OAB-SP julga hoje recurso sobre suposta incitação golpista por Ives Gandra

A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo) deve julgar nesta terça-feira (3), a partir das 9h30, um recurso contra o jurista Ives Gandra Martins por suposta incitação golpista às Forças Armadas.

O que aconteceu

A Câmara Recursal da OAB-SP vai julgar um processo disciplinar. O jurista de 89 anos foi alvo de uma representação em junho de 2023 após a Polícia Federal revelar que o celular do coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tinha arquivos com declarações de Gandra sobre as possibilidades constitucionais de intervenção militar. Bolsonaro e mais 36 investigados foram indiciados pela PF no último dia 21 por suposta tentativa de golpe de Estado.

Gandra venceu o caso em primeira instância. Em dezembro de 2023, o tribunal de ética e disciplina da OAB-SP avaliou que o jurista não cometeu infração e arquivou a reclamação. A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e o MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos), autores da queixa, recorreram da decisão.

As entidades alegam que Gandra feriu o código de ética da OAB. A norma prevê que o advogado "é defensor do Estado democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais". Para a ABI e o MNDH, o jurista violou essa regra ao contribuir para "uma interpretação distorcida da Constituição, a qual foi capaz de compor uma tentativa de golpe de Estado".

Ives Gandra afirma que nunca defendeu qualquer ação golpista. Em entrevista ao UOL, em junho do ano passado, ele disse não ver nenhum elemento que enquadre as respostas dadas por ele ao militar como favoráveis a um golpe de Estado. Ele afirmou, também, que não vê validade jurídica nas minutas golpistas encontradas com auxiliares de Bolsonaro, que são citadas pela PF como provas de que a cúpula do governo anterior discutiu estratégias para um golpe.

A ABI e o MNDH querem levantar novas provas contra Gandra. As entidades pediram à OAB-SP, na semana passada, que questione a PF sobre a existência de material que envolva o jurista, tendo em vista o novo depoimento prestado por Mauro Cid no final do mês passado sobre a tentativa de golpe. O advogado Carlos Nicodemos, que representa as duas entidades, afirmou ao UOL que levantará uma questão de ordem para que a OAB-SP não julgue o caso até que haja resposta da PF.

Julgamento foi adiado após pressão pública

O julgamento do recurso estava marcado para 8 de novembro, mas acabou adiado. O processo foi tirado de pauta após a advogada Ângela Gandra, filha de Ives e secretária da Família no governo Bolsonaro, protestar publicamente contra a OAB-SP por ter agendado o caso em meio a eleições para o comando da entidade no triênio 2025-27.

Ângela Gandra concorreu a vice-presidente em uma das chapas de oposição, mas foi derrotada. O advogado Leonardo Sica, candidato da situação e sobrinho de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, venceu a disputa em votação no último dia 21.

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A chapa de Ângela Gandra sugeriu que a OAB-SP fez uso político do julgamento contra o pai. O advogado Caio Augusto, candidato a presidente na chapa dela, afirmou em publicação no Instagram que via "uma perseguição velada" e pediu à entidade que o recurso fosse analisado depois das eleições internas. A filha de Ives Gandra, por sua vez, afirmou também no Instagram que o caso foi agendado "estrategicamente pela OAB nesta semana".

A OAB-SP negou, à época, ter tirado o recurso da pauta por pressão externa. Em nota enviada ao UOL, a instituição afirmou que o Tribunal de Ética e Disciplina é "imune a qualquer intervenção de ordem política", mas afirmou que não comentaria assuntos da disputa eleitoral e nem o conteúdo do recurso contra Ives Gandra, que corre em sigilo.

O Tribunal de Ética e Disciplina da OAB SP, entidade autônoma, independente e absolutamente imune a qualquer intervenção de ordem política, inclusive aquelas de caráter eleitoral dentro da própria Ordem, informa que a referida sessão de julgamento não consta da pauta desta sexta-feira, 8 de novembro de 2024, que é pública
Trecho de nota da OAB-SP em 07/11/24

Gandra defendeu que militares podem ser 'poder moderador'

No celular de Mauro Cid havia um texto e um vídeo com declarações de Gandra. O texto é um questionário respondido pelo jurista via email, em maio de 2017, a pedido de Fabiano da Silva Carvalho, um major do Exército. Os vídeos são entrevistas concedidas por Gandra sobre o assunto ao portal jurídico Migalhas e ao programa Pingos nos Is, da rádio Jovem Pan, em 2022.

Gandra defendia a tese de que as Forças Armadas poderiam ser "poder moderador". Em maio de 2020, quando estava na Presidência, Bolsonaro divulgou uma entrevista do jurista para o jornalista Oswaldo Eustáquio, sobre "a aplicação pontual do artigo 142" da Constituição. Em artigo para o site Conjur, naquele mesmo dia, Gandra escreveu que "se um Poder sentir-se atropelado por outro, poderá solicitar às Forças Armadas que ajam como poder moderador para repor, naquele ponto, a lei e a ordem".

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O STF rejeitou a tese de poder moderador das Forças Armadas. Em abril deste ano, o tribunal afirmou por unanimidade que a Constituição não dá margem a essa intervenção e que o emprego de militares para garantia da lei e da ordem só pode ocorrer em último caso, "quando houver grave e concreta violação à segurança pública interna". O Supremo decidiu sobre o tema a partir de uma ação do PDT que cita, entre outros pontos, o posicionamento de Ives Gandra.

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