Em 4 meses, MPF só fez duas denúncias por bloqueios de estradas pós-eleição
Iniciada horas depois do segundo turno das eleições, em outubro passado, a onda de bloqueios em rodovias pelo país resultou em poucas punições na Justiça até o momento. Quatro meses após os atos, um levantamento do UOL aponta que o Ministério Público Federal fez apenas duas denúncias criminais contra os responsáveis pelas interdições.
Juristas consultados pela reportagem avaliam que as paralisações, apesar de ilegais, não foram necessariamente criminosas. O crime, segundo eles, só ocorreria em situações específicas, como o uso de violência no bloqueio. Mas alguns episódios desse tipo, que envolveram tiroteios e incêndio de veículos, ainda não foram alvo de denúncia.
No dia 11 de novembro, quando os bloqueios já vinham em declínio, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) informou ao STF (Supremo Tribunal Federal) ter aplicado mais de 7.300 multas. Os participantes, nesse caso, responderam por infrações de trânsito, como estacionar no acostamento ou interromper a circulação da via.
Àquela altura, o MPF já havia pedido à PRF que identificasse os manifestantes e aberto inquéritos em vários estados. Procuradores avaliaram que os fechamentos de estradas poderiam configurar pelo menos três crimes — os dois últimos foram tipificados em 2021, em substituição à antiga Lei de Segurança Nacional:
- incitação pública de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes constituídos (art. 286 do Código Penal)
- abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal)
- golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal)
Criminalistas apontam, porém, que esses crimes não se aplicariam a todos os manifestantes. Para que se caracterize abolição violenta do Estado Democrático de Direito, por exemplo, é preciso que tenha havido uso da força na interdição das vias, segundo os especialistas.
Para a advogada Raquel Scalcon, professora da FGV-Direito, esses crimes só ficarim evidenciados em caso de violência ou grave ameaça, o que ela não considera ter ocorrido na maioria dos protestos.
É preciso ter cuidado nessas avaliações, porque se estará construindo parâmetros para aplicação futura. Se não tomarmos cuidado, outros protestos muito mais válidos e constitucionais sofrerão o risco de serem criminalizados. É uma faca de dois gumes"
Raquel Scalcon, criminalista e professora da FGV-Direito
Segundo levantou o UOL, as duas acusações feitas pelo MPF até o momento foram em Mato Grosso do Sul e em Rondônia:
- Mato Grosso do Sul: um homem foi denunciado por incendiar pneus e um veículo na BR-163 em Dourados, na região sul do estado, no dia 18 de novembro, quando os bloqueios de estrada já eram esporádicos.
- Rondônia: a acusação foi contra um homem que expulsou passageiros de um ônibus, tentou atear fogo ao veículo e trocou tiros com policiais militares na BR-364 em Jaru, região central do estado. O crime ocorreu em 12 de dezembro, dia da diplomação do presidente Lula no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Outros atos violentos, todavia, ainda não resultaram em ações penais. Eles ocorreram em estados onde o ex-presidente Jair Bolsonaro teve votação expressiva, e que estão entre os que mais tiveram protestos contra o resultado eleitoral:
- Mato Grosso: no dia 19 de novembro, homens encapuzados atiraram contra a sede da concessionária da BR-163 entre Nova Mutum e Lucas do Rio Verde. No dia seguinte, um caminhão foi incendiado na mesma rodovia, na altura de Sinop. À época, a PRF viu relação entre estes atos e os bloqueios contrários ao resultado das urnas, mas não houve denúncias criminais por enquanto.
- Santa Catarina: um homem de 33 anos chegou a ser preso por tentativa de homicídio após atacar um agente da PRF com uma barra de ferro durante uma paralisação da BR-470 em Rio do Sul, na região central do estado. Ele ainda não foi denunciado pelo crime, segundo apurou o UOL.
- Pará: seis homens chegaram a ser presos por trocarem tiros e lançarem objetos contra agentes da PRF que tentavam desbloquear um trecho da BR-163 em Novo Progresso, no sul do estado. Eles acabaram soltos dias depois e, por enquanto, não foram alvo de acusação.
A reportagem questionou o MPF em Mato Grosso, Santa Catarina e Pará sobre o andamento das investigações. Nenhuma das procuradorias deu resposta até a publicação deste texto. Outras unidades do MPF, também consultadas, afirmam que há inquéritos em andamento, mas eles não podem ser detalhados devido ao sigilo.
Já a PGR (Procuradoria-Geral da República) preferiu não se manifestar. A justificativa é que as investigações sobre os bloqueios correm em primeira instância e, portanto, estão fora da alçada do órgão, que já denunciou 937 pessoas pela invasão aos prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro.
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