Autista, PCD, ambulante e morador de rua tentam absolvição no STF por 8/1

Réus em ações sobre os atos de 8 de janeiro de 2023, pessoas com deficiência, autistas, vendedores ambulantes e moradores de rua tentam demonstrar sua inocência aos ministros do STF.

O que aconteceu

Defensores públicos e advogados têm tentado absolver seus clientes mostrando que eles nada tiveram a ver com o ataque. Hoje, eles respondem em liberdade sob a condição de medidas cautelares, como tornozeleira eletrônica e comparecimento periódico à Justiça.

Até agora, a Corte condenou 188 pessoas e absolveu apenas uma: o morador de rua Geraldo Filipe da Silva. Ele foi inocentado depois de a PGR (Procuradoria-Geral da República) dizer que não havia provas contra ele. O ministro Alexandre de Moraes concordou, afirmando haver "dúvida razoável", e foi seguido pela maioria dos colegas.

'Não tem o menor jeito de golpista, não era um manifestante'. Com essa frase e uma foto de Elielson dos Santos, 47, a DPU (Defensoria Pública da União) inicia manifestação dirigida a Moraes em março. O ministro pediu que o órgão se posicionasse depois que o réu descumpriu as medidas cautelares por não ter comparecido à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal.

Denunciado vendia água no QG do Exército quando foi preso, diz a defesa. Elielson responde por "incitar, publicamente, animosidade das Forças Armadas contra os Poderes Constitucionais". O órgão informou a Moraes que se trata de "pessoa em situação de extrema vulnerabilidade social, que atualmente não tem telefone'' — o defensor só conseguiu conversar com ele depois de ligar para conhecidos com quem ele vende produtos no semáforo.

A justificativa [para não comparecer em juízo] é que ele é o único responsável pelos cuidados de seus 2 filhos menores de idade (9 e 10 anos), pois a mãe das crianças foi assassinada na frente delas na Bahia. Por esse motivo, os dois filhos menores vieram morar com o pai em Brasília. Diante dessa situação, ele pergunta se há a possibilidade de ser dispensado dessas duas obrigações, pois não tem com quem deixar as crianças.
Trecho de manifestação da Defensoria Pública da União

Embora diga ter provas de que estava no QG apenas para trabalhar, Elielson informou ter interesse em assinar acordo de não persecução penal para tirar tornozeleira e trabalhar. No acordo, a pessoa precisa confessar o crime, que deve ter pena mínima inferior a quatro anos, e tem que ser réu primário. Além de evitar o processo judicial, o mecanismo, se cumprido a rigor, evita que o denunciado perca a condição de réu primário.

Um vendedor ambulante chegou a Brasília na noite de 8/1, quando invasões já haviam ocorrido. A defesa alega que Ademir Domingos Pinto da Silva saiu de Passo Fundo (RS) num ônibus comercial rumo à capital federal para vender capas de celulares, bandeiras e camisetas do Brasil que havia comprado no Paraguai. A advogada Taniéli Telles de Camargo diz que ele foi detido mesmo depois de se identificar como ambulante, mostrar suas mercadorias, as notas e o valor de R$ 5.000 que havia ganhado com as vendas.

Jean de Brito da Silva foi diagnosticado com transtorno do espectro autista e deficiência intelectual moderada ainda na infância. Saiu de Juara (MT) sem conhecimento da família para "protestar contra o aborto" em Brasília e acabou detido na Praça dos Três Poderes enquanto ajudava idosas que fugiam de bombas de efeito moral, segundo sua defesa. Os advogados protocolaram laudos médicos que comprovam enfermidades, mas Jean ficou preso por seis meses no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Ele passou por perícia médica e foi constatado o que a defesa já havia apresentado.

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Diante do resultado, a PGR se manifestou pela "absolvição imprópria, haja visto o reconhecimento da inimputabilidade". Desde que foi solto, Jean passa por acompanhamento no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e aguarda a apreciação das manifestações da defesa e do MPF, disse ao UOL o advogado Robson Dupim.

Defensoria diz não haver provas contra morador de rua. Wagner de Oliveira é "acometido por problemas de saúde física (nanismo) e mental (esquizofrenia)", segundo a DPU. Na apresentação de sua defesa, há comprovações de atendimentos recebidos por ele no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua.

O que se está a sustentar é a inocência do réu por seu evidente distanciamento com qualquer propósito criminoso. O que se está defendendo é a inviabilidade de se emitir um juízo condenatório a um morador de rua que frequentava a concentração de pessoas no QG do Exército com o intuito de obter alimentação digna, algum conforto espiritual nos encontros religiosos e, talvez, a possibilidade de uma viagem para outro estado.
Trecho de manifestação da DPU

Tentativa de uniformização que não existe, diz defensor

As denúncias apresentadas ao STF ignoram as condutas individuais e são redigidas em bloco, com textos idênticos. De modo geral, segundo o defensor Gustavo de Almeida Ribeiro, os acusados enfrentam duas categorias principais de acusações: um grupo é composto por aqueles que estavam nos chamados QGs e são acusados de incitação ao crime e associação criminosa; o outro é formado por quem estava na Praça dos Três Poderes e está sendo acusado de abolição violenta do Estado de Direito, crime cujas penas variam de quatro a oito anos de prisão.

A PGR já sustentou a legalidade dessas denúncias.O subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, coordenador do grupo que investiga e apresenta denúncias contra os manifestantes, afirmou que a medida é possível porque os delitos foram praticados por uma multidão — os chamados crimes multitudinários. "A jurisprudência admite a narrativa genérica da participação de cada agente", disse Santos ao jornal O Estado de S. Paulo.

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O defensor Ribeiro também afirma que há réus sob risco de voltar à prisão por não conseguir cumprir as medidas cautelares. Ele cita, por exemplo, casos de pessoas em situação de rua que não têm onde recarregar a tornozeleira eletrônica.

Não necessariamente as pessoas que foram denunciadas foram flagradas fazendo alguma coisa. Claro que não foram todos, os objetos não se quebraram sozinhos. Tem o caso de uma senhora de 70 anos que falou que entrou no prédio público para não ser pisoteada, porque foi orientada por funcionários, e acabou presa. São 1.300 denúncias, há uma tentativa de uniformização que não existe. Infelizmente, o que tem acontecido é uma generalização muito grande. Nem todo mundo que estava lá está em situação igual ou sequer estava com os mesmos objetivos.
Gustavo de Almeida Ribeiro, defensor público federal

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