CPI do 8/1: Senadora escondeu acusações contra generais para evitar pressão

A lista de pedidos de indiciamento da CPI dos atos golpistas inclui oito generais e um almirante, posições no topo da hierarquia militar. Preocupada com possíveis pressões por acusar integrantes da cúpula das Forças Armadas, a relatora da comissão, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), escondeu o relatório.

O que aconteceu

Somente a senadora e um consultor legislativo tinham acesso ao texto. Os demais assessores e os agentes da Polícia Federal se limitavam a atender a pedidos da relatora, mas não acessavam o documento.

Também houve cuidado para afastar rascunhos dos líderes de governo, da oposição, dos partidos e dos ministros do Planalto. A blindagem durou até a manhã de ontem (17), quando o texto foi apresentado.

O documento vai à votação hoje e deve ser aprovado pela maioria dos integrantes da CPI.

A principal preocupação de Eliziane era evitar as pressões que ela sabia que viriam caso a lista de generais acusados chegasse ao conhecimento de outros agentes políticos.

A relatora pediu indiciamento de um ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e um ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier. Ambos ocuparam os cargos durante a gestão Bolsonaro.

Metade dos acusados pela CPI dos atos golpistas é de militares: são 31 fardados em um total de 61 pessoas.

O general poupado

O general Gustavo Henrique Dutra comandava a área em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, de onde partiram os invasores das sedes dos três Poderes. Ele deu um depoimento cheio de contradições e amenizou o papel dos acampados na tentativa de golpe.

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Mesmo assim, o militar foi excluído da lista de pedidos de indiciamento. A ausência causou estranheza a pessoas próximas às investigações da CPI.

Apuração do UOL apontou que a relatora chegou à conclusão de que o general Dutra se recusou patrocinar um golpe.

Ele era comandante militar do Planalto, tinha tropas e armas e se negou a entregar tudo isso ao golpismo. A atitude ajudou a murchar a proposta de não deixar Lula tomar posse.

Os comportamentos suspeitos do general seriam explicados por um corporativismo de farda. Dutra seria assediado por oficiais reformados que pregavam o uso da Força para manter Bolsonaro no poder.

O general escolheu "matar no peito", para usar a expressão de uma fonte. Ele arcou com o desgaste de não entregar os companheiros de farda que um dia foram seus veteranos no Exército.

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Os generais acusados

A decisão pedir indiciamento de oito generais e um almirante ocorreu porque Eliziane entendeu que, de alguma maneira, eles colaboraram para o 8 de janeiro. A conclusão obedeceu a elementos apurados pela CPI.

Mas a tarefa de separar golpistas de democratas contou com apoio de um senador. Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) é líder do governo no Congresso Nacional. Eliziane não conversava com o Planalto e o Ministério da Defesa.

Coube a Randolfe saber os rumos que a CPI estava tomando e consultar os comandos de Exército, Marinha, Aeronáutica para descobrir a índole de cada investigado.

Este mecanismo serviu para a relatora confirmar as suspeitas e pedir o indiciamento dos oito generais.

Governistas veem coragem

A deputado Jandira Feghali (PCdoB-RJ) considerou um ato de muita coragem a acusação dos generais e do almirante. Ela justificou que sempre é complicado apontar culpa a militares.

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Mas, no entendimento da parlamentar, os indícios tornaram impossível não pedir o indiciamento de parte da cúpula das Forças Armadas.

O senador Marcos Rogério (PL-RO) classificou como "exagero" o pedido de indiciamento de oito generais. Ele considera que não há elementos para acusar pessoas como o general Luiz Eduardo Ramos, que foi ministro de Bolsonaro.

O parlamentar afirmou que não houve nenhum indício de participação de Ramos em atividades golpistas. A situação muda com nomes como o general Ridauto Fernandes, que estava nas invasões.

Os generais indiciados

General Marco Antônio Freire Gomes: estava à frente do Exército e permitiu que manifestantes acampassem na frente de quartéis segurando faixas sobre intervenção militar.

General Augusto Heleno: chefe do GSI no governo Bolsonaro. Ele prestou depoimento e xingou a relatora da CPI.

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General Walter Braga Netto: candidato a vice na chapa de Bolsonaro. O militar deu declarações dando esperança para apoiadores do ex-presidente de que Lula não tomaria posse.

General Luiz Eduardo Ramos: ministro da Secretaria-Geral da Presidência durante a gestão Bolsonaro. Ele era um dos militares mais próximos e leais ao ex-presidente.

General Paulo Sérgio Nogueira: ministro da Defesa que teria se reunido com um hacker para tratar da invasão falsa das urnas eletrônicas. Ele também não colocou freio em manifestações golpistas dentro das Forças Armadas.

General Carlos José Russo Assumpção Penteado: membro do GSI; sua atuação teria permitido que os manifestantes golpistas entrassem no Palácio do Planalto.

General Ridauto Fernandes: alvo de operação da Polícia Federal por invadir as sedes dos Três Poderes e ajudar que outras pessoas fizessem o mesmo.

General Carlos Feitosa: integrante do GSI que teria falhado em prever as invasões. Ele escolheu categoria laranja de segurança para 8 de janeiro, o que limita o emprego de homens em ação.

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