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Salles se exime de crise yanomami e diz que falar em genocídio é 'exagero'

Do UOL, em São Paulo

09/02/2023 10h49Atualizada em 09/02/2023 14h24

No UOL Entrevista, o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) disse que o problema dos indígenas Yanomami é "muito antigo" e que a responsabilidade pela crise humanitária é da "sociedade".

Salles foi ministro do Meio Ambiente do governo Jair Bolsonaro até ser exonerado em junho de 2021 por suspeitas de facilitar a exportação ilegal de madeira do Brasil aos EUA e à Europa.

"O problema dos Yanomami é muito antigo, o território tem muita influência do tráfico de drogas, a fronteira é difícil. Há muitas décadas a região sofre com uma série de fragilidades que resultaram nessa situação muito triste", afirmou Salles.

Ele também minimizou a responsabilidade do governo Bolsonaro sobre a crise humanitária na Terra Yanomami. Salles negou que tenha facilitado o garimpo ilegal na região durante seu período como ministro.

A responsabilidade sobre aquela situação é conjunta de toda sociedade brasileira. A sociedade ignora a situação de indígenas e não encontra solução intermediária.
Ricardo Salles participa do UOL Entrevista

Para Salles, a palavra genocídio para se referir à situação dos Yanomami é "um pouco exagerada".

Há problemas graves na região, mas a definição jurídica não me parece a mais adequada.

Salles acrescentou que um "percentual de Yanomami são fugitivos da Venezuela". No entanto, reportagem do UOL Confere mostrou que indígenas em estado de desnutrição são brasileiros apesar de posts que tentam dissociar do governo Bolsonaro as imagens da tragédia.

'Não tenho receio de ser punido'

O deputado diz que não tem receio de ser punido por sua atuação no Ministério do Meio Ambiente. Sob o comando de Ricardo Salles, por exemplo, a pasta enfraqueceu as regras de preservação ambiental e viu a taxa de desmatamento da Amazônia brasileira crescer.

Não tenho receio. Fiz tudo que estava ao meu alcance, nossos órgãos atuaram sempre que foram solicitados, as operações de combate às ilegalidades continuaram existindo, nenhuma operação foi proibida ou interrompida.

Salvo questões de criação de matérias para fazer impacto, não vejo sob mim nenhuma responsabilidade sobre essas ações que estão sendo ajuizadas.

'Infelizmente não consegui passar a boiada; Brasil estaria melhor'

Salles foi questionado sobre a frase dita na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, em que ele defendeu que o governo aproveitasse a crise sanitária causada pela covid-19 para "passar a boiada".

No UOL Entrevista, o deputado disse que sua frase foi tirada de contexto e que se referia a questão da burocracia no Brasil.

Infelizmente não [consegui passar a boiada] porque o Brasil padece de um grande arcabouço burocrático irracional. Se tivéssemos condições de desburocratizar o país, o Brasil estaria muito melhor.

"Não tem nada a ver com a situação da Amazônia", afirmou Salles.

O UOL Entrevista de hoje foi apresentado por Fabíola Cidral e contou com as participações dos colunistas Tales Faria e Juliana Dal Piva.

Governo Bolsonaro e os Yanomami

A situação dos Yanomami de Roraima, que foi agravada pela pandemia, não deixou de ser denunciada ao longo do governo Bolsonaro. Relembre fatos e ações do governo sobre o caso:

  • "Vamos expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil". Esta e outras declarações de Bolsonaro contra os médicos cubanos levaram o governo de Cuba a encerrar a parceria com o Mais Médicos após as eleições presidenciais de 2018, antes que ele assumisse o cargo. A saída dos médicos cubanos do programa trouxe consequências diretas à assistência à saúde do povo Yanomami. O DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami registrou o maior número de mortes de bebês já em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro (leia aqui);

  • Em junho de 2020, o governo Bolsonaro enviou uma comitiva de militares para a TI Yanomami com apoio do Ministério da Saúde. O Exército distribuiu medicamentos do "kit covid" para as aldeias da região, com cloroquina e azitromicina (veja aqui). Esposas de militares maquiaram indígenas Yanomami, causando aglomeração (veja as fotos aqui);

  • Em julho de 2020, Bolsonaro vetou em projeto de lei a obrigação do governo de fornecer água potável, leitos de UTI e itens de higiene a indígenas como forma de combate à pandemia de covid-19 nas aldeias. O veto foi derrubado pelo Congresso.

  • Ainda em 2020, representantes dos povos indígenas entraram com uma ação no STF para obrigar o governo federal a adotar medidas de combate à pandemia nas aldeias (ADPF 709). Entre os pedidos estava a retirada de garimpeiros da TI Yanomami;

  • Dados de 2020 indicaram que os casos de malária quadruplicaram em 2019 na TI Yanomami, na comparação com números de 2014. A doença está relacionada ao garimpo ilegal;

  • Em 2021, matéria da Repórter Brasil denunciou que a lotação de militares sem capacitação específica nos distritos de saúde indígena deixava as populações desassistidas (leia aqui). A reportagem denunciou casos de coordenador armado intimidando indígenas, de remoções de barreiras sanitárias nas aldeias e de desvio de verbas para o combate à pandemia;

  • Bolsonaro visitou a TI Yanomami em 2021, sem máscara. Ele chegou a dizer que respeitaria a vontade dos indígenas se não quisessem garimpo na região, mas seu governo autorizou duas lavras para exploração próximas à terra indígena (leia aqui), uma delas em 2022;

  • Em abril do ano passado, o MPF encaminhou ao STF uma petição reiterando o pedido para retirada de invasores da TI Yanomami. O documento apontava o descumprimento da medida cautelar determinada pela Corte no ano anterior e relatava agravamento da situação.

  • Na Câmara, em julho do ano passado, entidades da sociedade civil denunciaram a tragédia humanitária que assola o povo yanomami: garimpo ilegal, violência sexual contra mulheres e crianças, ameaças de mortes e desestruturação dos postos de saúde. A desnutrição infantil também foi relatada.

Bolsonaro chegou a ser denunciado por uma entidade indígena (Apib) ao tribunal de Haia pelo crime de genocídio (relembre).

Ações da gestão Lula

O governo Lula (PT) iniciou esta semana uma megaoperação de retirada de garimpeiros ilegais na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Um decreto do petista também autoriza a Aeronáutica a controlar o espaço aéreo na região.

A gestão petista avalia que existam ao menos 15 mil garimpeiros ilegais no local, mas o número pode chegar a 40 mil.

Diante da crise e com o objetivo de prevenir e reduzir a transmissão de doenças, o decreto prevê também que o acesso de pessoas ao território ocorrerá a partir de ato conjunto editado pelos Ministérios da Saúde e dos Povos Indígenas.

Lula autorizou a abertura ou a reabertura de postos de apoio da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e de unidades básicas de saúde do Ministério da Saúde.

Também autorizou ministérios a requisitarem bens, servidores e serviços necessários para:

  • abastecimento de água potável;
  • fornecimento de alimentos relacionados à cultura indígena;
  • fornecimento de vestuário e calçados.

Veja a íntegra da entrevista de Ricardo Salles

Errata: este conteúdo foi atualizado
O texto se referia aos indígenas como "yanomamis", enquanto o correto é "os Yanomami", visto que o nome da tribo é próprio. Foi corrigido.