Governo Lula pede para acelerar lei que dá mais poder a comando das PMs

O Ministério da Justiça e Segurança Pública pediu prioridade do Congresso para o projeto da Lei Orgânica das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, que reorganiza normas para todo o país. O texto em discussão dá mais poder aos chefes das PMs, mas é criticado por especialistas.

O que propõe a lei

As PMs são órgãos de responsabilidade do governo de cada estado. A proposta da Lei Orgânica, que tramita no Congresso desde 2001, visa criar uma legislação nacional atualizada de normas, efetivos e procedimentos gerais para todas as polícias militares do país.

A legislação existente com essas orientações nacionais às PMs é de um antigo decreto de 1969, assinado pelo então presidente da ditadura militar, Artur da Costa e Silva.

Na última semana, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, encaminhou ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com um pedido de atenção às propostas que são "prioridade" para o ministério. A Lei Orgânica é uma delas.

O texto foi aprovado na Comissão de Segurança do Senado e, atualmente, está na Comissão de Constituição e Justiça, aguardando o início dos debates. O relator é o senador Fabiano Contarato (PT), que era delegado da Polícia Civil. Ele foi procurado pela reportagem, mas não respondeu.

O governo tem uma atenção especial a esse tema para dar um aceno importante a uma classe que é crítica ao presidente Lula.

Portugal aprovou leis orgânicas para a polícia e guarda nacional em 2007. Uma reforma semelhante está em debate no Chile.

Qual o problema?

Especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL dizem que a lei foi pouco debatida. Segundo eles, da forma como está, reforça a estrutura vigente das polícias, abre margem para diferentes interpretações e pode empoderar as polícias militares.

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Eles criticam a pouca atenção a temas como o controle da letalidade. No ano passado, as polícias brasileiras (civis e militares) mataram 18 pessoas por dia. Houve uma média semelhante de mortes em 2021.

Um dos pontos controversos da Lei Orgânica é a possibilidade de fortalecimento dos comandantes das PMs. No artigo 29 da lei, o texto abre interpretação para que os comandantes-gerais respondam diretamente ao governador sobre a administração da instituição, enfraquecendo a função do secretário da Segurança Pública.

Comandantes-gerais das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares dos estados, do Distrito Federal e dos Territórios serão nomeados por ato do governador entre os oficiais da ativa do último posto do quadro a que se refere o inciso I do caput do art. 15 desta Lei, e serão responsáveis, no âmbito da administração direta, perante os governadores das respectivas unidades federativas e Territórios, pela administração e emprego da instituição.
Artigo 29 do PL da Lei Orgânica

Ainda segundo os técnicos, o texto também decide sobre a forma da nomeação do comandante, um critério que tira dos estados a possibilidade de ter outro método de escolha que não uma decisão unilateral do governador.

Outro trecho do PL (parágrafo 6º do artigo 15) estabelece um piso de 20% das vagas de concursos públicos para mulheres. Mas, para os especialistas, a redação do texto abre margem para que o mínimo para mulheres vire um teto. Dessa forma, os estados separariam 20% das vagas para mulheres e 80% para os homens. Na área da saúde, por exemplo, mulheres podem concorrer à totalidade das vagas.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública levantou outros pontos questionáveis que reforçam o vínculo das polícias militares com as Forças Armadas. Há possibilidade desses e outros pontos serem revistos durante a tramitação do texto no Senado.

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As críticas dos especialistas

A necessidade de uma Lei Orgânica nova é inquestionável, mas impressiona como o PL atual é uma espécie de colcha de jabutis, na qual vários interesses particulares são costurados num texto que tende a atrasar a modernização das PMs e dos Corpos de Bombeiros Militares em décadas.
Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

O texto não espelha o momento do país, não traz medidas voltadas para construção de um pacto democrático de uso da força, baseado em conceitos que superem nosso passado autoritário e marcado pelo racismo institucional. O país enfrenta um problema crônico relacionado à violência institucional, refletido pela alta letalidade (racializada, inclusive) e alta mortalidade de policiais. Esse tema deve estar no centro do debate e deve envolver toda a sociedade.
Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas Direitos Humanos

Entedemos que saíram muitos pontos ruins, mas o projeto de lei que está em curso não faz reformas estruturantes, não desmilitariza a PM. O PL como está reflete bastante a visão corporativista e acaba perdendo a oportunidade de fazer um debate mais qualificado sobre qual é a polícia e o ofício policial que queremos.
Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz

As PMs passam a se consolidar como as mais poderosas instituições públicas depois do Exército. Seus comandantes ganham realce correspondente. Os coronéis das PMs estão recebendo capacitação estratégica de qualidade e se tornando agentes relevantes. Isso cria um problema: os governadores terão que se preparar para a gestão dessas instituições, não bastando mais escalar pessoas para fazer esse serviço como secretários da Segurança Pública.
José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PMSP e ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo FHC

Ministério diz que Congresso é autônomo

O Ministério da Justiça mantém permanente diálogo, apresentando opiniões às Casas Parlamentares, mas estas são autônomas nas suas deliberações. O Poder Executivo somente participa diretamente do processo legislativo na análise de sanção ou veto. Informações sobre tramitação e sobre mérito devem ser demandadas dos parlamentares que estão analisando o assunto.
Ministério da Justiça e Segurança Pública, em nota à reportagem

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