para a reconstrução?

O mais rápido possível. A complexidade dessa intervenção, dessa reconstrução, é que vai determinar o tempo. Vamos ver quais são as tecnologias a serem aplicadas e o tipo dos materiais.

Como o senhor encontrou o Iphan pós governo de Jair Bolsonaro?

A maior parte das pessoas sem nenhum perfil técnico, nenhum currículo ligado à área da cultura, patrimônio, ou áreas afins, ou até mesmo à gestão que fosse. Isso já nos levou a produzir uma lista, que já foi encaminhada à ministra, para que se faça as exonerações o quanto antes para que nomes técnicos assumam até que a gente defina as superintendências também com perfil técnico, obviamente, mas compondo conforme a realidade de cada estado. As pessoas que têm liderança institucional para fazer todo o trabalho que vai ser feito.

Qual era o perfil dessas pessoas?

Influencers, monarquistas, pastores sem formação e sem currículo. Isso compromete o trabalho das superintendências.

Como o senhor avalia a postura do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, no dia 8 de janeiro?

O que o governador fez ou deixou de fazer vai ser agora analisado pela Justiça. Vai haver uma investigação. No caso da CPI ou de um eventual pedido de impeachment, é a cargo do Legislativo. É tarefa dos deputados distritais olhar com muito cuidado, se houve crime de responsabilidade. A Câmara tem competência para fazer uma boa investigação.

Houve omissão por parte dele?

Não posso julgar ou condenar o governador. Mas é nítido que aquilo não aconteceu sob a percepção de quem deveria estar atento. Houve omissão. Quem se omitiu? Onde houve a falha no comando e na orientação? Como o nosso patrimônio ficou tão vulnerável? É tarefa da segurança pública do DF preservá-los. Houve falha, então é importante encontrar os responsáveis. Até para que a polícia não seja vista como a vilã neste processo.

Como o senhor avaliou a indicação, à época, de Anderson Torres para a Segurança Pública no DF?

Sempre vi com preocupação. Primeiro pelo alinhamento ideológico com o governo Bolsonaro, mas também por sua postura diante dessa tragédia anunciada. Dias antes do que ocorreu, eles estavam no QG, e os ônibus chegaram perto da sede do GDF (governo do Distrito Federal) e não houve intervenção. Isso foi anunciado, vários vídeos dos terroristas anunciados. Não é possível que a inteligência não estivesse atenta.

O senhor acredita que o PV foi contemplado de acordo com o apoio que deu à candidatura do presidente Lula?

O PV não é um partido apenas da base, mas da federação. A participação do PV no governo é óbvio que representa uma decisão do presidente, mas temos seis deputados federais e estamos em uma frente ampla. É compreensível que o presidente tenha que fazer concessões para garantir a governabilidade, e apoiamos isso. O PV está discutindo sua participação em espaços do segundo escalão. Minha indicação ao Iphan foi chancelada pelo PV, também pela minha formação, mas pedimos também outras indicações e estamos aguardando.

Quais vão ser as prioridades à frente da pasta?

Vamos dar bastante atenção à cultura imaterial, principalmente pelo o que ocorreu nos últimos quatro anos, o ataque a quilombolas, indígenas. Queremos iniciar novos processos de reconhecimento dessas culturas populares. Outra questão é política de memória. Não temos uma adequada sobre escravidão, por exemplo, ditadura. E inclusive sobre esse terror que aconteceu no domingo. Vamos fazer uma forte política de memória dentro do Iphan.

O que é isso exatamente?

Temos pontos que fizeram partes trágicas da história brasileira que precisam ser visitados não para celebrar, mas para que as pessoas entendam o que aconteceu e se eduquem. Como o centro de memória nazista na Alemanha. Não é um espaço para celebrar, mas para entender o que foi. Para que não se repita. O Brasil não tratou seus traumas, não tratou suas dores históricas. Essa correção também é importante.

Isso é sobre a criação de um memorial, como a ministra Margareth falou?

É um exemplo. O que a ministra falou se insere nessa política. Ela vai liderar isso, tenho certeza de que vai ficar fantástico. A Janja e o presidente são superapoiadores. Ter um espaço --e ainda não sabemos exatamente como vai ser ainda, memória fotográfica, audiovisual, objetos que não foi possível serem restaurados--, mas vai ser um local de contemplação dessa tragédia, para vermos de novo aquilo e entendermos o futuro.

Quais são os planos sobre o Museu da Bíblia?

Na verdade, não é um projeto do Iphan, é do DF, em uma área que está inclusive prevista para o Museu da Bíblia. Agora vamos abrir canal de diálogo junto à Secretaria de Cultura, junto ao Ministério da Cultura, junto com a ministra Margareth Menezes. Avaliar se realmente é esse o encaminhamento adequado, se não é possível usar o espaço. Mas não vamos desrespeitar a autonomia do DF para encaminhar seus investimentos em cultura. Podemos propor, sugerir, incentivar, mas não podemos impor.

O senhor já recebeu algum raio-X sobre projetos que deveriam ter sido tocados que não foram?

Ainda estou me apropriando disso, mas até onde constatei não houve interrupção, não há comprometimento de obras. Se identificarmos, naturalmente, vamos encaminhar para que não haja paralisação definitivamente. Sobre as agendas, a educação patrimonial está muito fragilizada. Sempre foi um carro chefe do Iphan, sempre foi um ponto crucial, e hoje o que sobrou são alguns projetos que servidores assumiram e estão tocando. Nossa intenção é estabelecer um plano nacional de educação patrimonial, inter-setorial junto com Ministério da Educação, Cultura, Meio Ambiente, envolvendo secretarias de Estado, municipais. Isso que aconteceu em Brasília é reflexo da falta de educação patrimonial, da ignorância sobre o que significa aquele conjunto arquitetônico.

O senhor tem alguma agenda programática com o Ministério do Turismo?

Sim. Instituir o Sistema Nacional de Patrimônio é uma das nossas prioridades. Existe um Projeto de Lei que está no Congresso, vamos revisitar a proposta original e, com participação social, queremos formatar esse novo sistema.