Investigação traz elo que faltava para ligar cúpula de Bolsonaro a golpismo
A investigação da Polícia Federal que culminou na operação desta quinta-feira (8) traz o elo que faltava para ligar os manifestantes bolsonaristas que pediam intervenção militar, inclusive em frente a quartéis do Exército, com o comando desses atos. As provas colhidas pela PF desmentem o discurso adotado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados de que os atos golpistas sempre foram manifestações espontâneas, fruto de "liberdade de expressão".
Em nota, advogados do ex-presidente declararam "indignação" e "inconformismo" com as medidas cautelares deflagradas hoje. Eles classificaram a apreensão do passaporte de Bolsonaro como "absolutamente desnecessária" e alegaram que o ex-presidente não compactuou "com qualquer movimento que visasse a desconstrução do Estado Democrático de Direito ou as instituições que o pavimentam".
O que aconteceu
Operação Tempus Veritatis. A ação autorizada pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes para cumprir 33 mandados de busca e apreensão revelou os movimentos de integrantes do governo e do Exército para impedir que o presidente Lula assumisse o cargo depois de sua vitória, em outubro do ano passado.
Financiamento de manifestações. A investigação revela a atuação da cúpula de Bolsonaro, inclusive na articulação de manifestações que dariam um suposto caráter popular a uma possível investida contra a democracia.
R$ 100 mil para custear atos. Em um trecho da decisão liberada por Moraes, por exemplo, há detalhes de um diálogo entre o então ajudante de ordens Mauro Cid e o major de Exército Rafael Martins, no dia 14 de novembro de 2022. A conversa foi para atender um pedido de R$ 100 mil para pagar transporte e estadia de manifestantes e "trazer pessoas do Rio", possivelmente, do Rio de Janeiro para Brasília.
Detalhes da investigação desmentem narrativa de Bolsonaro. O ex-presidente sempre tratou como atos democráticos, ou "manifestações espontâneas", as manifestações a seu favor que pediam, por exemplo, intervenção militar.
Das invasões do 8 de janeiro ao comando golpista. As manifestações golpistas aconteceram em vários momentos do governo Bolsonaro, com pedidos de intervenção militar. O ápice desses atos foi no dia 8 de janeiro, com a invasão de milhares de manifestantes à Esplanada dos Três Poderes. Na ocasião, foram presas 1.395 pessoas entre os dias 8 e 9.
Investigação apontou militares e aliados de Bolsonaro no planejamento do golpe. A PF apurou que ao menos quatro generais de quatro estrelas atuavam com o então presidente Bolsonaro para contestar o resultado das eleições de outubro de 2022, com o mesmo argumento adotado por manifestantes que invadiram Brasília.
Minuta de golpe e prisão de ministros. Foram descobertas cópias de minutas de golpe e um plano para prender o ministro Alexandre de Moraes, e até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Delação de Mauro Cid trouxe detalhes das ações golpistas. A PF chegou aos mandantes por meio da delação premiada do ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, homologada em setembro do ano passado. Cid foi preso em maio de 2023, numa ação que mirava inclusão de dados falsos sobre vacinação no sistema do Ministério da Saúde. O celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro foi apreendido. Nele, havia informações que foram reveladas nesta quinta.
Suposta fraude das urnas eletrônicas. A decisão de Moraes liga os pontos entre os passos do ex-presidente para justificar um eventual golpe. Em julho de 2021, por exemplo, Bolsonaro fez uma transmissão para seus seguidores, acompanhado do então ministro da Justiça Anderson Torres, com a finalidade de mostrar indícios de ocorrência de fraudes e manipulação de votos em eleições brasileiras, decorrentes de supostas vulnerabilidade do sistema eleitoral.
Atuação das milícias digitais. A Polícia Federal aponta a atuação de milícias digitais no segundo turno das eleições presidenciais de 2022 para "reverberar por multicanais a ideia de que as eleições presidenciais foram fraudadas, estimulando seus seguidores a 'resistirem' na frente de quartéis e instalações das Forças Armadas". O objetivo, segundo a investigação, "era criar o ambiente propício para o golpe de Estado".
Núcleo de desinformação. O argumento das urnas fraudadas sempre esteve presente no discurso dos apoiadores de Bolsonaro. As investigações desta quinta apontam para uma provável conexão entre um núcleo de inteligência, formado pelo ex-presidente e seus aliados, que distribuía a informação para os seguidores bolsonaristas através de um núcleo de desinformação. Entre os integrantes do núcleo, estariam Mauro Cid, o ex-ministro Anderson Torres, e até Fernando Cerimedo, um assessor do atual presidente argentino, Javier Milei.
Influenciadores e o incentivo a ir para a frente dos quartéis. A PF diz que um núcleo de desinformação teria atuado para produzir e amplificar notícias falsas, inclusive sobre supostos "estudos" que atestariam a falta de lisura das eleições presidenciais de 2022, além de "supostos registros de votos após o horário oficial, inconsistências no código-fonte, com a finalidade de estimular seguidores a permanecerem na frente de quartéis." Influenciadores ajudavam a incentivar os ataques "a partir da difusão em múltiplos canais".
PF tem vídeo de Bolsonaro com ministros discutindo 'dinâmica golpista'. O vídeo, em um computador de Mauro Cid apreendido pela PF, exibe reunião realizada em julho de 2022.
Daqui pra frente, quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o ministro não quiser falar, ele vai vir falar para mim por que que ele não quer falar. Se apresentar onde eu estou errado, eu topo. Agora, se não tiver argumento pra me ti... demover do que eu vou mostrar, não vou querer papo com esse ministro. Tá no lugar errado. Se tá achando que eu vou ter 70% dos votos e vou ganhar como ganhei em 2018, e vou provar, o cara tá no lugar errado.
Jair Bolsonaro, ex-presidente
Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito, tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições" (...) "Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro
Augusto Heleno, ex ministro-chefe do GSI
UOL revelou que Bolsonaro recebeu minuta, segundo Cid
Em setembro de 2023, o UOL revelou que Mauro Cid contou, em sua delação premiada, que Bolsonaro recebeu uma minuta de golpe preparada pelo então assessor internacional Filipe Martins, logo após perder as eleições para Lula.
Segundo a reportagem do colunista Aguirre Talento, na ocasião Cid também revelou aos investigadores que Bolsonaro consultou os comandantes das Forças Armadas sobre plano de golpe de Estado. A trama teve apoio do comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, e encontrou resistência dos comandantes da Aeronáutica e do Exército.