Análise: Por que Nunes se rendeu ao bolsonarismo na escolha do vice
Ao fim e ao cabo, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB-SP), precisou ceder à indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para a vaga de vice na chapa que vai disputar a sua reeleição neste ano. Ao deixar que o anúncio do nome do coronel da PM Mello Araújo (PL) saísse da boca do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Nunes deixou claro que aceitou a derrota de uma batalha que um dia ele vislumbrou vencida.
Era sabido que o prefeito não estava inclinado ao nome do ex-comandante da Rota, e Nunes chegou a verbalizar predileção por "uma candidata mulher". Vários nomes foram aventados, como Rute Costa, filha do pastor José Wellington, da Assembleia de Deus, e a delegada Raquel Gallinati.
O nome de Mello aparecia na bolsa de apostas da vaga a vice de Nunes desde o final do ano passado, com muitas ressalvas. Suas falas polêmicas do passado circularam nas redes sociais com comentários negativos e o prefeito mostrava preferência por um perfil mais pacificador.
Nos primeiros meses deste ano, Nunes se sentia muito mais seguro do que agora, diante de evidências de que seu nome ganhava simpatia na periferia da cidade. Era o que mostrava os levantamentos internos da prefeitura.
Em março, a pesquisa Datafolha traria a confirmação. Nunes estava tecnicamente empatado com o pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL), com 29% das preferências, contra 30% do seu opositor. Era uma ótima notícia depois de o prefeito aparecer atrás de Boulos em setembro de 2023, quando o instituto apontou Boulos com 32% e Nunes com 24%.
Outras pesquisas, como a AtlasIntel, também mostravam empate no mês de abril, com uma forte reação de Nunes na comparação com levantamentos anteriores.
Dali para a frente, o prefeito ouvia as especulações a respeito do nome que viria compor sua chapa, mas se reservava ao direito de dizer: "A decisão é minha". Tinha planos de adiar ao máximo o anúncio do nome do vice, preferencialmente para o mês de julho.
Naquele período, o jogo parecia mais bem desenhado para Nunes, que preocupava, inclusive, a campanha do seu principal opositor, Boulos. Pesquisas internas do psolista confirmavam que o prefeito mantinha um bom desempenho na periferia em virtude das obras em andamento nas franjas da cidade.
Àquela altura, o cenário parecia adverso para Boulos e sua pré-campanha acabou por antecipar a nomeação de Marta Suplicy como vice na sua chapa. Foi uma jogada política costurada por Lula que, ao mesmo tempo, trouxe Marta para o PT de volta e a tirou do campo de Nunes —ela era, até então, secretária de Relações Internacionais da prefeitura.
A aliança com a ex-prefeita era a chance de estancar a subida de Nunes nas regiões mais caras para o deputado do PSOL.
Mas o prefeito não contava com a entrada de Pablo Marçal (PRTB) no jogo, e que o apresentador Datena (PSDB) viesse a confirmar sua presença, independente de Tabata Amaral (PSB). Os dados apareceram nas pesquisas da Atlas, por exemplo, com reação de Boulos em maio e junho, quando o psolista assumiu a dianteira —a mais recente mostrou Boulos com 37,5%, contra 32,4% de Nunes.
Com Marçal no páreo, sua intenção de votos desidrata e cai para 24,1%. Pesquisas de outros institutos menores, por outro lado, mostram os dois pré-candidatos empatados. Seja qual for o parâmetro, o prefeito não parece estar em viés de alta na intenção de votos.
Os resultados colocaram sua ascensão em xeque, mais limitada do que Nunes chegou a acreditar. E o bolsonarismo apresentou-se como sua redenção.
No anúncio do nome do Coronel, Nunes e Tarcísio fizeram questão de afirmar que a decisão foi a partir de uma "convergência" dos partidos aliados. "Discuti conjuntamente e recebo de forma muito positiva uma construção de 11 partidos", disse Nunes durante anúncio do vice.
Agora, ele precisa lidar com a preocupação em seu entorno sobre o peso de Mello em sua campanha. O nome "bolsonarista demais" já acende o alerta de como o coronel da PM pode afetar as pretensões de Nunes. Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que os vereadores temem ser rejeitados em seus redutos eleitorais nas periferias com o vínculo de Mello Araújo.
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Quero receberA disputa segue em aberto e qualquer diagnóstico é prematuro neste momento. Mas para os adversários do prefeito, a chegada do ex-Rota é um "trunfo" para colar a imagem de Nunes à da "extrema-direita", o que, em tese, ajuda a desmontar a figura de "centro" que Nunes assume publicamente.
Por ora, os pré-candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Tabata Amaral (PSB) aproveitam a escolha do vice do prefeito para alfinetá-lo. "Se o prefeito Ricardo Nunes resistiu ao nome do Ricardo Mello Araújo, é porque não o queria como seu vice. Se foi forçado a aceitá-lo é porque quem manda na sua candidatura é o Bolsonaro", disse Tábata.
Boulos, por sua vez, atrela o vice ao negacionismo bolsonarista, que já foi rejeitado nas urnas na capital paulista em 2022.
O jogo está só começando e o tempo dirá se a estratégia de Nunes vai pelo caminho certo, ou se o vice terá um peso negativo.
Em troca de apoio eleitoral, Nunes é capaz de tudo. Tenho certeza que o povo não vai deixar que o negacionismo e o ódio bolsonaristas ponham as mãos sobre a maior cidade do Brasil.
Guilherme Boulos (PSOL)
Assim ele escancara sua fraqueza e deixa São Paulo de joelhos para outros interesses, não os da cidade.
Tabata Amaral (PSB)
Discuti conjuntamente e recebo de forma muito positiva uma construção de 11 partidos.
Ricardo Nunes (MDB), prefeito de São Paulo
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